segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

TOP 10 - Filmes 2013


Segue, conforme tradição do The Tramps, minha lista dos melhores filmes de 2013. Aproveito para desejar um Feliz 2014 aos leitores e aos colaboradores que ajudam a enriquecer o conteúdo por aqui.
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Violência originária da bestialidade dos homens.

A busca pela beleza, em meio ao vazio ruidoso de Roma.

03 - CÉSAR DEVE MORRER
Tragédia shakespeariana ressignificada no cárcere.

O Brasil classe-média encontra ecos no coronelismo do passado.

05 - O MESTRE
Fanatismo e promessas vazias de salvação.

06 - TABU
Prosa e poesia mediando o diálogo entre colonizador e colonizado.

Obsessão por um sorriso inventado (?).

08 - DENTRO DA CASA
A criação movendo relações e interesses.

09 - DJANGO LIVRE
Catarse antirracista manchando de vermelho o Sul norte-americano

Os auto-excluídos (o quanto podem) do nosso mundo de regras cartesianas.

domingo, 29 de dezembro de 2013

CINEMA A DOIS | Nothing's All Bad (Smukke mennesker)


A solidão elevada à máxima potência. Assim como li em uma crítica, acredito que Nothing's All Bad (Smukke mennesker) guarde pequenas semelhanças com Felicidade, de Todd Solondz, mas no dinamarquês não há complementariedade viável nos dramas vividos pelos personagens, diferente do visto em Felicidade. Em Nothing's All Bad (Smukke mennesker) o autor não nos deixa saída para felicidade, para uma solução. Sem esperança alguma, o filme vai tomando seu rumo. Tudo está acabado desde o princípio.

A solidão é avassaladora e sem limites. Em um ambiente hostil e frio, em todos os sentidos, a degradação humana vai tomando conta das cenas, da vida dos personagens e ainda quando nos últimos minutos surge uma luz, bem de longe, como se dali pudesse haver transformação, o que fica para nós é uma sutil acomodação da dor, do sofrimento, daquilo que restou e agora pode ser processado, como uma espécie de redução de dano.

Grandes atuações que sobrevivem às cenas e ao roteiro, estes não tão bons quanto.
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Provavelmente, o cinema escandinavo é aquele em que mais aflora o desconforto brutal do ser humano, seja frente a seus fantasmas ou mesmo à angústia de viver em comunidade. Nothing's All Bad (Smukke mennesker) é uma realização de 2010, e não foge dessa vocação de buscar nas extremidades, na sordidez, a chave para a deterioração geral.

Em Nothing's All Bad (Smukke mennesker) o sexo é imprescindível, pois via pela qual desaguam tanto o desejo, quanto a falência dos personagens. As pessoas transam para aplacar a solidão, para esquecer um problema, para aceitar seu corpo, para ganhar a vida, mas dificilmente por amor ou puro prazer. Nesse mundo onde a volúpia se aproxima da morte, sexo e afeto são quase insociáveis. Por sua vez, as relações de sangue parecem apenas servir como expositoras de hereditariedade, mas não no que diz respeito a algo do código genético, e sim ao seu equivalente emocional.
   
Se o filme força algumas coincidências, elas são justificadas em parte pelo impacto do final, dado numa sequência meio ridícula, desajeitada no princípio, mas, logo percebida como fechamento agridoce e, em certa medida, esperançoso, para pessoas cujos caminhos pareciam irremediavelmente longe de qualquer felicidade. 


Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Doses Homeopáticas #12


Após um antecessor enrolado, eis que O HOBBIT: A DESOLAÇÃO DE SMAUG surpreende. A continuação das aventuras de Bilbo e dos anões liderados por Gandalf é dinâmica e faz uma ótima ponte com os eventos mostrados na trilogia O Senhor dos Anéis. Até mesmo a elfa Tauriel, personagem inexistente no livro, funciona muito bem. Mas, claro, todos esperavam a aparição de Smaug, o terrível, e não é que Peter Jackson – e sua equipe de efeitos especiais - conseguiu fazer o dragão tão ameaçador como ele é descrito nas páginas de Tolkien? Enfim, não dá para reclamar tanto de O HOBBIT: A DESOLAÇÃO DE SMAUG, a não ser pela fidelidade de Jackson à mania chata de acabar o filme num momento crucial, daqueles que clamam pela sequência. Enfim, pelo menos há o que comemorar, pois voltamos em grande estilo à Terra Média.


O cineasta Hong Sang-soo é frequentemente comparado a Eric Rohmer. Afora essa aproximação que, a despeito do visível talento do oriental, tende a lhe desfavorecer, pois o coloca lado a lado com um grande artista francês, vejamos seus filmes pelo que representam, não apenas individualmente, mas em conjunto. Pois, como li por aí, o cinema de Sang-soo se repete por procedimento, não vitimado pela escassez de ideias. Em FILHA DE NINGUÉM temos a jovem adulta Haewon, às voltas com a mudança da mãe para o Canadá e com o relacionamento mantido com um professor casado. Seu cotidiano de incertezas é povoado de dilemas existenciais apresentados no que eles têm de mais cotidiano. Nada parece acontecer, mas é nessa aparente inércia que se aloja a força dramática de FILHA DE NINGUÉM.


A GRANDE BELEZA, de Paolo Sorrentino, faz bonito frente à tradição grandiosa do cinema italiano, feita dos trabalhos de Fellini, De Sica, Visconti, Antonioni, Monicelli, entre tantos outros. Que grande filme esse protagonizado por um jornalista habituado a festas tão vazias quanto excêntricas, que reflete sobre a vida em meio à burguesia e as particularidades de uma Roma próxima (porém, atualizada) daquela registrada por Fellini em A Doce Vida.  Que imagens exuberantes: a da girafa, a do transatlântico naufragado, a da religiosa centenária subindo uma escada de joelhos, a da notícia inesperada da morte de alguém importante do passado, etc. Que trilha sonora, que fluidez visual feita de travelings e outras concepções que dão à imagem o status e a função merecidos. Até onde lembro, poucas vezes o cinema recente se aproximou com tanta habilidade da “magia” que parecia perdida lá pelos anos sessenta. Que filme, que filme.


As quatro histórias que formam UM TOQUE DE PECADO são interligadas pela violência, não raro último recurso dos personagens para lidar com um mundo desonesto, inescrupuloso e avesso às soluções diplomáticas. Jia Zhang Ke mostra a China longe daquele modelo de desenvolvimento que nos é vendido, bem distante da imagem ascendente da nação superpopulosa, tida por especialistas como exemplo de soberania e crescimento. Essa “denúncia” surge banhada em sangue, cujo pigmento evidencia por saturação a catarse de gente que não suporta mais sobreviver ao invés de viver. As intenções são as melhores possíveis, e não me pareceu que a violência seja exacerbada ou destituída de propósito. Contudo, UM TOQUE DE PECADO me soou um tanto cansativo, longo e vítima da reiteração.



