quarta-feira, 30 de março de 2011

Cinema de modelar


Estes produtores e suas maravilhosas invenções. Sério, rio sozinho cada vez que sai a informação de que o “produtor Fulano de Tal” acabou de comprar os direitos de um jogo de tabuleiro para vertê-lo ao cinema. Hã? Confesso que também tenho vontade de ir a Los Angeles quebrar uma cadeira na cabeça do “produtor Beltrano” que “está tentando reunir time de notáveis profissionais para tirar do papel um filme emocionante sobre o brinquedo que fez muito sucesso na década de 80”. Sério? Mente para mim, e diz que isso não é só para que as empresas de brinquedos, jogos e outros divertimentos, vendam mais e mais, mesmo que o filme derivado seja uma bomba completa?

Não é de hoje que a crise afeta Hollywood, na verdade ela é cíclica, só muda a intensidade com o tempo. Está ainda mais difícil competir com o entretenimento caseiro, proporcionado por equipamentos cada vez mais acessíveis e de qualidade, ou mesmo pela facilidade em realizar downloads. A comodidade de não precisar sair de casa para conferir aquele filme que você tanto espera, sem entrar em filas ou passar por aborrecimentos numa “sessão comentada” por gente que não cala a boca, está fazendo as pessoas deixarem de lado o hábito de ir ao cinema. O encanto da tela grande parece atingir somente os que realmente gostam de cinema, e não apenas de filmes. Apesar de que até mesmo os cinéfilos mais xiitas tem se regozijado com audiências particulares, por conta da já citada balbúrdia que viraram algumas sessões públicas de cinema. 

Então, desesperados, os executivos de Hollywood estão buscando de tudo. Remakes já não satisfazem mais, agora a onda são as franquias e as adaptações de coisas que nunca imaginaríamos base de um filme, como os tais jogos e brinquedos. Alguém pensa em filmes realmente bons, que valham alguma coisa, adaptados de Batalha Naval, Candy Land, Monsterpocalypse, War, Detetive, e LEGO? E olha que esqueci alguns, até já em produção. É claro, o correto seria não criticar estas iniciativas de antemão, pois vai que por algum milagre do santo padroeiro dos produtores e executivos à beira de um ataque de nervos, destas propostas estapafúrdias resulte algum filme bom? Porém, sejamos sinceros. Confiar plenamente em tais intenções seria esperar um milagre, que pretende trazer consigo outro, o da multiplicação dos expectadores. É, o cinema industrial caminha a passos largos para um completo vazio.

terça-feira, 29 de março de 2011

Teste, a tentação e o grande filme


Quando compro DVD’s, testo logo que posso. Não quero correr o risco de ter adquirido um produto com defeito, então simplesmente eu testo. Coloco o disco no player, deixo rodar, vejo algumas cenas, confiro se a legenda está legal e, só depois de todo este périplo, devolvo o querido DVD para sua embalagem, posteriormente achando um lugarzinho para ele junto a seus “irmãos” que já moram no meu estande. É quase um ritual, alguns podem chamar “neurose compulsiva”, mas, de qualquer maneira, prefiro assim, mesmo sabendo que estes testes supérfluos não excluem de todo o risco de algum eventual defeito.

Ontem chegou meu DVD de Bastardos Inglórios e eu fiz o quê? Fui testar, é claro. Coloquei o disco, verifiquei idiomas, áudio, e solicitei, via controle remoto, o início do filme. Quando dei conta, já tinham se passado mais de 20 minutos, e chegava ao fim o primeiro capítulo (quem viu a mais recente obra-prima de Tarantino, sabe que ela é ordenada desta forma capitular). O mais duro foi me deixar contaminar pela realidade de que não teria tempo hábil para assistí-lo por inteiro, parar bem no ponto em que iniciaria o segundo capítulo, guardar o DVD e partir para a revisão de um maldito trabalho universitário. Moral da história: nunca teste o disco de um grande filme quando não puder sucumbir à tentação de vê-lo de cabo a rabo.

domingo, 27 de março de 2011

The Tramps Entrevista: José Geraldo Couto

Iniciamos com este bate-papo, uma série muito especial de entrevistas com críticos de cinema, exclusivamente concedidas ao The Tramps. Foram propostas algumas questões a profissionais que são referências na busca por uma melhor compreensão da arte cinematográfica. As perguntas são as mesmas para todos, e elas pretendem oportunizar uma reflexão sobre o ofício de crítico, a qualidade do pensamento acerca do cinema (e das artes como um todo), e permitir uma troca de informações sobre as articulações que buscam a iluminação dos diversos aspectos desta arte "divina e maravilhosa", como diria Gláuber Rocha.

É com imensa honra que apresentamos nosso primeiro entrevistado: José Geraldo Couto. Paulista de Jaú, Zé como carinhosamente é chamado, formou-se em história e jornalismo pela USP. No Grupo Folha, foi redator e editor-assistente de Cotidiano, redator da Primeira Página, redator e repórter do Mais! e da Ilustrada. Cobriu ainda vários eventos esportivos, além de diversos festivais de cinema e feiras literárias. É autor de "André Breton - A Transparência do Sonho” (Brasiliense), "Brasil: Anos 60" (Ática) e organizador de "Quatro Autores em Busca do Brasil" (Rocco). José Geraldo também é tradutor.

