quinta-feira, 29 de março de 2012

The Tramps Entrevista: Robledo Milani


O maior pecado que um crítico de cinema pode cometer é colocar-se acima dos filmes, como imediato superior ao objeto de sua observação. O verdadeiro crítico tampouco se regozija em escrever linhas repletas de apontamentos pejorativos, como muitos tendem acreditar. Para além da cotação graficamente representada por estrelas, números ou qualquer outra maneira reducionista de análise, a ele cabe essencialmente tentar traduzir a obra ao espectador, tendo sua erudição e sensibilidade como filtros. Escrever sobre cinema é também uma forma de fazer cinema.

Certos da contribuição deste profissional para o desenvolvimento da arte fílmica - já que nada cresce sem discussão e embate de ideias -, damos continuidade a esta série muito especial de entrevistas com críticos de cinema. Desta vez, conversamos com Robledo Milani, um dos grandes responsáveis pela ascendente representatividade do Papo de Cinema, já nascido o maior portal online de cinema do Rio Grande do Sul.

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Robledo Milani é crítico de cinema, formado em Comunicação Social pela UFRGS. Já teve textos publicados em jornais, revistas e em diversos sites pela internet, além de ter trabalhado em rádio e em televisão. Diretor da Phosphoros Novas Ideias, Robledo Milani é também membro fundador da ACCIRS, Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e associado à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE).

Acessem:  www.papodecinema.com.br

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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
A paixão pelo cinema surgiu desde pequeno, quando minha avó materna costumava me levar para passar as tardes conferindo grandes filmes. Nesta época, dos meus 8, 10, 12 anos de idade, lembro de ter assistido obras como O Último Imperador, Sociedade dos Poetas Mortos, As Bruxas de Eastwick, The Doors... Foi ali que tudo começou.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Creio que o crítico, além de ser mais uma opinião dentre tantas, ele deve se posicionar como aquela opinião que faz a diferença. Hoje, principalmente com o advento da internet, todo mundo opina. Todo mundo "curte", "marca" e "compartilha" algo. Mas poucos realmente criam algo novo. O Crítico deve se posicionar de modo a ajudar o espectador a fazer daquela sessão de cinema algo único, inédito. Todo crítico possui uma opinião, é claro, mas essa deve ser embasada em muitos outros argumentos, e nunca se esquecer de qual é o propósito final de cada filme e o que aquele público irá pensar.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Como disse, hoje é muito fácil se dizer Crítico de Cinema. Só que a grande maioria dos que estão espalhados pela internet mal conhecem a língua portuguesa direito. Portanto é muito importante saber diferenciar o que conta, o que possui conteúdo e argumentos de verdade daqueles que são apenas mais um dentre tantos, sem nada de real a acrescentar.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Acredito que as duas linhas de pesquisa sejam importantes. É fundamental nunca esquecer que o crítico é também um espectador, e como tal possui uma opinião pessoal. A análise subjetiva vai muito por esse caminho, pelo que simplesmente gostamos ou não. Mas há mais, detalhes que são revelados apenas através do estudo, da pesquisa, da análise. O conjunto destas duas forças formam um bom crítico.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Um dos melhores críticos de cinema, que ainda está em atividade, é o americano Roger Ebert, que inclusive ganhou o Prêmio Pulitzer por seu trabalho. Ele é genial, pois sabe olhar cada filme tanto com distanciamento como também com a paixão necessária de um cinéfilo de verdade. No Brasil, aprecio muito o texto da Isabela Boscov (Revista Veja), apesar de muitas vezes discordar do que ela pensa.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Isso nunca me aconteceu. Mas é sempre bom revisitar grandes realizadores. No ano passado, em função de um workshop que ministrei, me debrucei sobre a obra de Steven Spielberg, e descobri um artista que ia muito além daquela ideia pré-concebida que eu tinha a seu respeito. Quando olha o conjunto dos trabalhos de um mesmo cineasta podemos ter uma visão mais apurada do que lhe estimula e do que realmente é válido para ele.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
O jornalismo impresso, como um todo, está em crise. As redações estão cada vez menores, e os jornalistas especializados em um único assunto são uma raça em extinção. O que acontece com os críticos de cinema é só mais um reflexo deste quadro geral, e não um ponto isolado. Tudo está mais ágil, dinâmico, fugaz e vazio. E quem mais sofre é o conteúdo. Não se tem mais tempo para tudo que nos é oferecido constantemente.