Assistir ESQUECERAM DE MIM no Natal faz todo sentido, pois, afinal de contas, é justo na véspera da data mais famosa de dezembro que a família McAllister, de viagem a Paris, esquece o filho mais novo. Como desgraça pouca é bobagem, além de estar sozinho, Kevin precisa lidar com uma dupla de ladrões que resolve depenar a casa. Mal imaginavam eles que o garoto deixaria o medo de lado e armaria uma série de arapucas para defender o lar de sua família. Com grandes nomes envolvidos (John Williams na trilha sonora, John Hughes no roteiro, Joe Pesci no elenco), ESQUECERAM DE MIM é um filme divertido para caramba, ainda mais quando entra naquela etapa onde cada tentativa de arrombamento dos ladrões resulta numa punição digna dos desenhos animados. Além disso, guarda uma mensagem bonita para o fim, onde a superação do medo do garoto encontra ecos na reconciliação do vizinho misterioso com sua própria família.    

sábado, 21 de dezembro de 2013

O Que Traz Boas Novas


Não há construção de sociedades sólidas sem comprometimento com os meios educacionais. Nas salas de aula, sobretudo nas de formação básica, molda-se o futuro cidadão, para o bem ou para o mal. Nesse contexto, a figura do professor é muito importante, afinal por ela passa o direcionamento não só intelectual, mas também moral, dos avessos a deveres e ditados de ocasião. São inúmeros os filmes que centralizam o educador, lançando luz sobre seu valor. Some a esse filão o recente O Que Traz Boas Novas, longa canadense que concorreu ao Oscar de Filme em Língua Estrangeira.

Estamos em Quebec, logo após o suicídio por enforcamento da professora encontrada suspensa em plena sala de aula. Comoção geral: pais atentos ao trauma dos filhos, crianças estarrecidas e a diretiva ocupada com o restante do ano letivo. Cabe ao Sr. Bachir Lazhar, imigrante argelino, a missão de substituir na prática e no campo psicológico aquela que, involuntariamente, fez da morte uma dura lição aos pequenos. Para ele e para todos os demais o início é trôpego, e como, oras, poderia ser diferente? Os alunos estão arredios, estranhos aos métodos na certa “ultrapassados” de alguém que cita Balzac na contramão da conduta professoral contemporânea. O novo mestre sente o golpe e precisará administrá-lo enquanto vê seu passado bater à porta.

Ainda que se possa extrair de O Que Traz Boas Novas observações acerca da coletividade, nenhuma delas realmente ganha fôlego norteador. Do que trata o filme? A rigor, da jornada particular de um homem, para além de qualquer matiz enriquecedor. O acúmulo de mensagens ligeiras (imigração, morte, aprendizado moderno, etc) acaba tirando do filme possibilidades de expansão. Então, o maior pecado de O Que Traz Boas Novas é ater-se puramente à trama, sem incentivar subtextos ao protagonismo. Dessa maneira, navegamos em maré mansa, na qual seguimos tranqüilos, sem ondas ou virações maiores.

Contudo, seria injusto negar que o filme possui olhar maduro, preocupado com questões de ordem educacional e humana. Assim, bem-intencionado, o diretor escorrega mesmo na submissão à exposição, atendo-se pouco à conexão entre a instabilidade interna do mestre (atormentado pela dura situação social de seu país) e as particularidades diárias que fazem do âmbito escolar um dos mais relevantes. Sem esses cuidados de carpintaria, o longa de Philippe Falardeau acaba como trajetória (anêmica) pessoal e bonita homenagem à relação aluno/professor, aliás, de cerne semelhante a outras vistas por aí.  


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Faroeste Caboclo


Quem não conhece a história de João de Santo Cristo? Os quase 10 minutos da canção Faroeste Caboclo, um dos emblemas da Legião Urbana de Renato Russo, gravaram em nosso imaginário a trajetória desse personagem marginalizado que sai do Nordeste e vai para Brasília encontrar amor e danação. Era apenas questão de tempo até que alguém enfrentasse a tarefa de levar às telas essa melodia nascida com vocação cinematográfica. Portanto, repleto de expectativa, chega ao circuito o primeiro longa do diretor René Sampaio, prometendo não a ilustração da música, mas a expansão de sua trama com a adição de novos personagens e fatos.

João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) parte de sua cidade natal, encontra Pablo (César Troncoso), Maria Lúcia (Ísis Valverde), Jeremias (Felipe Abib) e mais uma série de tipos que tornam limítrofe sua experiência no cerrado. Desde o início fica clara a escolha do amor como conduto do enredo: por ele João lutará, ganhará dinheiro, deixará o crime e, depois, pegará em armas novamente. Isso não afasta outros elementos, como o êxodo, a luta social, discriminação, diferença de classes, etc. Aliás, interessante notar, o roteiro consegue contrapor muito bem as realidades de Brasília. A periferia empobrecida (feita muito de trabalhadores braçais que construíram a cidade) invade o ambiente urbano de adolescentes burgueses embalados pelo díptico drogas/rock.

As inconstâncias e excessos inerentes ao primeiro trabalho diretivo aparecem vez ou outra, num maneirismo aqui, outro acolá. A própria referência ao spaghetti western surge tal fetiche de fã e passa do ponto algumas vezes, sobretudo na sequência final (logo volto a ela). Por outro lado, René se esmera na construção de um clima violento, onde também o sexo não é visto com puritanismo. Faroeste Caboclo passa longe de ser videoclipe, é realmente filme com ritmo e pegada de cinema. Há tradução de certas alegorias e liberdades poéticas da música para linguagem próxima do real, dentre outras adaptações necessárias (e felizes) que dotam o longa de identidade própria, longe de eventual e perigosa reverência exacerbada à matriz.

No campo das concessões (quase intrínsecas a projetos dessa envergadura e apelo popular), há pelo menos duas que enfraquecem ideologicamente Faroeste Caboclo, porque buscam justificar moralmente atos dúbios dos protagonistas. João mata um policial a sangue frio, e o ato é seguido pela exposição da motivação “nobre”. Da mesma maneira, lá para o fim, Maria Lúcia (como todos sabem) casa com Jeremias, não sem antes ficarmos cientes da dignidade contida na “entrega”.  Faroeste Caboclo tem um pé no risco e outro na facilidade, morde e assopra, pois visual e dramaturgicamente forte, enquanto ligeiramente paternalista com suas figuras.

O final, duelo na Ceilândia em frente ao Lote 14, é homenagem aberta a Três Homens em Conflito, de Sérgio Leone, tanto no que diz respeito aos enquadramentos quanto à sua dinâmica triangular. Pena o interesse residir apenas na alusão, já que como sequência em si é bem menos impactante do que se poderia esperar (rápida e ligeiramente anticlimática). René Sampaio simplifica tudo em prol da realidade (excelente opção), excluindo plateia, televisão e bandeirinhas, mas, a meu ver, peca por quase banalizar o embate. Falta pathos no encerramento desse filme que 9,5 entre 10 fãs da Legião Urbana quiseram realizado. Faroeste Caboclo está lá, finalmente na tela, passa e diverte, faz pensar, às vezes, mas pode soar um tanto decepcionante caso se espere o mesmo impacto causado pela composição de Renato Russo. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 14 de dezembro de 2013

Doses Homeopáticas #11


CINE HOLLIÚDY é um filme joiado, como diriam os cearenses. O diretor Halder Gomes mostra algo verdadeiramente popular, não popularesco tal as globochanchadas. Recheia sua trama de personagens carismáticos e arquetípicos, comenta a própria luta do cinema para sobreviver ante as novas tecnologias (e em 1970, época na qual se passa, a TV era sua grande ameaça), e se apoia no idealismo de Francisgleydisson, exibidor de filmes, apaixonado tanto por artes marciais, quanto por contar histórias. Falado em “cearencês”, com expressões bastante locais (por isso as legendas), CINE HOLLIÚDY faz rir sem apelar tanto e parece repleto da memória afetiva de seu criador. Além disso, Edmilson Filho, intérprete do protagonista, é uma descoberta das boas. CINE HOLLIÚDY aproxima o cinema e o povo nordestino, já que ambos são, antes de tudo, uns fortes.