Sigam o Zé Geraldo em seu blog: http://blogdozegeraldo.wordpress.com/

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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
É difícil dizer. Nasceu na infância, acho, no encantamento da sala escura, das imagens arrebatadoras de faroestes e filmes de aventuras. Mas a ideia de que o cinema pode ser pensado e discutido surgiu só na época de colégio (o equivalente ao atual segundo grau). Foi quando escrevi minhas primeiras tentativas de crítica, para o jornalzinho da escola.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Acho que o sentido, ou um dos sentidos possíveis, de ser crítico nos dias de hoje é ir um pouco contra a corrente da publicidade e do senso comum, chamando a atenção das pessoas para outras maneiras de ver e fruir as obras de arte (no caso, os filmes). Iluminar aspectos da produção artística que tendem a ser obscurecidos pela cultura das celebridades, do entretenimento rasteiro. Trazer para a discussão aspectos relevantes dos filmes, dos mais "comerciais" aos mais aparentemente áridos.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Penso que é preciso separar o trigo do joio. Assim como ocorre nas publicações impressas, a internet abriga o pensamento mais sofisticado e a crítica mais rasteira, apressada e irresponsável. Por um lado, surgiram na internet críticos-cinéfilos muito informados e competentes, como o pessoal das revistas contracampo, cinética, cinequanon etc. Uma geração de críticos e pensadores de cinema que não tinham espaço nos grandes órgãos de imprensa. Mas, dada a facilidade de criação de blogs, surgiu também uma grande legião de palpiteiros sem muita formação e informação. A questão é saber triar, saber escolher aquilo que vale a pena ler.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Acho que a crítica não deve partir da pretensão de ser totalmente objetiva. Deve, ao contrário, reconhecer desde o início que será sempre uma visão parcial, um recorte, uma abordagem a partir de um determinado ponto de vista. Isso não significa abrir mão da busca de uma certa objetividade, ou do recurso ao mais amplo instrumental possível de análise. Sou contra o "opinionismo", a crítica sentenciosa, que coloca o julgamento acima da observação, da análise, da exegese. Não é tão importante saber se o crítico x ou y "gostou" ou não de um filme, mas sim o que ele viu ali que pode ajudar a fruir melhor aquela obra. Penso que o crítico deve ajudar o espectador a aguçar o olhar e ampliar a sensibilidade, em vez de impor a ele a sua opinião, o seu juízo.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Dos críticos de outros tempos, os que mais me influenciaram, e que admiro ainda hoje, são os franceses André Bazin e François Truffaut e o brasileiro Paulo Emilio Salles Gomes. Os textos deles iluminam de tal maneira o objeto abordado - e o cinema de um modo geral - que sua leitura é um grande prazer e um grande aprendizado. Dos críticos que estão aí na ativa, admiro muito o Ismail Xavier e o Jean-Claude Bernardet, no âmbito da crítica erudita-universitária, digamos, e na imprensa sou fã de carteirinha do Inácio Araujo e de alguns críticos que estão meio afastados dos jornais, como o José Carlos Avellar e o Carlos Alberto Mattos. Entre o pessoal que surgiu na internet, gosto em especial do Eduardo Valente, da Cinética, e do Daniel Caetano. Claro que estou deixando de lado muitos críticos excelentes, mas não quero fazer uma lista exaustiva e enfadonha.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna, que parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Toda morte de um grande diretor causa consternação em quem ama o cinema, mas sinceramente acho um pouco tolo e melodramático atribuir à morte deste ou daquele cineasta o "fim do grande cinema" ou, pior, o fim da civilização. Acho mais estimulante procurar e "descobrir" novos cineastas, novas cinematografias, novos olhares. É como no futebol. Há saudosistas que dizem que o futebol nunca mais foi o mesmo depois de Pelé. Mas, puxa vida, depois dele tivemos Romário, Maradona, Zidane, e hoje temos Messi. É preciso, sem esquecer o passado e a tradição, manter os olhos abertos para o que está vivo à nossa volta.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho que as duas coisas. Tem a ver com uma submissão mais ampla do jornalismo aos ditames do mercado. A parte de cultura dos jornais e revistas semanais virou pouco mais do que um guia de consumo de bens culturais. Há pouca reflexão, pouco espaço para desafiar o mercado. Um blockbuster hollywoodiano, ao chegar ao circuito, já tem garantidas as capas e fartas páginas dos cadernos de variedades. Ao mesmo tempo, para discutir um filme brasileiro ou argentino ou coreano da maior relevância estética e cultural, muitas vezes não há espaço. Acho que os editores e diretores de grandes jornais se acomodam muito rapidamente à ideia de que "é isso o que o leitor quer", sem perceber que o próprio jornal é um formador de opinião, e que o público não é uma massa uniforme, nivelada por baixo, mas abarca pessoas e grupos com os mais diversos interesses e expectativas.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Válido é, mas desde que evitemos a armadilha de criar uma contraposição mecânica entre essas duas coisas. Há filmes extremamente comerciais que são relevantes artisticamente, e há filmes que fracassam na bilheteria não por serem "artísticos", mas por serem desinteressantes ou simplesmente ruins mesmo. Sempre cito o caso de Hitchcock, cujo principal objetivo era sempre atingir e comover o maior público possível, e que no entanto criou filmes extraordinários do ponto de vista da linguagem e da estética do cinema.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Vejo uma situação rica e um tanto confusa. Há os grandes sucessos de bilheteria, como Tropa de Elite, Chico Xavier e Se Eu Fosse Você, e há, na outra ponta, uma série de filmes autorais, com uma busca interessante de linguagem, que encontram muita dificuldade em encontrar um lugar no mercado exibidor. E entre um extremo e outro existe uma grande massa de filmes que almejam o mercado, que fazem todo tipo de concessão (estética, dramatúrgica, de elenco, de tema) para atingir esse mercado e que no entanto fracassam, porque ficam no meio do caminho, sem a eficácia narrativa dos blockbusters e sem a alma dos filmes autorais. Essa, a meu ver, é a maior praga, é o entulho que funciona como um peso morto e atrapalha o desenvolvimento do cinema feito no Brasil e sua relação com o público. Claro que a grande questão, já que bem ou mal se consegue produzir bastante, segue sendo o gargalo da exibição, a ocupação de 90% das salas por três ou quatro filmes de grande público. O fato de, eventualmente, um desses três ou quatro ser brasileiro, a meu ver, não refresca muito. Acho que quanto maior a diversidade à disposição dos espectadores, melhor.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Dennis Villeneuve fala sobre "Incêndios"