• Discutir “comércio versus arte” ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Cinema é arte, mas também é indústria. Uma realidade é indissociável da outra. O cinema brasileiro sofre com isso porque não aceita essa realidade. Realiza obras faraônicas, extremamente caras, mas que chegam às telas já pagas, pois foram feitas a partir de leis de incentivo. Ou seja, são verbas de impostos que se transformaram em cinema. Mas não por nossa opção, e sim por escolha dos empresários e por anuência do governo. Assim, não importa quem veja ou não tal filme - ele já foi pago. E quando não há preocupação com o espectador final, o realizador faz o filme apenas para si mesmo. Uma massagem de ego muito cara.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Muito dessa pergunta está na resposta acima. O cinema brasileiro está em crise. Ninguém gosta dos filmes feitos aqui. A cada ano são feitos cerca de 100 novos filmes em todo o Brasil, e é difícil encontrar 5 deles realmente ótimos, acima de qualquer "porém". E isso é sintomático do cenário atual. Os cineastas brasileiros são movidos a egos inflados, preocupando-se apenas com o que eles gostam, sem se apoiar em um estudo mais apurado que reflita os desejos da platéia. Mas também não se deve apenas agradar. Deve-se, também, ensinar. Nunca subestimar a inteligência do espectador. Dessa forma, todos crescem juntos.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 25 de março de 2012

Quando A Guerra Está Declarada


Declarar guerra é evidenciar a iminência do embate ao inimigo, escancarar tensões que não se aquietam mais em seus nascedouros. É o que fazem Roméo e Juliette em A Guerra Está Declarada, quando, ainda em meio à curtição inicial do casamento, descobrem o tumor cerebral que ameaça ceifar a vida de seu filho Adam. Eles declaram guerra à doença, assumindo postos avançados como sustentáculos do pequeno e da família que padece junta. Aqui vale destacar que os autores do roteiro, Valérie Donzelli (também a diretora) e Jérémie Elkaïm - não por acaso também os intérpretes de Juliette e Romeo - passaram realmente pela situação que retratam na tela.

A Guerra Está Declarada é sensível por mesclar a agonia dos pais com os meios incomuns por eles utilizados nesta luta em que ganhar ou perder representa a sobrevida filial. Há momentos terrivelmente dolorosos, um deles quando Juliette expõe por telefone o diagnóstico fatídico, mas, como contraponto, há outros de grande suavidade e ternura, que tornam momentaneamente tudo menos opressor, tal o desabafo risonho dos protagonistas acerca das possíveis sequelas que a doença pode legar ao menino. Aliás, abundam estes pequenos instantes em que a lividez acolhe os penalizados na dolorosa conjuntura. Paradoxalmente, o humor acaba amplificando a dor e vice-versa. 

A música desempenha papel importante em A Guerra Está Declarada, assim como as pequenas referências a clássicos da nouvelle vague. Ou alguém despreza que amar um joelho é coisa de Eric Rohmer e correr em direção ao mar é algo típico de François Truffaut para sublinhar raros momentos de libertação? Pela sacada do casal homônimo ao célebre duo romântico de Shakespeare, já se sabe de antemão que Roméo e Juliette estão fadados a algo trágico, e inclusive isto é profetizado por ele durante o primeiro encontro. O que não se imagina é que tal drama seja encarado pelos dois com a insólita capacidade de ressaltar os aspectos positivos das pequenas vitórias, na medida em que tomam distância dos efeitos progressivos da moléstia que acomete seu filho. Em meio a terrível situação, entendem que não há como vencer qualquer prélio nos papeis de soldados excessivamente fatigados ou derrotistas. Belíssimo filme.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 20 de março de 2012

Em busca de Uma Vida Melhor


Responsável pela indicação do até então desconhecido Demián Bichir ao Oscar de Melhor Ator, ombro a ombro com nomes reconhecidos da indústria cinematográfica, Uma Vida Melhor se desdobra sobre o velho problema da imigração ilegal nos Estados Unidos. Considerado um oásis, o solo estadunidense atrai anualmente milhares de imigrantes, e vários deles entram ilicitamente pela fronteira com o México, atravessados pelos “coiotes” e largados à própria sorte na “terra das oportunidades”. Na carona desta movimentação migratória (e de outras) surge, se esgueirando, a xenofobia que ameaça a integridade da globalização propagandeada por aí. 