PAIXÃO E ACASO é precário, para dizer o mínimo. Na trama adaptada de uma peça do e pelo próprio Domingos Oliveira, certa psicanalista recebe visitas de um ente querido morto (vestido como Humphrey Bogart) e, seguindo conselhos do além, acaba se apaixonando por pai e filho ao mesmo tempo. Uma confusão amorosa sem graça, com piadas e situações forçadas, atuações discutíveis e um desleixo estético típico de alguns longas de Domingos, mas aqui sem, pelo menos, o apoio de um bom texto. Fica difícil achar qualquer passagem interessante. Os pacientes da protagonista, e suas respectivas sessões, a intrusão de um narrador inútil e de “fantasmas” idem, tudo soa amontoado e liquefeito em meio a diálogos repletos de auto importância injustificada pelo conteúdo raso. Enfim, esquecível.


Já PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER, do mesmo Domingos Oliveira, merece alguns bons elogios. Pode não estar no nível de SEPARAÇÕES, ou de TODAS AS MULHERES DO MUNDO, (neste caso, se quisermos tornar a comparação quase covarde), mas tem boas passagens sobre aquilo que o cineasta parece mais apreciar: pessoas e os infortúnios de certos relacionamentos. Na história, várias pessoas passam o primeiro dia do ano numa propriedade fluminense afastada do centro. Todos ricos e bem sucedidos, ou quase todos, eles, contudo, não são imunes a desilusões amorosas, decepções, infidelidades, rancores e outros pesares. Por mais que haja exposição de uma boa parcela de problemas, PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER é um filme otimista, que transborda a paixão de seu criador pela complexidade humana, paixão esta tão bem verbalizada em dado momento pelo personagem interpretado por ele próprio.


Lá do início da carreira do argentino Gaspar Noé, vem CARNE, média-metragem com muitos dos elementos recorrentes nos posteriores filmes do cineasta. Abre com a morte e o esquartejamento de um cavalo, evento seguido de parto registrado quase em close da genitália feminina. Morte e vida irmanadas na carne que sangra. O protagonista é um açougueiro irascível e obcecado pela filha. Em dado momento, ele agride violentamente um inocente por suspeitar dele como abusador da menina. A crueza da imagem combina muito bem com a aridez emocional desse personagem principal. A montagem é dinâmica, algumas transições provocam desconforto (proposital) e auxiliam na criação de uma atmosfera muito particular, onde explode a barbárie constatada muito mais nos atos e pensamentos do açougueiro, do que propriamente na sua rotina de abater animais e fazer deles alimento.



Os 179 minutos de AZUL É A COR MAIS QUENTE passam que a gente nem sente. Abdellatif Kechiche mostra, mais uma vez, sua capacidade quase irrepreensível de naturalizar o que o cinema tende a transformar em espetáculo quase por vocação. O amor entre as duas garotas, a jovem Adèle e a calejada Emma, surge à primeira vista e avança como qualquer outro. As cenas de sexo são fortes e bastante excitantes, mas fiquei com a impressão de que a reiteração delas não acrescenta muito ao todo. AZUL É A COR MAIS QUENTE é sobre a educação sentimental de Adèle, seu crescimento pessoal mediado por um grande amor. Antes que eu esqueça, assim como em O SEGREDO DO GRÃO, Kechiche utiliza exemplarmente a comida como alusão à herança familiar. Há muito mais o que falar do filme, inclusive certas relativizações, mas o espaço é curto. Independente dos superlativos utilizados para defini-lo (a meu ver, alguns muito justificados, outros nem tanto), AZUL É A COR MAIS QUENTE é obrigatório dentre os filmes em cartaz. Já dá até vontade de rever.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Avante, Manoel


"O cinema só trata daquilo que existe, não daquilo que poderia existir. Mesmo quando mostra fantasia, o cinema agarra-se a coisas concretas. O realizador não é criador, é criatura" 

Manoel de Oliveira


Manoel de Oliveira completa hoje 105 anos. Não costumo registrar aqui no blog os aniversários, contudo é incontornável a longevidade e, mais que isso, a lucidez criativa desse cineasta cuja carreira começou em 1931, com o curta-metragem Douro, Faina Fluvial.

De seus filmes, vi apenas quatro. Não gosto de Um Filme Falado, essencialmente uma aula de geografia/história cansativa, e de Sempre Bela, sequência um tanto solene demais de A Bela da Tarde, de Buñuel. Gosto muito de O Estranho Caso de Angélica e de Singularidades de Uma Rapariga Loura. Aliás, duas obras-primas.

De qualquer maneira, há de se celebrar, tanto a expressiva idade de Manoel, quanto a incessante vitalidade de seu ímpeto criador.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Contrastes Humanos


Em busca de contrastes, o diretor John Sullivam parte numa jornada de conhecimento, despindo-se de vestes caras para enrolar-se em panos velhos que denotam pobreza. O filme de Preston Sturges, Contrastes Humanos, tem, então, como figura central esse diretor de cinema, homem à procura da realidade moradora longe dos palacetes aos quais está habituado. Ele quer fazer um filme engajado que mostre todas as mazelas do povo americano atingido pela grande depressão. Claro, consegue aval do estúdio empregador apenas com a condição de revestir tal jornada com a lona do circo midiático.

Não demora e notamos a “dificuldade” de levar tal intento a cabo, justo porque ele é seguido de perto pela caravana que documenta a viagem lhe oferecendo conforto quando bem entender. Numa lanchonete, com apenas 10 centavos no bolso, Sullivam recebe ajuda de uma desgostosa aspirante a atriz, que, tão logo ciente do segredo daquele falso mendigo, passa a o acompanhar, igualmente maltrapilha. Por mais que o casal tente continuar seu périplo quase franciscano pelo interior estadunidense, sempre acabam no trailer ou mesmo na mansão dele. Há algo os tragando para fora de toda encenação empreendida, o que acaba trazendo inevitável artificialismo à experiência. Os pobres de verdade não têm escape, já os ricos passando-se por eles podem parar quando cansarem da brincadeira.

Chegamos quase à seara do filme-tese em Contrastes Humanos, pois ele é conduzido por um viés crítico específico, julgamento não tão velado assim de artistas pseudo-engajados sem vivências que fundamentem e legitimem eventuais investigações das classes menos favorecidas. Essa “hipocrisia” emerge nas voltas de Sullivam ao aconchego e na “verdade” que alcançará tão e somente depois de viver situação limite, daquelas definidoras de uma vida. Ali ocorre a edificação do novo homem e, por que não, de um entendedor dos inúmeros caminhos percorridos por sua arte para alcançar relevância. O final solar não é apenas convenção, mas, sobretudo, recompensa ao protagonista por transpassar a fase essencial de aprendizado.