Breve entrevista realizada por Jason Anderson (Eye Weekly), em 20 de janeiro de 2011.
Tradução de Conrado Heoli, para o The Tramps.

Com cinco anos de produção, Incêndios reúne um dos mais laureados cineastas canadenses com aquela que talvez seja a peça mais reverenciada recentemente. Primeiramente montado em 2005, Incêndios, de Wajdi Mouawad, apresenta a história de dois irmãos que buscam a verdade sobre o passado de sua mãe no Líbano, assim como a identidade de seu pai. Íntimo e mítico em suas reviravoltas, o tom da peça não era fácil de ser replicado no cinema. Ainda assim, Denis Villeneuve – que venceu com seus dois últimos filmes, Maelstrom (2000) e Polytechnique (2009), os prêmios de Melhor Filme no festival canadense Genie, dentre outras láureas – encontra uma poderosa (e amplamente silenciosa) leitura visual para o texto de Mouawad. O diretor de 43 anos falou com a Eye Weekly quando Incêndios teve sua première no TIFF (festival de cinema canadense).

Eye Weekly:
O que foi tão excitante no desafio de adaptar Incêndios após a primeira vez que você viu a peça de Wajdi Mouawad?

Denis Villeneuve: Eu estava totalmente impressionado por sua habilidade em lidar com a intimidade, a política e a mitologia ao mesmo tempo. Foi por isso que instantaneamente eu me apaixonei pela peça. Eu não estava vendo e pensando “talvez eu transforme isto em um filme”. Depois de Marlstrom, eu parei de fazer filmes por um tempo. Eu disse a mim mesmo, “algo me atingirá”. Eu não queria fazer filmes apenas pelo objetivo de fazer filmes – eu amo muito o cinema para fazer isso. A relação de amor deve ser mais intensa. E eu investi cinco anos acordando todas as manhãs e pensando em Incêndios – era puramente uma droga para mim. Agora é como se eu tivesse usado metadona, pois eu preciso encontrar algo que me fará tão feliz quanto Incêndios.

Eye Weekly: Por que você acha que foram necessários assuntos tão fortes quanto aqueles de Polytechnique (o filme de Villeneuve é sobre o massacre de estudantes mulheres na Universidade de Montreal, em 1989) e de Incêndios para fazer com que você filmasse novamente?

Denis Villeneuve: Polytechnique e Incêndios foram os primeiros projetos que enquanto eu fazia acreditava profundamente que estava fazendo a coisa certa e sem outras escolhas. De certa forma, você não escolhe um projeto – é o projeto que escolhe você. E foi muito estranho sentir aquele misto de serenidade e força. Eu não acho que conseguiria fazer cinema sem me sentir assim. A diferença foi que, com Polytechnique, eu estava correndo para terminar, pois tudo era muito doloroso e eu não conseguiria viver mais com aquilo. Mas eu fiquei muito triste por terminar Incêndios.

Eye Weekly: Outra elogiosa particularidade e qualidade de Incêndios é o quão quieto e sem palavras ele é – o que é especialmente fora do comum para a adaptação de uma peça.

Denis Villeneuve: Minha meta era fazer um filme silencioso, mas é muito caro! Para fazer isso, eu precisei do presente da total liberdade e Wajdi me deu a carta branca. Ele ainda me deu algumas dicas – me apresentou algumas fotografias, alguns filmes e poemas. Mas ele também disse, quando me deu os direitos, “você é totalmente livre, pode fazer o que quiser. Você está sozinho nisso, você irá sofrer... Então tchau!” (risos). Este foi o presente artístico mais belo que eu jamais recebi e, por isso, serei eternamente amigo dele.



