domingo, 23 de novembro de 2014

Doses Homeopáticas #32


O QUE SE MOVE aborda perda, mas não uma do tipo qualquer. Feito de três histórias distintas nas quais mães perdem seus filhos, o filme de Cateano Gotardo trabalha com o mínimo, apostando numa encenação próxima do cotidiano, ainda que algumas interpretações sejam demasiado empostadas. Nada que nos tire a sensação de estar entre gente de verdade. Contudo, no fim de cada segmento as mães literalmente cantam sua dor, ou seja, há uma quebra nesse pacto com a encenação minimamente artificial, uma vez que o musical é um gênero antinatural por excelência. Ainda que seja tudo muito bem trabalhado, que as emoções soem genuínas até certo ponto, não me parece que o filme consegue se desvencilhar de um distanciamento que minimiza o impacto tanto dos eventos trágicos quanto do sofrimento que as mães – com muita beleza, é verdade – cantam, expressando o que as palavras não mais comportam sozinhas carregar.


A jornada que INTERESTELAR nos propõe não é apenas a exploratória, aquela na qual os personagens precisam atravessar o cosmos em busca de outro planeta habitável, uma vez que a Terra sucumbe definitivamente a anos de descaso. Primeiro temos o drama familiar, a difícil decisão do personagem de Matthew McConaughey (aliás, ele em outra grande atuação) de deixar para trás os seus em prol da humanidade. No espaço as coisas se complicam, as pessoas têm de se submeter a ditames desconhecidos, dimensões que lhes fogem, lidar com a relatividade do tempo. Dolorosa a cena em que o protagonista regresso de uma missão rápida, porém malfadada e que lhe custa muitos anos, vê mensagens que resumem em minutos os acontecimentos de quase uma vida. Dali para adiante, tudo fica mais complexo, pois Christopher Nolan mostra o quão ignorantes somos em relação àquilo que escapa de nossas fronteiras (metafóricas ou não), ao passo que celebra a força do humano e dos laços que ele cria para subsistir.


HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO se debruça sobre problemas típicos da adolescência. Nele, vemos jovens tentando crescer, se desvencilhar da superproteção paterna, descobrindo o amor, o desejo, enfim expedientes pelos quais todos nós passamos. Porém, para Leonardo, o protagonista, as coisas são um pouco mais difíceis, afinal de contas ele é cego. As rédeas dos pais são ainda mais curtas – sobretudo as da mãe –, a melhor amiga, claramente apaixonada por ele, se distancia enciumada de Gabriel, colega novo que, sem querer, acaba desestabilizando as coisas. Leonardo e Gabriel se aproximam e o afeto se desdobra em paixão. Daniel Ribeiro, o diretor, conduz tudo com muita suavidade, sem forçar a barra nos percalços pelos quais esses adolescentes passam. O filme tem o grande mérito de ser artisticamente relevante, pois voltado com muita sensibilidade a questões humanas, sem precisar alardear as próprias qualidades. É nessa aparente simplicidade que reside a força essencial do brasileiro postulante ao Oscar.

4 comentários:

  1. Vontade de ver os que não vi e rever o que vi =) Muito legal o que vc escreveu! bjs

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    1. Obrigado, Carol

      Em maior ou menor proporção, os outros dois filmes valem muito a pena.
      Veja quando puder.

      Beijoss

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  2. Celito!
    Essas "pitadas críticas" são ótimas.
    INTERESTELAR, sem dúvida, trata-se de um grande filme. Complexo na medida, sem parecer pedante ou mesmo estabelecer distância com relação ao público. Obra sentimental, mas que não se rende a soluções fáceis ou que sejam incoerentes com seus personagens.

    Grande abraço.

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    1. INTERESTELAR é um filme que, a meu ver, vai além da questão técnica, do que os olhos veem. Muita gente têm falado mal, mas acredito que, assim como ocorreu com outros grandes filmes, seja preciso passar algum tempo para ele ter o devido reconhecimento.

      Abraços

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