Relativamente bem-humorado (algumas gags soam desajeitadas), Contrastes Humanos propõe-se ilustrar uma visão ofertada pelo posicionamento nada indulgente de Sturges frente a seu próprio ofício e colegas de profissão. Como todo bom cinema, apresenta ideias, ainda que peque pela falta de sutileza ao induzir o desfecho feliz. Fica a cargo do espectador mais ligado estabelecer ou não concordância com as opiniões defendidas no filme. Mesmo assim, Contrastes Humanos traz relevante contribuição para o diálogo entre artistas e formas de construção cinematográfica, bem como às possibilidades de ressonância do cinema no público, tudo isso embalado numa narrativa clássica, ritmada bem à moda das boas tramas do cinemão americano de antigamente.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 1 de dezembro de 2013

De Olhos Bem Fechados


De Olhos Bem Fechados (1999) é o testamento cinematográfico de Stanley Kubrick, ele que foi um dos mais importantes diretores da história. Recebido na época com desconfiança, sinal de declínio para muitos, todavia o longa é bastante afinado com as obsessões recursivas de seu criador, homem crente, por exemplo, na exaustão como caminho para algo próximo do perfeito. O protagonista, incialmente do conto Traumnovelle, de Arthur Schnitzler, no qual o filme foi baseado, é Bill (Tom Cruise), bem-sucedido médico nova-iorquino. Após festa onde tanto ele quanto a esposa, Alice (Nicole Kidman), flertam entre a inocência e o perigo com pretendentes aleatórios, fato a princípio sem maiores danos, Bill se vê confrontado pela quebra da confiança na mulher, onde alicerçava a segurança de sua vida.

Alice não traiu seu marido, não dormiu com alguém, apenas admitiu, sob o efeito da erva, ter idealizado relação com desconhecido marinheiro numa das viagens do casal. Ora, sabemos, a fantasia passa muitas vezes ao largo da vontade/necessidade de concretização, mas para Bill tal “confissão” surge como indicativo da força sexual da esposa, com a qual não parece lidar muito bem. Passa, então, a ser atormentado frente a ideia de Alice ser possuída por outro no terreno entre a lascívia e a imoralidade. Assim, abalado, ele sai para atender chamado profissional na madrugada (véspera de Natal) em que será cortejado pela filha do paciente recém-falecido, quase consumará sexo com prostituta e acabará, antes de voltar para casa, num ritual misterioso. Para Bill, só é permitido entrar nas vertentes de seu próprio desejo a partir do instante em que constata a suposta independência sexual de Alice. Se ela pode, ele não? Vendeta pura.

Como num pesadelo repleto de estágios, mais real e ordinário que nós mesmos podemos conceber num primeiro momento, Bill adentra na tal cerimônia orgiástica em meio a pessoas fantasiadas e mulheres submissas ao prazer alheio. A atmosfera onírica proposta por Kubrick é calcada na construção imagética e no expressivo aporte dramático da trilha sonora, elementos que nos transportam - assim como ao protagonista - quase à realidade paralela onde o desejo não vê barreiras e manifesta-se de maneira primitiva. Bill presencia cenas de sexo desobedientes dos códigos sociais vigorantes, homens e mulheres ocultos deliciando-se ao ver ou “consumir” vestais igualmente mascaradas. Algo mais libertador que dar vazão aos anseios recônditos sem qualquer culpa, pois na ignorância?

De Olhos Bem Fechados é digno do gênio responsável por outras obras inesquecíveis como 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Laranja Mecânica, Nascido para Matar, Glória feita de Sangue, etc. Investindo fundo na psicologia de seus personagens, Kubrick subverte, também, o papel da celebridade ao escalar para seu derradeiro filme o casal queridinho da época, trazendo suas figuras (diegéticas ou não) para o espectro comum. Assim sendo, não são nada aleatórias as cenas iniciais (Kidman inclusive urina banalmente de porta aberta) atentas à “humanidade” longe da idealização sobre abastados da Big Apple e astros de cinema. Especulações acerca da inspiração maçônica para o ritual visto no filme ficam em segundo plano quando se percebe a real intenção de Kubrick: explorar as complexas vias pelas quais o desejo escoa do nascedouro até a superfície. No final, a culpa evidenciada por meio do choque entre o objeto do “pecado” e o da paixão serve como desculpa para o homem confessar suas falhas em busca de absolvição. Bill e Alice seguem em frente, não sem sequelas, mas saltando pactualmente sobre neuroses e obsessões, uma vez conscientes de sua primal fragilidade. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

TOP5 - Episódios de Chaves

O TOP5 desta semana foi feito por Leonardo Ribeiro, assim como eu, um fã inveterado de Chaves, Chapolin e Cia. Nele, cinco episódios clássicos de Chaves, série que atravessa gerações entretendo crianças, jovens e adultos.
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1 – Chaves em Acapulco (Vamos Todos a Acapulco – Parte 1 / Os Farofeiros – Partes 1 e 2
Episódio marcante por ser um dos raros (e melhores) momentos em que a turma deixa a Vila. Uma história que começa com Chiquinha e Seu Madruga ganhando uma viagem para Acapulco e termina com toda a turma no Guarujá! O final, ao som Boa Noite Vizinhança, é clássico. 



2 – Seu Madruga Professor (O Primeiro Dia de Aula – Partes 1 e 2
Os episódios passados na escola sempre estiveram entre os preferidos do público. Em meio a tantos, um dos melhores é o episódio em que Seu Madruga assume o comando da aula, explicando o significado do símbolo da caveira: PRE-RI-GO! Uma atuação antológica de Ramón Valdés! 



3- O filme do Pelé! (Vamos ao Cinema?
Outro episódio em que os personagens saem da Vila, dessa vez para irem ao cinema, gerando a revolta de Chaves e sua frase clássica: “Era melhor ter ido ver o filme do Pelé”! Episódio também de importância história, pois é o primeiro sem Carlos Villagrán, o Quico. Curiosidade: o filme que Chaves realmente queria ver era “El Chanfle”, longa escrito e dirigido por Roberto Gómez Bolaños. 


4- O Gato ou o Quico? (O Julgamento do Chaves – Partes 1 e 2
Chaves é acusado de atropelar o gato do Quico. Para resolver o problema, Seu Madruga sugere um julgamento, como nos filmes do “Pede Mais Um” (Perry Mason). A sequência do “tribunal”, com Prof. Girafales de juiz e Seu Madruga de advogado de defesa é hilária, gerando outra frase icônica da série (O Gato ou o Quico?) e com direito até a reviravolta final! 


5- O senhor não vai morrer, vão matar o senhor! (A Morte do Seu Madruga) 
Chiquinha resolve fazer uma festa surpresa para seu pai com a ajuda de todos da Vila, menos do Chaves, que acaba confundindo as coisas e achando que todos preparam um plano para matar o Seu Madruga. Novamente, Ramón Valdés rouba a cena, como na sequência inesquecível em que se olha no espelho e vê uma caveira!



domingo, 24 de novembro de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - Império dos Sonhos e Senhores do Crime


Em 2006, quando Império dos Sonhos foi lançado, muita gente se sentiu enganada, incluindo aí alguns fãs fervorosos de David Lynch. A controvérsia gerada não é gratuita, afinal de contas dá para dizer: esse é um dos filmes mais delirantes feitos nos últimos anos. Inclassificável, indecifrável, fraude, engodo, o que seria Império dos Sonhos? Para começar, ele radicaliza os processos narrativos de Cidade dos Sonhos, seu antecessor. Se na trama iniciada nas sinuosas curvas da Mulhohand Drive o onírico carrega o drama em dois tempos bastante distintos, cuja comunicação já se dá mais por meio dos vários vieses interpretativos, do que por qualquer concretude, aqui a sensação de confusão é bastante amplificada, pois, para começar, não são apenas duas “realidades”, mas múltiplas camadas imbricadas, estas ora contradizendo, ora afirmando umas as outras.