O jardineiro Carlos é acossado pelo fantasma da extradição enquanto cuida do filho adolescente que flerta com a criminalidade. Gangues recrutam garotos para suas fileiras, e encontram facilidade ao lançarem iscas de força e poder justamente nos grupos vulneráveis compostos por jovens em formação que não querem o mesmo destino pobre de seus progenitores. Claramente reverente a Ladrões de Bicicletas, clássico neo-realista de Vitório De Sica, do qual pega emprestados diversos elementos e até situações (como o desespero do pai que tem roubado seu meio de subsistência), Uma Vida Melhor se ressente de mão diretiva menos hesitante e da fuga mais competente de alguns estereótipos e clichês, estes que volta e meia surgem enfraquecendo o campo dramático. Por outro lado, não opor ricos e pobres, evitando ainda a aderência à moda reducionista da vilanização americana, é um dos evidentes acertos do filme. 

O diretor Chris Weitz, conhecido do grande público por American Pie – A Primeira Vez é Inesquecível, e mais recentemente A Saga Crepúsculo – Lua Nova, imprime olhar maduro à história de Carlos. Porém, sua reticência em abraçar com mais energia certos desdobramentos, prejudica sensivelmente o que poderia alcançar maior ressonância. Demián Bichir, por sua vez, abraça vigorosamente a tarefa de sustentar a narrativa e as figuras que gravitam em torno de seu personagem, num trabalho cujo brilho é totalmente merecedor das láureas que vem recebendo. A despeito de suas inconstâncias, Uma Vida Melhor habita longe das obras ocas e voltadas apenas ao entretenimento, pois resvala também na complexa questão da herança cultural, esta entidade desfigurada e nebulosa principalmente aos jovens que nasceram longe de suas raízes. Em suma, um bom filme, pertinente, só não grandioso por que se apequena frente às temáticas que explora.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 10 de março de 2012

Amor, traição e Um Método Perigoso


Convém não mais brindar a chegada de cada novo trabalho do diretor canadense David Cronenberg com análises perplexas sobre mudanças de itinerário. Virou lugar-comum opor sua fase pretérita, caracterizada por signos grotescos, bizarrices e visuais perturbadores, ao presente de inquietações manifestadas mais, digamos, limpidamente. No frigir dos ovos, é besteira deter-se em demasia nesta metamorfose que simplesmente aponta para o esgotamento do artista ante alguns registros utilizados à exaustão (pelos quais ficou estigmatizado). E, convenha-se que, por exemplo, ficcionalizar o choque entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung (os pais da psicanálise moderna), como visto em seu mais recente filme, é expediente altamente transgressor na contemporaneidade bestial, só que de maneira menos óbvia.

Um Método Perigoso funda-se primeiro na relação entre o impetuoso Jung e sua paciente russa Sabina Spielrein. A conexão, que começa profissional, descamba para o pessoal quando o doutor cede aos encantos da moça acometida por sérios distúrbios ligados à excitação sexual, com quem então passa a ter um caso de tórridas proporções. Jung sofre pela culpa que o invade, da mesma maneira que acusa o golpe pelo embate travado com seu mestre Freud, este avesso às contribuições duvidosas que venham contaminar suas teses fundamentadas na ideia do sexo como nascedouro das neuroses. Arguto como sempre, Cronenberg utiliza a infidelidade como tempero do verdadeiro motriz dramático, ou seja, a colisão entre os egos de Jung e Freud: o pupilo que busca abertura aos seus pontos de vista (quem sabe como maneira de alargar ainda mais sua fama), enquanto o mestre tenta preservar sua inconteste autoridade no campo científico.

Jung projeta em Freud uma espécie de figura paternalista. O atrito ocasionado pelo “filho” que tenta subjugar o “pai”, cuja autoridade passa a ser questionada, é nuclear em Um Método Perigoso, e encontra ecos na própria psicanálise. Aliás, Cronenberg enriquece o tecido fabular da trama com características pertencentes às mais diversas moléstias psíquicas, não por acaso cujos tratamentos são até hoje bastante influenciados tanto pelas ideias de Jung como de Freud. Falando neles, são interpretados com muita competência, respectivamente, por Michael Fassbender e Viggo Mortensen. Já Keira Knightley entrega mais do que sua limitação contumaz permite, embora exista dificuldade em quantificar o exagero residente (ou não) na sua leitura desta mulher mentalmente abalada.

