quinta-feira, 3 de abril de 2014

Pulp Fiction – Tempo de Violência


Dois bandidos pés-de-chinelo, um homem e uma mulher, debatem as dificuldades de seu “ofício” enquanto saboreiam típico fast-food americano no desjejum. Crentes que fazem o melhor, eles anunciam assalto após declaração de amor, em cena já antológica:
“I love you, Pumpkin / I love you, Honey Bunny / Everybody be cool this is a robbery! / Any of you fuckin' pricks move and I'll execute every motherfucking last one of you”.
A imagem congela e os créditos iniciais surgem junto da música-tema. De cara, Quentin Tarantino mostra a que veio, através de uma ocorrência aparentemente banal, ademais início e fim de Pulp Fiction – Tempo de Violência, filme cujo caráter circular compreende três histórias interligadas pela barbárie, como bem explicita o subtítulo nacional.

Noutro espaço, físico e cronológico, Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) aparecem para cumprir ordens de Marsellus Wallace (Ving Rhames), influente gângster das cercanias. O diálogo, em princípio, é descolado da ação: os capangas discutem sobre lanches e massagens nos pés, isso na iminência de cobrar dívida à força. Contudo, exatamente nessa oposição - seguida de atração - entre fala e evento, reside um dos maiores trunfos de Pulp Fiction – Tempo de Violência. A encenação algo nonsense de Tarantino, cineasta afeito a misturar gêneros, dando-lhes roupagem pop e conferindo paradoxal originalidade ao pastiche, abriga quase à perfeição tanto os tipos dados a verborragias antes e depois de matar, quanto os subtextos não rançosos e temperados de ironia.

Quem há de esquecer o twist dançado por Travolta e Uma Thurman, ela, esposa do chefe mafioso, ou seja, na qual ele não pode pensar em tocar por temer represálias ciumentas? E a injeção de adrenalina cujo efeito é “ressuscitar” a mesma mulher, resgatando-a da terra dos mortos por overdose? Pulp Fiction – Tempo de Violência avança fora da ordem cronológica, embalado por, quiçá, a trilha sonora mais expressiva e funcional da carreira de Tarantino, composta de hits, como: You Never Can Tell, Girl, You'll Be A Woman Soon, Son Of A Preacher Man, entre outros. Na cena em que Butch (Bruce Willis) escuta o plano para entregar determinada luta, por exemplo, toca Let's Stay Together, conhecida música romântica, aqui servidora tal contraponto sonoro e, por conseguinte, dramático à face consternada do boxeador impotente frente à crueldade do mundo e à sua própria fraqueza. 

Podemos dizer que Pulp Fiction – Tempo de Violência é o principal divisor de águas da carreira do diretor hoje tido cult e importante à própria cena independente americana, então sacudida artística e comercialmente. Tarantino utiliza homicídios, cabeças espatifadas, litros de sangue, coações morais, entre outras espécies mais ou menos físicas de violência, para esquadrinhar um mundo não tão subterrâneo, onde segredos e mentiras valem algo próximo do precioso grama da cocaína. O faz com bom humor, tiradas e personagens que grudaram no imaginário popular, revestindo, ainda, a sordidez com o verniz do trivial, e entregando a retórica pretensamente erudita, porém esvaziada, a párias ordinários e bastante semelhantes aos cidadãos acima de qualquer suspeita.


Publicado originalmente no Papo de Cinema 

Um comentário:

  1. Um puta filme, certamente um dos melhores de Tarantino. E creio, assim sempre será.

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