Algumas coisas soam gratuitas em Império dos Sonhos, dando insumos aos detratores de Lynch para reforçar a ideia de engodo. Mas se mergulharmos nem que seja um pouco no delírio do diretor, talvez consigamos pistas. A mulher que acompanha os acontecimentos pela televisão pode ser nosso elo com a “realidade”. A TV, quiçá veículo das projeções de seu inconsciente, é moldura por onde vemos a personagem que supostamente “criou” para lhe representar num mundo ideal, onde ela seria famosa, bem sucedida, disputada por dois homens (inclusive o marido, zeloso ao extremo, diferente do seu “real”, estagnado), e ainda as referências a um possível passado de prostituição na Polônia. Hipóteses, apenas hipóteses.

Por sua vez, a famigerada sitcom de coelhos parece figurar apenas como pontuação do ridículo, pois alude ao cotidiano de uma família americana classe média, com jargões e seu respectivo “público” pronto para gargalhar de qualquer coisa. Império dos Sonhos é um filme difícil de ver, longo e pesado. Em meio a tanta incerteza e falta de chão, fica o enigma por solucionar ou curtir sem ambicionar a resolução. Claro, há também os que torcem quadro após quadro para o filme (e o martírio) acabar.

Antes mesmo de Senhores do Crime, o duo Viggo Mortensen/David Cronenberg já havia provado, em 2005, que daria muito certo, com Marcas da Violência, filme igualmente voltado à brutalidade dos homens, à capacidade do ser humano de desvirtuar-se visando poder. Tão violentos quanto inteligentes, tão crus quanto profundos, ambos os longas revelam a porção realista e convencional às quais Cronenberg parece ter se rendido, é claro, sem deixar de lado o estilo metafórico e biológico-humano.

Entre mistérios e paixões (sem trocadilhos), Senhores do Crime conta a história de Anna, parteira que presencia a morte de uma jovem, justo durante trabalho de parto. Ao revelar a noticia para a família, a moça acaba descobrindo o que acontecia por trás de tudo aquilo, os meandros escusos sob o véu da aparente normalidade. Ali, onde as leis do submundo emergem para dominar a superfície, ela conhece Nikolai, homem misterioso e soturno que, aos poucos, se revela um típico personagem cronenberguiano. Aliás, incrível atuação de Viggo Mortensen!

Se com Império dos Sonhos David Lynch polarizou opiniões, mesmo entre seus “seguidores” mais xiitas, estes divididos entre as qualidades do longa e a presença excessiva de elementos cifrados, Cronenberg com Senhores do Crime não apenas apresentou um dos filmes mais incisivos e violentos de sua carreira, mas também reafirmou a curva criativa iniciada com Marcas da Violência, assim angariando novos públicos, além dos seus fãs afeitos a metamorfoses e às transformações (físicas e psicológicas) antes apresentadas de maneira mais explícita. 

A respeito dos filmes e da relação dos mesmos com a obra de seus criadores, podemos dizer que enquanto Cronenberg rumou ao amadurecimento, Lynch deu passos à radicalização perigosa e restritiva de seu cinema.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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IMPÉRIO DOS SONHOS – Por Lai King Wu 
Associe os coelhos que aparecem em Império dos Sonhos à ilusão, pois eles são animais utilizados em mágicas, aparecendo dentro das cartolas. Portanto, para mim, foi o filme mais difícil de ser decifrado e o único que me deu medo. Laura Dern está maravilhosa, o tempo todo é como se estivesse possuída por algum espirito. Obra-prima incompreensível, incoerente, um pesadelo onde os personagens se comunicam através de códigos, um labirinto caótico e cheio de espelhos. Eu digo espelhos, pois sinto que, no fundo, possuímos um filme do Lynch dentro de nós, havendo um reflexo nosso nas histórias distorcidas que são contadas.

Império dos Sonhos foi o único filme que me fez ver também conferir os extras. Eu nunca vejo. E lembro que, em algum momento, comecei a confundir o filme com Cidade dos Sonhos. Ainda acho Império dos Sonhos bem mais complexo.

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SENHORES DO CRIMEPor Bianca Siqueira 
David Cronenberg me fez lembrar os heróis de outrora, onde máscaras e disfarces davam conta da segurança da localidade. Eles se misturavam com a rotina das pessoas e ali podiam ver as mazelas sociais e afastá-las. Aqui, em Senhores do Crime, este personagem veste o disfarce e se mistura a máfia para desvendar seus domínios. 
O roteiro de Cronenberg destaca uma adolescente em trabalho de parto e o nascimento da sua filha. A partir deste fato nos deparamos com a exploração sexual de menores e homicídios praticados por esta organização que detém poder econômico, e aparente harmonia familiar. Estes símbolos de projeção social desenham as bases do poder paralelo para um cotidiano perverso. As interações promovidas pela máfia se projetam e contaminam valores fundamentais da cultura local. O nascimento e a morte, por exemplo, são apenas estatísticas, pois o verdadeiro significado destes bens é ditado pelas necessidades desta organização. 
Símbolos importantes para a igreja, como a cruz, a águia de duas cabeças, são apropriados pelos integrantes do grupo para que entre eles se faça a comunicação desejada.  Outros símbolos bem mais sutis e bem, mais difíceis de serem retratados, também são cooptados e transmitidos de forma singular. É nesta dinâmica que Cronenberg nos permite um interlocutor infiltrado esclarecendo as articulações mantenedoras desse poder.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Doses Homeopáticas #10


O CONSELHEIRO DO CRIME é um filme forte, passado naquela fronteira complicada entre México e EUA, esta ainda mais brutal quando filtrada pela estilização do escritor Cormac McCarthy, aqui responsável por argumento e roteiro. O crime é contemplado no seu viés mais profissional, isso visto brilhantemente, por exemplo, na minúcia com a qual é planejada certa decapitação envolvendo cabo de aço e motocicleta em alta velocidade. O elenco é de primeira, com destaque para Michael Fassbender, cada vez mais confortável na posição de protagonista. Por outro lado, O CONSELHEIRO DO CRIME é confuso, sua estrutura parece amarrada de maneira preguiçosa, o que torna os fragmentos superiores ao todo. Ainda assim, algo para ver.


O início de JOVEM E BELA lembra muito os filmes de Eric Rohmer, sobretudo PAULINE NA PRAIA. No decorrer, outras referências aparecem, sendo A BELA DA TARDE uma das mais evidentes. Mas, para além dessa aproximação com a obra alheia, o diretor François Ozon faz um filme de brios próprios, calcado na figura da menina que, descoberta prostituta, deflagra um cenário repleto de relacionamentos cuja complexidade é convidativa à luz da psicanálise. Do clima incestuoso à dinâmica intricada mãe/filha, vários elementos e situações nos fazem imergir na singularidade, algo que, por si, nega maniqueísmo e estereótipos. Isabelle não transa por necessidade financeira, e sim para fortalecer sua identidade ainda em formação, algo que o dinheiro não costuma comprar.


CAPITÃO PHILLIPS é um filme de ação vertiginosa, dado a algumas sutilezas em meio à tensão criada, sobretudo, pela eficiente câmera na mão de Paul Greengrass. O drama humano decorrente da ação dos piratas e do sequestro do capitão é central, mas convém ficarmos atentos às entrelinhas, onde temos um pouco da visão americana acerca dos países subdesenvolvidos, o pragmatismo e a eficiência do dominador, isso tudo com uma fina ironia disfarçada de heroísmo. Para a marinha estadunidense, resgatar Phillips é mais que missão humanitária, é questão de honra, prova de eficácia e soberania. Nesse mundo de regras controladas por poucos em detrimento da miséria de muitos, a vida vale tanto quanto representa num nível político internacional. No fim das contas, vítimas são americanos e somalis, não os sistemas que regem estes ou aqueles. E Tom Hanks realmente merece todos os elogios.