Elegante, Um Método Perigoso utiliza a repressão inicial das pulsões e desejos de Carl Jung, e seu posterior sentimento de culpa, como balizas para a maioria dos conflitos por ele internalizados. Também investe com particular interesse na figura hipnótica e persuasiva de um Sigmund Freud defensivo, certamente temeroso frente ao possível estremecimento da idolatria suscitada em seus seguidores. Ganha contornos de obra maior quando se concentra justamente nos encontros (nem sempre amigáveis) entre os dois gênios da ciência, que a despeito de todo legado que deixaram para a compreensão das enfermidades da mente, eram, como todos, reféns de sua própria falibilidade.   

Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 6 de março de 2012

Oscar 2012: O Vencedor

Olá novamente, queridos amigos cinéfilos!

Depois de um atraso imperdoável, pelo qual eu espero que todos vocês me perdoem (!), venho até aqui apresentar as considerações trampísticas (sim, precisamos de um neologismo identitário) sobre a cerimônia do Oscar e o resultado de nossa tradicional aposta, que chegou em 2012 à sua 6ª edição.

Conforme prometemos, segue abaixo o videocast com as impressões de Conrado Heoli, Marcelo e Rafael Müller sobre a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e o vencedor da bolada de R$ 75. O prêmio ainda é pequeno comparado às nossas pretensões de cinéfilos consumistas, por tanto aceitamos contribuições e patrocínio para a próxima edição de nosso bolão.

domingo, 4 de março de 2012

O funk e a ânsia


Acordo às 6h25min. Levanto às 6h31min. Troco de roupa, vou ao banheiro, tomo meu café, volto ao banheiro, escovo os dentes e saio, por volta das 7h15min. Já na rua, caminho solitário em meio a pensamentos distintos, que vão daqui até ali, sem rumo certo, orientados pela aleatoriedade. Apesar de completar quase 1 hora do despertar, resquícios daqueles momentos na cama tornam meus movimentos mecanizados, devido ao hábito. A mente? Bom, segue em ritmo lento e sem direção certa. Contudo, algo acontece. Sempre, algo acontece. E nem sempre é bom. 

Tchutchucas, popozudas, turbinadas, devassas, enfim, um exército de baixarias ataca meus tímpanos, estes soldados rasos pouco preparados a inimigos tão violentos e inescrupulosos. A artilharia se concentra num veículo com equipamento de som até o limite do espaço antes destinado a malas. Ou, mesmo, arautos do absurdo que empunham celulares sem fones. 

Tenho consciência do quanto se debate o assunto funk. Não posso me calar. Todo o dia é a mesma coisa. Qualquer hora. Qualquer lugar. O funk que menciono neste pequeno texto se refere a veia carioca, a qual tem se alastrado de forma semelhante as piores bactérias. Não aceito o argumento de que é “entretenimento”. É triste reduzir a arte a apenas entretenimento, assim como o fazem no cinema e literatura, por exemplo, porém tenho minhas dúvidas se a diversão necessita negar a razão. 

As mulheres são as maiores vítimas e propagadoras. Vítimas porque as letras paupérrimas se baseiam na sexualidade e, antes, vulgaridade da fêmea, a tratando unicamente enquanto meio de prazer masculino. Propagadoras, se analisarmos as “belas” dançarinas, embaladas pelo hino à submissão, onde o musical ganha contornos visuais. Isso certamente serve como chamariz a muitos. Infelizmente. 

A imbecilidade humana não tem limite, nem idade ou classe social. Questiono-me seguidamente o que motiva alguém a consumir e espalhar lixo pelo ar. “Ah, é que a globalização torna as coisas mais rápidas, não temos mais tempo livre para descansar a mente, sem espaço à reflexão”. Que balela. Caso esta afirmação seja verídica, que a globalização nos engula e que não haja mais nada a fazer, além de acordar, levantar, sair de casa, trabalhar e voltar. Um círculo vicioso monótono, sem vida, e que ao menos não desafia a nossa inteligência.


Até mais.




PS: Eis um exemplar caxiense (¬¬³):