Em tempo: Incêndios será exibido na Sala de Cinema Ulysses Geremia na próxima quinta-feira, dia 31, como parte da programação do 7º Festival de Verão do RS de Cinema Internacional. Confira a programação completa no blog da sala.

terça-feira, 22 de março de 2011

Cantora francesa Berry em Caxias do Sul

Peço licença aos meus colegas blogueiros para colocar em prática algumas obrigações enquanto etudiant de publicité et française. A Aliança Francesa, em parceria com o SESC - RS, programa para o dia 3 de abril a apresentação de uma revelação da música conteporânea francesa: a cantora Berry.

A francesa lançou seu primeiro álbum, Mademoiselle, em fevereiro de 2008 e, em pouco tempo, se consagrou como um dos principais nomes da Nouvelle Scène Française. Sua história foge do convencional. Aos 16 anos, decidiu abandonar os estudos. Foi convencida por um professor a concluir sua formação estudando... teatro. Foi seu primeiro passo em direção à vida artística. Pouco tempo depois, os textos que escrevia sem maiores pretensões chegaram às mãos do músico e compositor Manou, que, com ajuda do talento do violinista Lionel Dudognon, as transformou em belíssimas canções.

O resultado foi o álbum Mademoiselle, sucesso de crítica e de público. Entre os vários convidados que participaram das gravações está o brasileiro Eumir Deodato, que tem em seu currículo parcerias com gigantes do porte de Frank Sinatra e Vinícius de Moraes, 16 discos de platina e mais de 25 milhões de discos nos EUA.



Berry fará três apresentações no Rio Grande do Sul, fruto da parceria entre a Aliança Francesa e o SESC. O show em Caxias do Sul ocorre no teatro do SESC, que fica na Rua Moreira César, 2462 (ao lado da Unimed), no domingo, 3 de abril, às 20 horas.

Os ingressos estão disponíveis na secretaria do SESC por valores realmente baixos:
R$ 5,00 - comerciários e estudantes da Aliança Francesa
R$ 7,50 - estudantes /sênior
R$ 15,00 - público em geral

Mais informações:

Aliança Francesa de Caxias do Sul

(54) 3221.5212
www.afcaxias.com.br
afcaxias@hotmail.com

sábado, 19 de março de 2011

Tetro, Te(a)tro e a autoralidade de Coppola


Francis Ford Coppola é um ícone do cinema mundial. Ao enfileirar os maiores realizadores desta que é chamada “a sétima arte”, como esquecer o homem que entregou ao mundo provavelmente a maior trilogia do cinema (O Poderoso Chefão) e um dos mais cruéis e geniais retratos de guerra em forma de filme (Apocalypse Now)? Isto somente para citar dois exemplos de uma carreira certamente cheia de altos e baixos, mas, na qual os altos são magnificamente compensadores. Porém, é notório que Coppola, dentro da revolução que ajudou a fomentar no cinema americano em priscas eras, queria mesmo era seguir a cinematografia idealizada na Europa, por Godard, Truffaut, Visconti, Fellini, entre outros. Ele continuamente foi um reverente do cinema artístico europeu, a antítese completa do predatório sistema de estúdios que rege a maior parte da produção norte americana. Sempre se ressentiu disso e, de uns tempos para cá, financiado por sua vinícola, vem fazendo os filmes que quer, pagando ele mesmo a conta, não dando satisfação a ninguém.

Segundo desta nova fase de Coppola, Tetro guarda muitas semelhanças com seus filmes pregressos, por mais que em termos de encenação, abordagem e construção narrativa, se aproxime mais do ideal cinemático de Coppola, do que de suas brilhantes criações sob a égide de Hollywood. De qualquer maneira, para ele não há outro assunto a discutir que não seja a família, e mesmo esta sua nova fase aponta para a permanência dos questionamentos inerentes a esta temática. Bennie é um jovem que desembarca na Argentina em busca do irmão Angelo, que sumiu do mapa, cortando laços com seus consanguíneos. Descobre um homem fragmentado, um animal acuado que agora se intitula Tetro, casado com uma bela esposa devotada, arredio quando convidado a reatar velhos laços. Bennie desestabiliza completamente Tetro, fazendo-o lembrar, rememorar partículas de um passado que ele preferia enterrado junto com suas aspirações artísticas, com sua vontade de ser grande e a relação paterna conflituosa, em suma, com tudo que o fez enlouquecer.

O que começa em Tetro como uma espécie de viagem rumo a um acerto de contas, pura e simples, vai ganhando contornos líricos, numa mistura de linguagens, encenações anti-naturalistas que, vez ou outra, quebram o paradoxal senso de naturalidade existente numa história visualmente construída com a intenção de expor o espetáculo, de se mostrar encenada, de refutar o natural. Coppola manipula a luz a olhos vistos, quebra fluxos com personagens que reagem mais instintivamente do que racionalmente, se utilizando também de uma primorosa fotografia para desenhar um embate denso entre luz e sombra. A luz aqui é figura dramática, representa ideais e frustrações, enquanto a sombra esconde, escamoteia reações, se faz cortina para que não vejamos inteiramente personas em momentos de extrema angústia. Experimentamos isto, esta angústia, ao passo que a história da família Tetrocini se revela sob a silhueta de uma opereta trágica, de um teatro expressionista ou mesmo de uma dança na qual os personagens caminham invariavelmente para a tragédia. Tetro é sobre a família, mas também sobre a arte, sobre a face inebriante do sucesso e suas promessas vazias de transcendência por meio da notoriedade.

Até mesmo os excessos de Tetro são perfeitamente cabíveis, e esta sensação de que o filme tudo pode, de que a ele é permitido todo e qualquer abuso, só é admissível atribuir às grandes obras, aos filmes que nos tocam num nível que não se restringe a epiderme. Coppola rege Tetro livremente, sem atrelá-lo à manuais de evolução narrativa, ou com qualquer centelha de medo, já que confere à sua mise-en-scéne um hibridismo perigoso, que quebra constantemente nossa percepção, mas que aqui se mostra elemento responsável pela amplificação da trama, das implicações psicológicas, dos termos que guiam os personagens e suas decisões. Se formos colocar em perspectiva, Angelo/Tetro, o personagem interpretado por um Vincent Gallo em plena forma, é como Michael Corleone na trilogia do chefão, o rebento que precisa se desvencilhar da figura paterna que lhe delegou um futuro do qual não gostaria de fazer parte, para tornar-se o chefe, o grão-mestre da linhagem que agora ele regerá a sua maneira. Aparentemente são personagens muito distintos, mas que sob um olhar mais rígido apresentam as semelhanças inerentes a sua origem, a mente criadora de um artista, um autor, que é fiel aos seus conceitos e ao que lhe é caro. Verdade seja dita, Coppola sempre foi um autor comparável a outros grandes mestres da história cinematográfica, mesmo na fase em que tinha de arrumar brigas homéricas com os poderosos da indústria para fazer prevalecer sua visão, quando quase enlouqueceu por conta da megalomania desvairada e de paixão por seus projetos. Em Tetro o que muda é sua liberdade, o registro formal, mas o ideário de Coppola segue intacto, a família segue como célula mater de seu cinema, tal como em algumas suas mais exuberantes realizações, categoria esta em que sua mais nova obra certamente se encaixa.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Descobertas musicais: sons que merecem mais ouvintes

Os tempos nunca foram tão delicados e ambíguos para a indústria fonográfica. Em meio a uma longa crise, promovida pela popularização dos canais ilegais que fornecem músicas sem custo algum, novos artistas se beneficiam com a pluralidade de gostos e a crescente segmentação do público. Os mais lesados, que não se adaptam a realidade dos novos tempos, soltam críticas pouco fundamentadas e vazias, como o recente ataque de Bon Jovi à Steve Jobs. Os mais espertos, sem muitas alternativas, desenvolvem estratégias criativas para driblar a situação, como acontece com os ingleses do Radiohead.

De toda forma, a música nunca esteve tão acessível para os mais variados gostos. Hoje, ouvidos atentos são agraciados com o que de melhor é produzido e distribuído em todo o globo. E é graças a (ou por culpa da) acessibilidade musical causada pelo meio virtual que grandes artistas do som apareceram para mim nos últimos tempos. Compartilho abaixo com vocês os que mais preencheram minha playlist nos últimos dias.

LOCAL NATIVES
Os caras da Local Natives, antes Cavil at Rest, conceberam seu som nos cenários prolíficos e caosmóticos de Los Angeles. Ainda brindam o considerável sucesso que o Gorilla Manor, seu álbum de estreia, propiciou: o 3º lugar no Top 200 da Billboard na categoria de novos artistas e uma turnê recente ao lado da incensada (com justiça) banda canadense Arcade Fire. Gorilla Manor é um compêndio do que de melhor se produz na música independente no que diz respeito à letras e melodias bastante contemporâneas. Os sons singulares, que incluem bandolim, percussão e teclados, são somados às vozes melódicas de Taylor Rice e Ryan Hahn. Composições como Airplanes, Sun Hands e World News guiam o álbum para uma inspirada viagem pelas emoções humanas, mas é com Cubism Dream e o cover de Talking Heads Warning Sign (superior à versão original, desculpem-me os mais conservadores) que o disco confirma o primeiro vislumbre de um grupo que tem um longo e bem sucedido caminho pela frente.



THE Dø
A origem do duo The Dø (le-se 'dou', como a nota musical em inglês) causa interesse para os detratores da música norte-americana: ela, Olivia Merilahti, tem origem finlandesa e foi radicada na França. Na Europa conheceu Dan Levy, multi-instrumentista com quem dividiu uma composição para a trilha do filme Império dos Lobos, protagonizado por Jean Reno. Depois da canção, seguiram unindo a criatividade nos acordes de Dan com a voz singular e cativante de Olivia, assim como sua destreza com violão e teclado A capacidade do duo em compor músicas que unem o folk a uma vertente do que se caracterizou chamar de indie rock impressionou, e isso é notável em seus dois álbuns: A Mouthful e Both Ways Jaws Open - o último lançado há poucas semanas. O primeiro trabalho dos artistas, que atualmente é o disco que mais ocupa minha playlist, possui no mínimo cinco músicas irretocáveis: On My Sholders, At Last, Song for Lovers, Stay (Just a Little Bit More) e Unissasi Laulelet, dignas de serem ouvidas à exaustão (o que talvez nunca aconteça). Os vídeos da dupla também merecem atenção: fotografias incomuns e a beleza incontestável de Olivia enchem os olhos dos mais preciosistas.



As dicas acima representam duas descobertas musicais recentes - descobertas para mim que compartilho com vocês, já que ambos os grupos cada vez mais angariam fãs em todos os lugares. Prometo aparecer mais vezes com outras indicações. Pensei em falar ainda em Paloma Faith, Blind Pilot e Freelance Whales, mas fica para um próximo post similar. Espero que as indicações tenham valia e prometo voltar com mais qualquer hora dessas.

sábado, 12 de março de 2011

Churrasco de Blade Runner


O sempre espirituoso André Barcisnki tem uma seção em seu blog, na qual “faz churrasco de vacas sagradas”, ou seja, fala (mal) de filmes que são praticamente unanimidade no imaginário cinéfilo. Bem, este é o meu churrasco. Na verdade não é bem assim, o filme que motivou este post não é ruim, não o odeio com todas as forças, mas é um típico caso de superestima cinéfila. Falo de Blade Runner - O Caçador de Andróides. Sim, os que amam incondicionalmente o scifi de Ridley Scott já podem apedrejar. Para começar, deixo claro que já vi o filme duas vezes, e da primeira não tinha gostado quase nada. Recentemente visto, então pela segunda vez, e a mesma versão, aquela do diretor montada em 1991, o filme me pareceu mais inteligente do que eu lembrava, mas ainda ressentido de um bando de coisas, que não me permitem o envolvimento que as grandes obras suscitam.

Blade Runner - O Caçador de Andróides tem como protagonista Deckard, um caçador de replicantes, que são similares humanos criados com a mais alta tecnologia, tanto da robótica quanto da engenharia genética. O grande problema é que por mecanismo de defesa, e já prevendo problemas futuros, os criadores limitaram em quatro anos o período de vida de suas criaturas. A missão de Deckard é erradicar os replicantes, que voltaram para a Terra após uma rebelião violentíssima numa colônia instaurada em outro planeta. A partir deste incidente, todos os replicantes estão condenados à morte na atmosfera terrestre. Deckard então parte, como um legítimo detetive de filmes noir, na caça dos rebeldes, e no meio do caminho se apaixona por uma replicante que não tem, a priori, consciência de que o é, pois já representa um modelo dotado de lembranças implantadas e sem noção de sua finitude precoce, quase como um humano.

O filme é visualmente arrebatador, ainda para os padrões de hoje, possui belos e funcionais efeitos especiais e inspirada direção de arte que, trabalhando em consonância, conferem ao filme um visual retrô/futurista, que muito me agrada. As ruas apinhadas de gente do começo, e as mesmas vazias do meio para o fim, dão a exata da noção do entorno social de um planeta habitado apenas pela “escória”, já que os abastados viram colonizadores que largaram a decrepitude de uma Terra agonizante em sua própria auto-mutilação. Existe todo um viés filosófico que permeia Blade Runner - O Caçador de Andróides, muito por conta desta angústia dos replicantes, que somente buscam sobrevivência, não sendo essencialmente maus ou algo que o valha, e deste tom profético da decadência do planeta. É impressionante a profundidade alcançada nestes momentos de questionamento, que rapidamente remetem a expressões como “ser ou não ser, eis a questão” e a máximas filosóficas tais como “penso, logo existo” (esta inclusive citada no filme).

Fosse por esta embalagem, Blade Runner - O Caçador de Andróides poderia facilmente ser classificado como incontestável obra-prima, mas há no desenvolvimento de um roteiro trôpego, diversas inconsistências, principalmente de ritmo, que não me permitem embarcar totalmente na do filme. Não há alternância sadia entre a investigação de Deckard e o percurso dos replicantes. Eles caminham impreterivelmente para uma colisão, mas não há propriamente um clima de tensão nesta busca, as cenas são mais importantes encerradas em si mesmas do que vistas como frações de um conjunto. Chega um ponto em que Ridley Scott cansa de nos mostrar seus cenários e efeitos revolucionários, e praticamente se atém a esta caçada deveras apressada, sem a ampliação dramática necessária para uma maior empatia. Por exemplo, até entendo o amor de Deckard pela replicante acontecer de maneira tão instintiva, romântica, mas são engulo as cenas em que ele acaba com seus alvos de uma forma tão rápida, que a perseguição pregressa perde a força dramática, e  passados cinco segundos esquecemos da relevância daquele ser meio orgânico/meio inorgânico que acabou de morrer. Isto poderia ser uma “alusão a como descartamos vidas humanas, esquecendo seu valor”? Claro que poderia, num cenário mais bem desenvolvido. Em Blade Runner - O Caçador de Andróides, estas sequências soam como buracos mesmo.

No final das contas, Blade Runner - O Caçador de Andróides vale por todos estes elementos que citei num dos parágrafos acima, por mostrar estas crises existenciais, num paralelo bem rico com o próprio senso de finitude humana, e pela ótima caracterização de um futuro que, acredito, não oferece cenário muito diferente do que temos pela frente. Profético, Blade Runner - O Caçador de Andróides ainda tem uma trilha sonora das mais icônicas e funcionais. Parece-me, porém, mais forte nos elementos inerentes ao livro em que se baseou, e carente de um desenvolvimento narrativo cinematográfico tão criativo e arrebatador quanto seus cenários, efeitos e intenções. Um bom filme de ação, turbinado com signos bem mais bem exitosos que as tímidas curvas que eles ajudam a compor, isto que é, para mim, Blade Runner - O Caçador de Andróides. Um filme superestimado, “vítima” do culto que o levou a um panteão que ele não merece pertencer.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Showgirls e a aparência que engana


Showgirls virou maldito após uma boa parcela da crítica tê-lo considerado fracasso artístico, completa “bola fora” do conceituado diretor Paul Verhoeven. A história da menina que vai a Las Vegas sonhando ascender ao estrelato foi malhada muito por conta das inúmeras cenas de nudez, pela propagada gratuidade de vários elementos, pela dita falta de talento do elenco, entre outras coisas, muitas delas que grudaram no imaginário de parte do público cinéfilo. É minha opinião, e ninguém precisa concordar com ela, mas acredito que Showgirls não apenas passa muito, mas muito, ao largo da ruindade, como é um filme de muita sensibilidade, de qualidades latentes e até bem evidentes. Um grande filme, até arriscaria dizer, que se peca em algo, é em apostar na capacidade do espectador de furar as camadas mais evidentes e prestar atenção nas entrelinhas e sutilezas.

Existem muitos pontos a se exaltar em Showgirls, e um deles é a forma quase assexuada com a qual esquadrinha o sexo, tratando ele com frieza, mostrando-o como um dos fatores de corrupção numa sociedade naturalmente disposta a corromper. Nomi, a protagonista, sufoca o passado, tentando deixar para trás sua vida pregressa, buscando edificar uma nova personalidade baseada na negação do que foi. Mudar de cidade significa para ela o mesmo que trocar de vida, assumir outras expectativas, joviais possibilidades. Não confiar em quase ninguém, é uma das lições que Nomi aprende desde cedo, a duros golpes, sentindo na pele o egoísmo humano, este que paradoxalmente vê aflorado a posteriori em suas próprias atitudes destrutivas. O dinheiro e a fama adulteram a menina que desembarca cheia de ideais na cidade da jogatina no Deserto de Nevada e, durante o processo de endurecimento ao qual se submete como ônus de suas ambições, acaba por virar uma peça quase voluntária de uma rede de jogos escusos, carentes de elementos básicos como a ética e a moralidade.

Verhoeven fez um filme que muita gente não entendeu. Não é fácil construir uma narrativa como a de Showgirls, apostando muitas vezes no kitsch, utilizando signos de difícil controle, como a nudez, a sugestão do poder sexual, sem que se escorregue vez ou outra, ora dotando de glamour excessivo a atividade “artística”, ora descambando para o típico drama em que a protagonista vira a coitadinha que merece um final feliz. Paul Verhoeven foge destas armadilhas, munindo-se de personagens que apenas aparentam arquétipos cansados, e uma mise-en-scène que utiliza o baile dos corpos desnudos como metáfora para uma sociedade oca e opaca, que premia a aparência, o estereótipo e a beleza dos corpos esculpidos, com as mais distintas láureas. Showgirls mostra um mundo vazio e apodrecido, num entorno capaz de contaminar quem quer que seja, ainda mais alguém que se dispõe à corrupção como degrau anterior ao sucesso. Num filme de tão rica construção, que exibe a maestria habitual de Verhoeven, um diretor que joga constantemente com aparências, ver repetidamente mulheres de corpos esculturais completamente nuas, até desperta desejo, não sejamos hipócritas. Porém, quando há clareza do real movimento das coisas, começa-se a prestar menos atenção nos seios e quadris, e mais nos sinais de instabilidade, em várias esferas, que acometem as pessoas, principalmente Nomi. Showgirls é um filme sobre aparências, e confiar em sua roupagem mais epidérmica, por assim dizer, seu aparente vazio, pode ser um passaporte para não compreendê-lo em sua complexidade.

terça-feira, 8 de março de 2011

Um Carnaval de Cinema

É tempo de carnaval, o período que marca a passagem do ano, de maneira até mais vincada do que o réveillon, afinal de contas paira sobre o Brasil a máxima de que “o ano só começa de verdade após o Carnaval”. Bobagens à parte, devo dizer que não gosto da festa de momo, independente de sua roupagem, seja a dos carros alegóricos da Sapucaí, dos blocos que invadem as ruas metropolitanas ou mesmo a das famigeradas micaretas nordestinas. Se “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”, nem sei o que faço aqui, julgo cheio de vida, escrevendo este texto. Carnaval é bom por conta do feriado, e com isso eu concordo. Aproveitei o período para ver filmes (“ah, novidade”, diriam irônicos, os que me conhecem). Vamos a algumas palavrinhas sobre os filmes que vi durante a folga carnavalesca.

Apocalypse Now
Fazia um bom tempo que um filme não grudava tanto em mim, durante e após a sessão. Assisti a versão original de cinema, já que a Redux, vista anos atrás, não havia me agradado, soando caudalosa demais. Reforço agora o coro dos que proferem ser este um dos maiores, senão o maior, filme de guerra já realizado. É impressionante a capacidade de Coppola em criar uma atmosfera extremamente realista, que retrata com bastante verossimilhança os horrores da guerra do Vietnã, inserir elementos de expressividade e grandiloquência  (vide a maravilhosa cena dos helicópteros ao som de Wagner), e ainda revirar o leme para um transcorrer quase metafísico, quando da chegada do Capitão Willard aos domínios do Coronel Kurtz. Apocalypse Now é tudo o que muitos filmes de guerra sonharam ser, sem chegarem nem perto. Filmaço.

Três Vezes Amor
Este eu vi com a namorada, mas não por imposição dela, é bom que se frise, mas sim por que tinha curiosidade mesmo, desde que vi os primeiros trailers. A história é bem interessante: após uma aula de educação sexual, filha questiona pai sobre alguns aspectos desta temática e pede que ele conte como de fato conheceu sua mãe, de quem ele está se divorciando. O pai então contará a ela, a história de seus três namoros sérios, com o desafio de que descubra qual das três mulheres é sua mãe. Filme água-com-açúcar, mas bem engenhoso. Quando estamos certos de quem é a mãe, lá vem o diretor e nos puxa o tapete, mostrando que deveríamos ter prestado mais atenção, principalmente no perfil do pai, para saber quem de fato foi gestora de sua rebenta. Abigail Breslin está excelente e faz milagre mesmo com o pouco tempo de tela. Bom filme, daquelas comédias românticas que, se não trazem nada de muito novo, são agradáveis e não agridem nossa inteligência.

Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia
Gosto do Hector Babenco e o percebo como um diretor de pulso forte, de excelente senso dramático e estético. Sempre nutri especial curiosidade por este filme, sobre o bandido Lúcio Flávio. É difícil ver exemplares nacionais que bebam com tanta propriedade do gênero policial, que ganhou às telas principalmente em filmes americanos, influenciados pelas novelas pulps e toda uma tradição de literatura policial que sempre foi edificada nos países anglo-saxões. Babenco filma com vigor o submundo, todas as conexões existentes entre polícia e ladrões. O entorno social ele enfoca en passant. O filme me pareceu mais poderoso em algumas partes, especialmente nos diálogos que estabelecem conexões escusas entre o crime e a lei. A construção do personagem principal me pareceu prestar reverência ao magistral O Bandido da Luz Vermelha, só que sem a inventividade formal e o espírito libertário do filme de Sganzerla. Um bom filme, afinal, com boas interpretações (não todas, algumas são bem canhestras, como a de Paulo César Peréio, por exemplo) e que soa bem atual. Guarda semelhanças com Tropa de Elite 2, no que diz respeito a esta relação de prostituição da polícia em busca de dinheiro marginal. Os dois formariam uma bela sessão dupla.

O Portal do Paraíso
A obra maldita de Michael Cimino, que acabou na época por levar à falência o mítico estúdio United Artists. Do alto de seus monumentais 210 minutos, o que temos é um grandioso tour de force, a busca pelo retrato de uma parcela obscura da história americana, a rejeição do chamado “país das oportunidades” pelos imigrantes que lá se instalaram. Tudo é muito grande em O Portal do Paraíso: os cenários são majestosos, a quantidade de extras é “embasbacante”, a minúcia na reconstrução de época é digna de reverência, ou seja, é uma superprodução com todas as características que a alcunha merece. Cimino conseguiu com este filme duas das coisas mais difíceis em Hollywood: dinheiro a granel e liberdade criativa. O saldo, infelizmente, foi negativo, e após arrecadar nos cinemas somente 2% do que gastou em produção, Cimino foi jogado aos leões impiedosamente, com a mesma velocidade com que erigiram anteriormente sua aura de gênio. O filme se ressente de doses mais generosas de concisão e coesão, falta ritmo em determinadas passagens, e o ego de Cimino operando no automático parece ter feito mal a uma narrativa que muitas vezes se perde em suas próprias ambições. Fora isto, é forte pela discussão que propicia e corajoso por bater de frente com o conformismo e o patriotismo paternalista que rege os americanos. Michael Cimino pagou um preço alto, tanto por sua coragem como por seu egocentrismo.

Obs.: Michael Cimino virou mulher, seu nome agora é Elizabeth, e ela é escritora, radicada da França. Largou o cinema.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Moacyr Scliar - O Imortal

Atentem para o rosto de Kafka lá atrás, à esquerda. Scliar era grande admirador do mestre tcheco.
     
Olá, caro amigo-leitor!

     As literaturas gaúcha e brasileira perdem um indivíduo de significativa importância, devido ao trato fino com as letras e seu encaixar. Cito, desta forma nebulosa, o porto alegrense Moacyr Scliar e sua, por que não (?), precoce finitude.

     Integrante algum do The Tramps já leu Scliar, talvez um pequeno número de linhas sim, mas não uma obra feito livro. Por isso, não temos conhecimento intelectual suficiente ou ao menos razoável para escapar da hipocrisia. Então, nos resta prestar homenagem e direcionar a leitura dos interessados a um belo relato, assinado por Carlos André Moreira sobre o imortal, este infelizmente apenas na ABL.


Até breve.