JOGOS VORAZES – EM CHAMAS sequencia muito bem a franquia derivada dos livros de Suzanne Collins.  Foca na insurgência dos oprimidos que veem Katniss Everdeen como símbolo de esperança. O começo é barra-pesada, as aparências cultivadas na turnê dos vencedores em choque com a violência da realidade, a fome, a completa desilusão de um povo que apanha e morre se manifestar crença na revolução. Os poderosos querem minar o estandarte vindo do 12º distrito, mas precisam ser inteligentes, pois não querem uma mártir inflamando ainda mais as massas. Outros jogos de vida e morte, em quem confiar, quem matar primeiro para garantir a sobrevivência dos seus? O gancho para o terceiro antevê predominância dos conflitos sociais. Ah, se todos os blockbusters fossem iguais a você.



Este vem lá dos tempos em que Robert Zemeckis fazia seus bons filmes, respaldado pelo próprio cinema americano, então ainda afeito a graus de risco. Pois, A MORTE LHE CAI BEM é uma ótima comédia de humor negro, espécie de primo-irmão de OS FANTASMAS SE DIVERTEM, ou seja, algo rarefeito nos dias de hoje. Na trama, duas mulheres brigam por um homem apenas por vaidade, competição interna, para saber quem pode mais. Lá pelas tantas, elas morrem, mas continuam vivas, num paradoxo explicado pela poção da eterna juventude tomada por ambas. O homem-troféu é um cirurgião plástico que “conserta” cadáveres, ou seja, nada mais apropriado às mortas-vivas.  Filme-pipoca, no que o termo tem de mais positivo, onde os atores parecem se divertir tanto quanto nós espectadores do lado de cá.

domingo, 17 de novembro de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - Cidade dos Sonhos e Spider - Desafie Sua Mente


Mesmo sem uma banda, ouve-se a banda, pois tudo está gravado: clarinetes, trompetes, trombones e a voz da intérprete que persiste mesmo após desmaio. No Clube Silêncio, Rebekah Del Rio canta o amor sem volta, cuja herança é a lamúria de quem ficou a sofrer.

A história inicia nas curvas da Mullhohand Drive, de onde se pode ver as luzes de Los Angeles, Hollywood. Acidente automobilístico. Uma bela e desmemoriada morena acaba escondida junto à Betty (Naomi Watts), esta recém-chegada à Meca do cinema, rumo ao sonho de ser atriz. Betty fica extasiada com o mistério e se envolve gradativamente com a curvilínea estranha. Paralelo à relação crescente e logo carnal das duas, um cineasta é coagido por gângsteres, financiadores de seu próximo trabalho, a aceitar Camila Rhodes como protagonista, dentre tantas atrizes melhores. Hollywood ferve num lodo podre de escusa origem, onde a arte está sob o véu dos interesses. Habituado a investigar as profundezas de pequenas localidades, expondo o lado negro de logradouros onde reina a paz aparente, David Lynch transfere seu olhar à cosmopolita Los Angeles, para, quem sabe, fazer uma das obras mais brilhantes acerca do encanto doentio exercido pela terra do cinema.

Em meio a cowboys e mendigos bizarros, um suspense de contornos tipicamente lynchinianos. Há pouca sustentação. Temos a sensação de vivenciar quase epidermicamente o abstrato fascínio pelo cinema, aquele bom cinema que nos transporta do real a outro lugar. Depois do Clube Silêncio, a escuridão transformadora contida na caixa azul. Como se regurgitados do filme fôssemos, acabamos noutra realidade (ou seria a mesma?), marcada por embaralhamento de papeis. Betty agora é Diane, Rita é Camila, mortos reaparecem, figuras fantasmáticas estabelecem novas conexões, e ficamos nós, não propriamente à deriva, mas tateando ligações instauradas muito mais no plano conceitual do que no das evidências tangíveis.

Cidade dos Sonhos foi originalmente concebido como piloto de série televisiva que, infelizmente, não vingou.  Sua estrutura repleta de significações, entre as óbvias e as cifradas, estabelece ligações com o restante da filmografia de Lynch. Fala a respeito da sétima das artes como nenhum outro exemplar do diretor, investigando o nefasto residente nas entranhas da fama. A artificialidade inerente às gravações, seja a música do clube misterioso ou o próprio cinema, dá vida eterna, na maioria das vezes estanque, a mitos e respectivos contornos. Cidade dos Sonhos, por sua vez, se mostra diferente a cada audiência. Mesmo gravado, ali, eternizado em película ou em digital, é arte que não para de desdobrar-se. Ainda em silêncio, é um filme de inquieta e ruidosa genialidade.

Ralph Fiennes é o centro da excelente trama cronenberguiana vista em Spider – Desafie Sua Mente. Uma das obras mais “formais” do cineasta, ela surge do emaranhado de questões edípicas, oníricas e minimalistas. Prioriza o detalhe, a escuridão das lembranças de Denis, a tristeza e a confusão mental do menino, parceiras incômodas também do adulto repleto de traumas e fissuras. As imagens do passado são requintadas e nos dão a perfeita sensação de ver o menino introspectivo, problemático e possuidor da estranha mania de tecer fios pelo quarto, como que exteriorizando o complexo entrelace de ideias que à sua (somente à sua) mente faz todo sentido.

Os diálogos têm sua importância diminuída se comparados ao impacto das imagens e dos sons, elementos estes imprescindíveis à formulação das lembranças do menino apelidado “Spider”, base do adulto perturbado. A tríade formada pelos atores Ralph Fiennes, Miranda Richardson (que interpreta tanto a mãe quanto a amante) e Gabriel Byrne (o pai) é um dos muitos acertos do diretor.

O drama apresentado é bastante realístico se pensarmos na esquizofrenia, por exemplo, suas possíveis origens, sintomas e desdobramentos. Parece que Cronenberg atirou no que viu e acertou no que não viu. Ele aposta na trama dramática, na teia complexa que Spider constrói, em suas lembranças mórbidas e na "poesia" que emana da narrativa muito bem amarrada, seca e, por vezes, objetiva. Acerta em cheio quando caracteriza Ralph Fiennes desde a infância até a idade adulta tal e qual um sujeito amargurado, atormentado pela doença mental. Nenhum outro filme tratou esse assunto tão bem, com tamanha propriedade, quanto Spider - Desafie Sua Mente.

Tanto em Cidade dos Sonhos quanto em Spider – Desafie sua Mente há personagens cujo retorno às respectivas cidades pode simbolizar, em última instância, a própria sobrevivência. No filme de Lynch, a bela e desmemoriada Rita, escapa de um acidente de carro antes de voltar (?) a Los Angeles. Já na trama urdida por Cronenberg, Dennis regressa a sua Londres natal, após confinamento no hospital psiquiátrico, escapando assim de um ambiente hostil e enlouquecedor no qual viveu.

