sexta-feira, 28 de novembro de 2014

TOP5 - Personagens Neuróticos

A coluna TOP5 está de volta. Nesta edição, a psicóloga e psicanalista (além de amiga) Ana Lucia Gondim Bastos apresenta cinco personagens neuróticos do cinema. Mas, antes da lista propriamente dita, é bom esclarecer o que de fato é uma neurose. Para isso, a fim de que não fiquemos reféns do uso comum (muitas vezes errado) da expressão, pedi à Ana Lucia que fizesse uma introdução sobre o tema. Confira. 
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A consistência na construção de um personagem depende, em grande parte, da coerência entre sua organização psíquica (ou a falta dela) e sua inserção na trama proposta pelo roteiro. A psicanálise apresenta um modelo de aparelho psíquico que, segundo particular organização e flexibilidade, oferece à pessoa (ou ao personagem) em questão determinadas possibilidades de lidar com seus conflitos e de dar conta das constantes (e dialógicas) demandas recebidas, tanto do mundo interno quanto do mundo externo. As neuroses são manifestações dessas possibilidades (ou impossibilidades), assim como as psicoses ou as perversões. Numa organização neurótica, falando bem grosso modo, existe um conflito grande entre desejos e fantasias inconscientes e a censura, do próprio sujeito, em relação a tais fantasias e desejos, o que o faz lançar mão de diversos mecanismos de defesa para dar conta das ambivalências e incoerências provenientes desse conflito. Vamos, então, à minha seleção de personagens neuróticos: 

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O médico Bill Harford, personagem de Tom Cruise em De Olhos Bem Fechados (1999), último filme de Stanley Kubrick. Depois de uma festa de um paciente milionário, ele e sua esposa (papel de Nicole Kidman), ainda no clima festivo e do “sem limites para a fantasia” da vida dos ricaços, conversam sobre fantasias sexuais. Isso mexe com os mecanismos de defesa do médico que passa a ter pensamentos recorrentes e incontroláveis sobre o diálogo e a buscar dar vazão a desejos sexuais até então recalcados. Incrível trama sobre a neurose às portas da perversão. 



O romancista nova-iorquino Melvin Udall, personagem de Jack Nicholson em Melhor é Impossível (James Brook, 1997), comédia romântica que tem como mote a própria neurose do protagonista. Os exageros, quase caricaturais, e a rigidez, metódica e intolerante, característicos da neurose obsessiva do personagem é a linha que costura toda a trama que ele protagoniza. Quando o isolamento que o protege do outro começa a ser ameaçado, Melvin vê seu mundo, cheio de certezas, se desorganizar, abrindo espaço para as relações humanas. 


A rica dona de casa, também nova-iorquina, Alice Tate, personagem de Mia Farrow em Simplesmente Alice (1990), filme de Wood Allen. Casada, com filhos e sem preocupações financeiras, Alice se interessa por um músico, pai de um colega de escola de sua filha. Tal interesse abala as certezas de que está tudo bem em seu cotidiano entediante, fútil e sem maiores preocupações e, por isso, ela acaba recorrendo a um chinês que a leva para uma experiência mística, através da qual tira “o véu” que encobria suas relações e a empodera para transformar e, finalmente, protagonizar uma história. 



Roberto, o mal-humorado dono de uma pequena loja de ferragens, personagem de Ricardo Darín em Um Conto Chinês (filme de Sebastián Borensztein, 2011). Ex-combatente de guerra, Roberto mantém uma vida marcada pela irritabilidade e o isolamento. No seu restrito e metódico cotidiano, tem como forma de diversão selecionar e recortar notícias de jornais com acontecimentos inusitados. Contudo, quando o inusitado acontece em sua vida – um imigrante chinês “cai em seu colo” e torna-se parte desse seu cotidiano – Roberto vê sua falta de flexibilidade colocada em xeque. 



Cabíria, a simpática e desajeitada prostituta, personagem de Giulieta Masina em Noites de Cabíria (Federico Fellini, 1957). Imersa na idealização de uma vida sem as privações que sua realidade impõe, Cabíria está sempre entrando em enrascadas e se frustrando, enquanto projeta suas fantasias românticas num cotidiano árido e pouco acolhedor.

3 comentários:

  1. Obrigada pelo convite, Marcelo! Foi um desafio muito estimulante. Adorei sua ideia e participar desse seu projeto!

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  2. Celito!
    Muito bacana ver o cinema enquanto ferramenta para entendermos melhor a vida.
    Parabéns pela iniciativa.

    Grande abraço.

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  3. Muito legal esse Top retornar =)
    Ana Lucia mandando muito bem !!!!! beijo

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