Em Spider – Desafie Sua Mente todas as informações, mesmo as lembranças, são passadas de forma coesa e, digamos, “real”, sem iludir demasiado o espectador. Cidade dos Sonhos, por sua vez, em algum sentido, promove embaralhamento por meio de fluxos estranhos, imagens surreais/fantasiosas, ou seja, opera em outro nível da percepção do espectador, aumentando assim a subjetividade da experiência.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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CIDADE DOS SONHOS – Por Irene Grether 
O filme Cidade dos Sonhos é surpreendente, não só pela trama, mas também pela estrutura narrativa que não segue uma linearidade esperada. Para evitar o risco de revelar demais o enredo, poderíamos dizer apenas que o filme segue o mesmo princípio da formação dos sonhos. Passado e presente não são apresentados consecutivos um ao outro. David Lynch parece, ainda, se valer dos ditames teóricos da psicanálise, uma vez que os personagens se condensam e se deslocam obedecendo aos princípios de metáfora e metonímia identificados por Freud no estudo dos sonhos, base para postular a existência do inconsciente. 
As condições à figurabilidade são inerentes à linguagem tanto dos sonhos, quanto do cinema. Cidade dos Sonhos coloca de forma exemplar os sonhos enquanto realização de desejos inconscientes. Podemos citar como evidência disso a figura ideal que a protagonista cria em boa parte do filme. A mistura de sonho e delírio nos lança muitas dúvidas sobre o que se passa na linearidade aparente. O autor nos leva além: mostra que sonhar, delirar, viver, tudo isso joga com nossa percepção e memória. Pena que a tradução em português tenha sido tão explícita ao apontar uma das chaves do enigma. 
Afora a linguagem simbólica dos sonhos e do inconsciente, alguns signos são utilizados pelo autor (a chave e a caixa azul) como entrada nas diversas portas do tempo ou nas linhas de escape. É também bastante reveladora de seu olhar teórico a utilização dos jogos de culpa e reparação presentes em toda narrativa. O casal mais velho de turistas, inicialmente "pais bons e acolhedores", é o mesmo que em outro momento ri da protagonista, martirizando-a como uma instância superegoica. Este é um dos fatores deflagradores do sonho, pois fragmento aparentemente sem importância, mas que por sua carga emocional tem a possibilidade de explicitá-lo. 
Assim como Freud identifica o umbigo do sonho, David Lynch nos deixa alguns significantes soltos, como que apontando para esse umbigo, sinal de alteridade, incompletude, impossibilidade de uma interpretação totalizante. Aliás, para Foucault, Nietzsche e Freud, a interpretação é uma tarefa infinita, não se atingem pontos ideais, uma vez que ela volta a si mesma. Algo parecido com a experiência da loucura ou do silencio das palavras.

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SPIDER – DESAFIE SUA MENTE – Por Rafael Müller 
Muitos alegam não ter medo. Medo de nada, nem mesmo da ausência de tudo. Outros, por sua vez, se não temem tudo, temem algo. De roedores a fantasmas, de concretude a ectoplasma. 
Já havia assistido a Spider, contudo o tempo levou consigo minhas lembranças, cá deixando apenas uma difusa sensação de prazer e satisfação. Indubitavelmente, um filme pesado, cheio de nuances, evidenciado, sobretudo, pela fotografia, onde sombras imperam e sugerem os recônditos da mente. Nele, somos convidados a mergulhar no perturbado Sr. Dennis “Spider” Cleg, magistralmente interpretado por Ralph Fiennes. Muito daquilo em tela vem do processo neural do protagonista. Sendo assim, não podemos defini-la enquanto realidade comum a todos. 
Hoje, estamos permanentemente conectados em rede, em teia; as barreiras foram quebradas e não existem mais fronteiras. Paradoxalmente, Spider isola-se na teia, emaranha-se nela, assume os papéis de predador e presa. A teia? Sua mente, que mente para a gente e para si. Mentiras sinceras, realidades paralelas e independentes. Por isso, sensato é o homem que teme. Aquele que teme sua mente carrega a sabedoria própria da sensatez.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Reality - A Grande Ilusão


O Big Brother, pai dos chamados reality shows, é fenômeno contemporâneo.  Homens e mulheres confinados durantes meses em busca de dinheiro e fama efêmera. Os números maiúsculos de audiência ao redor do mundo respaldam novas temporadas desse entretenimento feito de observar a vida alheia no que ela tem de mais ordinário. Reality – A Grande Ilusão, dirigido pelo italiano Matteo Garrone (responsável também por Gomorra), é, até onde lembro, o filme mais assertivo (também o mais direto) sobre tal show. O cineasta utiliza sua câmera para desferir observações ferinas numa trama agridoce, sem aquele traço professoral próprio de artistas menos hábeis quando ávidos a transmitir mensagens.

Na história, o peixeiro Luciano vive rodeado de sua família num típico cortiço napolitano, alternando lida diária e alguns trambiques para equilibrar as contas. Estamos antes de outra edição do Big Brother e, instado pelas filhas, ele faz o teste. A surpresa do convite à segunda bateria de conversas em Roma é suficiente para esse interiorano desenvolver obsessão patológica. Luciano engendra toda comunidade em sua certeza movediça, e quanto mais entra na paranoia de ser monitorado por funcionários da televisão, assim embaralhando ficção e realidade, mais convida a ler nas entrelinhas da expressão “dar uma espiadinha” algo cruel sobre nossa configuração enquanto sociedade.

A inocuidade das “celebridades instantâneas” se deixa perceber na figura de Enzo, participante anterior do programa, espécie de herói local. Basta sua presença em festas ou nas casas noturnas mais bizarras (situações que deflagram o patético) para causar histeria/euforia. É bom frisar, não apenas a chamada “Classe C” reverencia esse tipo de “notável”. Reality – A Grande Ilusão parte de um suntuoso enlace com direito a carruagem e cenários faraônicos, onde a “Classe A” também se curva ante o ídolo sem importância real. Ricos e pobres, indiscriminadamente contaminados por cultura de massa/massificadora.

Reality – A Grande Ilusão é comédia de tons melancólicos. Rimos com e de personagens alusivos à tradição do cinema italiano. Muitas vezes tais sorrisos fáceis são interrompidos por pontiagudas e sutis observações, sejam elas orais, surgidas na justaposição dos planos ou num movimento de câmera. Como síntese pontual, cito a cena em que Garrone desloca nossa visão dos postulantes ao Big Brother para a fachada da Cinecittá, mítico estúdio de cinema, hoje arrendado em grande parte a produções televisivas. É um pesar expresso de maneira visual que pode aproximar-se ideologicamente da sequência final, na qual não sabemos estar diante de façanha irresponsável ou alucinação. E importa? Se passar na TV é verdade, pelo menos é assim aos olhos da maioria.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

TOP5 - Trilhas Sonoras

Nova coluna do blog.

A TOP5 será sempre escrita por um convidado que apontará cinco favoritos em determinada área ligada ao cinema ou à outra esfera dos ambientes artístico e cultural. E quem inaugura a coluna é Ana Carolina Grether, colaboradora assídua do The Tramps, com suas trilhas sonoras de cinema prediletas. Confira.

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1- Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill, 1999)
Um dos melhores dramas/comédias britânicos, com uma trilha bastante especial. Algumas canções nos remetem até hoje aos personagens também bastante carismáticos que funcionaram muito bem juntos no cinema. Quem não se lembra de Anna e Will, Julia Roberts e Hugh Grant?



2- A Primeira Noite De Um Homem ( The Graduate, 1967)
Dustin Hoffman teve sua carreira marcada por essa maravilha de filme que passou a ser base para muitas outras produções que surgiram depois com a mesma temática. The Sound Of Silence e Mrs. Robinson se tornaram sucesso nas vozes de Simon & Garfunkel, que tiveram seus hits lançados em The Graduate.


3- Hair (Hair, 1979)
Um grupo de hippies nativos da Era de Aquário luta contra o alistamento militar para o Vietnã em Hair. Dirigido por Milos Forman, rico em elementos visuais e musicais, repleto de signos políticos, ideológicos e sociais, o filme tem uma das melhores trilhas sonoras do cinema. Suas músicas viraram hits e algumas estiveram na Billboard por muito tempo.


4- Os Embalos de Sábado À Noite Continuam (Staying Alive, 1983)
Pra mim, a melhor trilha de todas, melhor ainda do que a primeira dessa sequência de filmes. Recheada de boas músicas, algumas mais óbvias por terem sido mais tocadas, no entanto escolho Moody Girl do Frank Stallone, que interpretou outras do mesmo gênero.



5- Pulp Fiction, Tempos De Violência (Pulp Fiction, 1994)
Conhecido pela excelência da trilha sonora, estilizado, caracterizado por sua violência gráfica, típica dos filmes de Tarantino. Com uma narrativa nada linear, diálogos loucos, engraçados e cruéis. Possuidor de marcantes personagens que nunca mais fizeram algo parecido, Pulp Fiction deixou sua marca indelével tanto com relação ao roteiro, quanto no que diz respeito à trilha impecável.

SON OF A PREACHER MAN - Dusty Springfield

domingo, 3 de novembro de 2013

Yippee-ki-yay, motherfucker


Jogue a primeira pedra quem nunca se divertiu com as peripécias de John McClane. A franquia protagonizada por Bruce Willis nasceu no final dos anos 1980, mais precisamente em 1988 com DURO DE MATAR, cujo mote é o ataque delinquente ao prédio comercial Nakatomi, frustrado a duras penas por um policial no lugar errado e na hora errada (ou seria lugar e hora certos?). McClane não é o Super-Homem, consegue extirpar a bandidagem, sim, mas aos trancos e barrancos, e está aí um dos grandes méritos desse filme inicial: mostrar herói crível que sangra e sofre para atingir seu objetivo e não sobre-humano de todo inatingível. 

DURO DE MATAR 2 veio logo depois e utiliza quase à risca os expedientes de seu antecessor, seguindo-o sem muitos desvios: ataque terrorista, local fechado (aeroporto), exploração da relação McClane/esposa, reviravolta expositiva da real intenção criminosa, etc. O plano a ser combatido diz respeito à libertação de um importante ditador, o que atinge toda malha aérea num raio de quilômetros. Aviões à deriva sem muito combustível e a iminência da tragédia asseguram tensão permanente nesse ótimo programa-pipoca. 

DURO DE MATAR – A VINGANÇA, terceira parte da série, mesmo também reservando para si o direito de investir em certas seguranças, possibilita a entrada mais efetiva de um co-protagonista (Samuel L Jackson) e abre a ação para as ruas de Nova Iorque. O confronto da vez se dá contra grupo usuário da fama de McClane, e do jogo macabro de adivinhas com ele, para enganar a polícia mobilizada no desarme bombas plantadas no perímetro urbano, isso enquanto ocorre rombo nos cofres (cheios de ouro) da metrópole. Outro ótimo filme. 

DURO DE MATAR 4.0 é mais complexo, pois no mínimo ciente do mundo em que vivemos. McClane precisa salvar um hacker ameaçado de morte por bando igualmente usuário de meios cibernético terroristas. Talvez este seja o filme recente que mais nos alertou para a dependência da máquina (e do espaço intangível da web), claro, guardadas as devidas ressalvas por estarmos frente a produto genuinamente hollywoodiano. Felizmente meandros e observações pertinentes não passaram despercebidos pela equipe criativa, “livre”, então, até mesmo para excessos típicos de John McClane (helicópteros e caças abatidos quase artesanalmente, por exemplo). 

DURO DE MATAR – UM BOM DIA PARA MORRER, lançado este ano, funda-se na relação pai/filho, num acerto de contas familiar que ocorre em meio a celeumas político-econômicas envolvendo Rússia e a usina de Chernobyl. McClane sai dos EUA para resgatar o filho tido como encrenqueiro, na verdade agente secreto da CIA. Entre tiros e perseguições, o detetive se aproxima de Jack, assim como tornou mais chegada sua relação com a filha Lucy na aventura anterior. A trama é até interessante, residindo o maior problema na maneira desleixada com a qual é guiada. Mesmo assim, é exemplar digno da linhagem McClane, ou seja, divertido e repleto de boas sequências. 

Sem muitos sinais efetivos de esgotamento, a franquia DURO DE MATAR provavelmente renderá mais, afinal, é difícil acabar com McClane, seja na diegese ou na memória afetiva dos fãs. Yippee-ki-yay, motherfucker. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Oblivion


Já dá para desconfiar da verdade em Oblivion quando sabemos que o protagonista, Jack Harper, teve suas memórias apagadas antes mesmo de iniciar missão numa Terra assolada. Por que seria necessário tornar inacessíveis esses dados pretéritos? Apenas para fazer do protagonista alguém mais competente ou no intuito de ocultar a verdade servidora apenas de um senhor? Por si, tal dado confere previsibilidade à trama, mas, calma, virão outros de função semelhante. Apesar disso, é bom enxergar a realização de Joseph Kosinski sustentada não na surpresa ou no impacto das revelações, e sim na junção minuciosa de tecnologia (efeitos visuais, principalmente) e artesania criativa. Esta, inclusive, dará conta de aglutinar ideias já utilizadas por outros sci-fis, sem que as mesmas soem (ao menos não em demasia) meramente requentadas.    

Após o planeta ser devastado em guerra nuclear contra alienígenas alcunhados “saqueadores”, Jack (Tom Cruise) vive seus dias correntes em 2077 entre a observação e eventuais reparos dos robôs que patrulham as máquinas responsáveis por fornecer energia à humanidade habitante numa das luas de Saturno. Ele tem a companhia da oficial de comunicação Victoria (Andrea Riseborough), com quem mantém caso amoroso. A luta diária contra o inimigo é assombrada por fragmentos de memória, mais especificamente o rosto de uma mulher (Olga Kurylenko) e o Empire State Building. Não precisamos de muita bagagem cinematográfica para ligar as lembranças misteriosas da figura central com algo que pode mudar a trajetória do enredo.

Difícil seguir esmiuçando a trama sem ao menos arranhar a experiência de quem ainda não viu, por isso paro aqui, atendo-me aos já citados elementos que Oblivion reaproveita a seu bel prazer. Examinando rapidamente, no longa se vê pitadas de O Vingador do Futuro, Matrix, Lunar e até de 2001 – Uma Odisséia no Espaço. Há privilégio do caráter escapista e pouco acréscimo ao filão, verdade seja dita. Feitas as ressalvas, porém, é bom lembrar que ao cinema também compete entreter, e nesse tocante o filme é bastante feliz, pois repleto de boas cenas de ação, uma história de amor bem ao gosto hollywoodiano (sacrifícios, perdas, inevitabilidades), belo desenho de produção e inspirada construção sonora.

Com boa vontade, Oblivion pode ser categorizado “entretenimento acima da média”. Decepcionará, no entanto, caso sobre ele recaiam expectativas mais exigentes. Fãs sensíveis às convenções do gênero poderão aferrar-se em demasia à deficiência de ideias vanguardistas, perdendo, assim, a possibilidade de aproveitar o filme por outros vieses. Como ainda inexiste pecado em emocionar-se e curtir uma obra da qual não necessariamente se saia arrebatado (graças, afinal somos humanos), credito a Oblivion o mérito de oferecer prazer enquanto dura. Contudo, é bom dizer, esperar ele sobreviver para além da sessão pode ser caminho sem volta rumo à frustração. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema