sábado, 30 de junho de 2012

O rei da Boca


A lendária Boca do Lixo, em idos tempos reduto de cineastas, prostitutas, bandidos e outros tantos exemplares da fauna paulistana, teve um rei entre os anos 1950 e 1970: o irascível Hiroito de Moraes Joanides. Apaixonado desde cedo pela vida boêmia, afeito a noitadas com o meretrício local, Hiroito aos poucos conquistou o território pelo medo - muito de sua reputação advinha da facilidade com que disparava em concorrentes ou mesmo em quem fazia troça de sua inabilidade na sinuca - e arregimentou lucrativas negociatas baseadas em três pilares: mulheres, subornos e drogas. 

Livremente inspirados no livro que o próprio Hiroito escreveu durante o cárcere, Flavio Frederico (também diretor) e Mariana Pamplona criaram o roteiro de Boca (exibido anteriormente com o nome de Boca do Lixo), cinebiografia que enfoca a desvairada ascensão de Hiroito ao topo da criminalidade local.  Daniel Oliveira encarna o protagonista, noutro trabalho notável da já vasta carreira cinematográfica que ostenta. Aqui e acolá surgem mais figurinhas carimbadas do cenário brasileiro, como Hermila Guedes, Leandra Leal e Milhem Cortaz. Todos muito bem, é bom que se diga, mesmo os de pequena participação.

Flávio Frederico exibe talento, faz de Boca um filme cheio de energia, personagens interessantes e sequências vigorosas. Porém, a utilização de saltos cronológicos constantes enfraquece ligeiramente o desenvolvimento narrativo. No afã de cobrir o maior período possível, sem para isso estender a duração final (provável amarra orçamentária), prejudica-se algumas passagens importantes, felizmente sem maiores danos ao todo, no geral, de feitura esmerada e habilidosa. Exemplo de qualidade, a bela fotografia de Adrian Teijido é construída com base em evocativos matizes esmaecidos.

Hiroito de Moraes Joanides foi figura excepcional, bandido à moda antiga, leitor voraz, deslumbrado com as possibilidades de ganho fácil através da exploração de mulheres e venda impune de drogas. Criou-se a lenda enquanto a Boca do Lixo era território sem lei, quando a polícia subornada fazia vista grossa à desordem instaurada por lá, muito porque dela (dessa “agitação”) advinham ganhos extras. Boca explora bem o mito, e a despeito do compasso acelerado, da trama lacunar e um tanto evasiva, tem personalidade suficiente para não cair no infértil terreno da banalidade.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 23 de junho de 2012

Precisamos falar sobre Perspectivas


Adaptações literárias ao cinema geram polêmica, e quanto “maior” o livro, mais acaloradas são as comparações. Ser subserviente é pecado cinematográfico contumaz, e o caminho correto (se é que existe um) parece aquele trilhado por roteiristas e diretores que tentam emular mais a verve estilística do escritor, do que propriamente a fábula por ele criada. Mas há também de se respeitar certos cânones do contado, evitando assim descaracterizações. Missão complexa, não?

Precisamos Falar Sobre o Kevin foca, sobretudo, a relação entre Eva e o filho que chacinou alguns colegas. A diretora Lynne Ramsay tenta seguir o recomendado ao refutar determinados grilhões do livro, quase sempre disposta a representar de sua maneira, ora o torpor de Eva, ora sua angústia cotidiana, num diálogo aberto com o núcleo duro do romance, não presa a ele. Porém, Ramsay se excede nos maneirismos, na direção chamativa, no caráter por demais lacunar e na decupagem “artística”, artificial até os ossos.

Afora méritos/deméritos, quer-se aqui discutir uma importante alteração ocorrida na transposição. Nas páginas escritas por Lionel Shriver, o desenrolar se dá por meio de uma mulher retrospectiva que escreve ao ex-marido. São reminiscências, recordes imprecisos (como qualquer deles), ou seja, há prováveis exageros, visões bastante particulares, distorções corriqueiras, etc. Já no filme, Lynne Ramsay transforma essa subjetividade em objetividade, pois não há indícios do viés memorialístico original. Por certo, a descontinuidade temporal fílmica insurge como veículo do passado e de suas correlações, mas não possui qualquer efeito de filtragem dos acontecimentos pelo trauma ou através da memória, como subentendido no livro.

Em primeira instância, não se deveria paralelizar com tanto furor meios independentes, encerrados em si. No entanto, análises comparativas entre basilares literários e derivados cinematográficos impõem-se historicamente, e no caso de Precisamos Falar Sobre o Kevin a mudança supracitada pode parecer ínfima, mas, quando objeto de reflexão, aparece como importante elemento que diferencia a leitura do mostrado na tela.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 19 de junho de 2012

No Dia do Cinema Brasileiro

- Uma das mais emblemáticas sequências de Deus e o Diabo na Terra do Sol, nosso western dialético terceiro-mundista.





- Cena antológica de O Bandido da Luz Vermelha: "...quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha, avacalha e se esculhamba".


domingo, 17 de junho de 2012

The Tramps Entrevista: Tatiana Babadobulos



Tatiana Babadobulos é formada em jornalismo desde 1998 e cursou pós-graduação em Crítica Cinematográfica. Membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), é apaixonada por viagens e arte, odeia filme dublado, adora uma sessão de filme francês, mas não abre mão dos longas de animação. É autora do blog Memória Cinematográfica e, juntamente com o colega Antonio Carlos Egypto, do curso de pós-graduação na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), escreve no blog Cinema com Recheio.  Sobre viagens, registra suas experiências no Memória de Viagem.

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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Na infância. Costumava ir ao cinema, principalmente nas férias, em Santos (litoral paulista), com meus irmãos e primos. Minha avó também me levava bastante ao cinema perto da casa dela, em São Paulo. E ficava maravilhada com aquela magia.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Crítico tem a função de esmiuçar o que é produzido, muitas vezes até traduzir para o público o que o diretor está mostrando na tela. Nos dias de hoje, com tantas produções, o crítico tem a oportunidade de separar o joio do trigo, ainda que isso não seja essencial para direcionar o público.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Com o encolhimento dos espaços nos jornais e nas revistas, a internet tem espaço ilimitado para a discussão, além de o leitor poder interagir com o autor e enriquecer a discussão da obra.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Não acredito que enfraqueça. É uma maneira menos arrogante de se falar de uma obra. O academicismo é válido, claro, mas a linguagem direta sempre tem a vantagem de atingir um público maior e de aproximar a crítica do leitor/espectador, de modo que o espectador se identifique com o que o crítico pensa/escreve.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Paulo Emílio Salles Gomes é o precursor, de modo que não dá pra estudar a crítica cinematográfica sem passar por seus textos. O mesmo acontece quando falamos da crítica internacional, como nomes como François Truffaut e Pauline Kael. Hoje admiro Luiz Zanin Oricchio, Neusa Barbosa, Sergio Rizzo...

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Não sei dizer, acho que por enquanto nenhum me provocou desta forma.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acredito que há uma crise em todos os sentidos. A falta de espaço nos jornais, por exemplo, acontece devido à falta de investimento publicitário, que atualmente migrou para as mídias eletrônicas. Papel está caro para bancar sem patrocínio. Internet é um modo de baratear a disseminação de informação. Outra crise é do interesse. Ou melhor: da falta de interesse. Há pesquisas que mostram que o leitor não passa do primeiro parágrafo. Ele quer textos curtos e o máximo de informação em uma mesma página, por exemplo. Ele quer saber, mas não quer se aprofundar. E profundidade, para o exercício da crítica, é fundamental.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Independentemente de ser arte ou blockbuster, o cinema precisa sobreviver. E ele sobrevive com o comércio. A vida capitalista é assim. Não dá para separar uma coisa da outra. O que não dá é para achar que os cineastas só produzem os tais arrasa-quarteirões, já que eles dominam as salas, enquanto há muita coisa boa sendo produzida e muitas vezes esquecida pelos exibidores.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
O cinema brasileiro está mal. Desde a Retomada houve uma boa melhora, mas poucas produções levam o público às salas. O público que vai, leva em conta o star system, vindo das telenovelas. Mas o público também é culpado por preferir prestigiar o besteirol em detrimento de boas produções, principalmente na área de documentário. Dos cerca de 80 filmes nacionais produzidos, quantos vão às telas? Com exibidores internacionais, nem a cota de tela tem resolvido. Quantos são realmente prestigiados? Outra questão é quanto à produção. Como o cinema nacional sai pago quando é lançado (fruto das leis de incentivo), o que se vê são produções pouco ousadas, com narrativas tolas e atores não muito envolvidos com o tema. É triste saber que o cinema argentino, por exemplo, está muito melhor que o brasileiro. Mas, ao mesmo tempo, é bom saber que é possível chegar lá, mesmo com baixo orçamento. Talento nós temos, só é preciso saber empregá-lo.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Adeus Carlão



"Cinema, como qualquer arte que se preze, é risco. Você não pode ter medo"

Carlos Reichenbach
14/06/1945 - 14/06/2012


Atualização: Nota de pesar da Abraccine 

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Bye Bye Brasil


Carlos Diegues, conhecido também pela alcunha de Cacá, acaba de completar 50 anos de cinema, meio século de vasta contribuição à arte. E um de seus trabalhos mais emblemáticos é, sem dúvida, Bye Bye Brasil, drama protagonizado pela Caravana Rolidei, grupo itinerante que leva alegria (mas não somente) a parcelas menos abastadas da nação. Lorde Cigano, Salomé e Andorinha vagam pelo interior, principalmente do Norte e Nordeste, fugindo das antenas “espinha-de-peixe”, pois o público rareia onde já chegou televisão. Num dos povoados, recolhem Ciço e Dasdô, casal jovem, ele com a sanfona, ela com o herdeiro na barriga já proeminente.

De lugarejo em lugarejo, a Caravana Rolidei atravessa paisagens empobrecidas e testemunha a angústia dos que oram fervorosamente por pingos de chuva. A passagem lúdica da trupe miserável desvela outros tantos filhos largados à própria sorte pela pátria-mãe desnaturada. Índios em mendicância urbana, homens e mulheres digladiando-se por trabalho, enquanto a necessidade sobrepõe-se a elementos básicos, tais como a moral. Em dado momento, o imberbe Ciço apaixona-se por Salomé, pecado encarnado com volúpia e sensibilidade por Betty Faria, e propõe fuga, num amor próximo do desespero. Lorde Cigano (quiçá o papel da vida de José Wilker), o líder malandro capaz até de fazer nevar nos trópicos, seduz a vulnerável Dasdô apenas por seu sexo. Assim, o humilde encanta-se pelo mambembe, pois o crê altivo.

Mesmo após a dissolução do Cinema Novo, Cacá Diegues (um dos próceres do movimento) continuou dando voz e rosto aos que padecem à margem do progresso, expondo noutras chaves as mazelas de uma sociedade doente. Musicado pela virtuosa trilha sonora de Chico Buarque de Hollanda e Roberto Menescal, Bye Bye Brasil guarda significâncias densas, extraídas de suas paisagens geográfica, social e afetiva. Possui rara beleza, não apenas por expor (no bom sentido) o sofrido povo tupiniquim, mas, sobretudo por fazê-lo graciosamente, tomado da incorrigível esperança dessa gente que, a despeito de todas as evidências, crê num sol capaz de nunca mais se pôr. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 5 de junho de 2012

The Tramps Entrevista: Daniel Feix



A conversa da vez é com o crítico Daniel Feix, a quem aproveito para agradecer pela estimada contribuição. 

Daniel Feix nasceu na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, chegando a Porto Alegre com 11 anos de idade. Trabalha como crítico da Zero Hora há quatro anos. Antes, foi editor da Revista Aplauso e também trabalhou na RBS TV, além de ser colaborador em publicações diversas, revistas e também alguns livros. É membro da ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul) e da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).
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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
A primeira lembrança de cinéfilo que tenho é a de um período, lá pelos 10, 12 anos de idade, de paixão pelos filmes de guerra. Consumi compulsivamente todas as fitas (em VHS) da prateleira dedicada ao gênero na locadora mais próxima de casa, aí incluindo Cruz de Ferro do Peckinpah e outros títulos de classificação etária certamente impeditiva. Mas acho que a paixão despertou mesmo com a descoberta do cinema europeu dos anos 1960 e de diretores como Buñuel e Godard, quando eu já era um estudante de jornalismo e tinha uns 18, 19 anos. Foi a partir dali que consumir filmes e informações acerca do cinema passou a ser algo regular e ininterrupto até hoje.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
O mesmo desde sempre: a reflexão sobre a produção cultural é uma etapa fundamental para o fortalecimento e o próprio estabelecimento de um sistema - artístico, literário, cinematográfico etc. Uma resposta mais pessoal: reencontro o sentido de produzir crítica cada vez que constato a dificuldade de circulação de algum bom filme e a facilidade de circulação de outro péssimo. Incentivar o leitor a dar uma chance ao que tem qualidade mas está escondido, chamar a atenção para o que merece receber esta atenção mas encontra obstáculos para sua difusão pelas idiossincrasias do mercado - isso sempre deu e sempre dará sentido à crítica.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Quanto mais meios para compartilhar ideias, melhor. De certo modo, o meio determina a forma da crítica. Não escrevo no mesmo tom para o jornal e para um blog, por exemplo, assim como mudo o tipo de abordagem quando produzo algo para uma revista ou uma publicação que admite material de mais fôlego. De todo modo, quando se trata de crítica, no fundo, a forma importa menos do que as ideias em si. Hoje me parece haver críticas melhores e piores, mais ou menos inspiradas em todos os meios, em blogs e em jornais, em livros e em revistas especializadas. Dizer que um dos meios é mais ou menos interessante ou mais ou menos relevante apenas considerando apenas o próprio meio não me parece fazer sentido.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Acho que clareza e profundidade não são excludentes: pode-se ser claro sendo profundo. A produção acadêmica contém vícios, mas a produção jornalística também os têm, assim como a produção dos blogs mais despreocupados com formalidades de linguagem. O bom texto é aquele que os evita e consegue ser profundo se comunicando bem com o leitor.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Já senti profunda admiração ao tomar contato com a produção de muita gente, de André Bazin a Jairo Ferreira, mas ao escrever sobre algum filme no dia a dia das estreias do circuito as referências críticas parecem muito vagas, distantes. A bagagem de cinéfilo e o próprio consumo de cultura e informação de uma maneira mais ampla conta mais, mesmo no exercício da crítica desconectada desse dia a dia do mercado.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Nenhum, na verdade, muito embora algumas mortes sejam marcantes - não só no campo do cinema, mas de outras áreas da criação artística. As mortes de Bergman e Antonioni, juntas, causaram uma péssima sensação, assim como, mais recentemente, Rohmer. Este de maneira especial, porque acredito que ele não teve, ao menos nos últimos tempos, um reconhecimento à altura dos seus filmes. Mas aí o efeito é o contrário: sinto como se tivesse sido chamado a difundir a obra dele e de outros cineastas em situação semelhante.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
A crise dos veículos impressos é mais ampla, não diz respeito apenas à diminuição do espaço para a crítica cultural. Mas acho que o momento é de transição. Quando os números que indicam o real consumo/vendagem dos veículos impressos se estabilizarem, o perfil dos jornais e das revistas vai ficar mais claro, melhor definido. E, parece-me, pendendo à reflexão, que é aquilo que esses veículos podem oferecer de melhor.

• Discutir “comércio versus arte” ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Talvez não com o "versus". É fato que um país tão plural como o Brasil, botando no seu mercado interno cerca de cem longas-metragens por ano, vai se destacar pela pluralidade. Há espaço para a pesquisa de linguagem e há espaço para os produtos que visam ao consumo mais amplo neste mercado. Ambos têm de conviver harmonicamente, e a crítica precisa entender isso na hora de exercitar a reflexão sobre esses produtos: não dá para escrever sobre Chico Xavier tendo como parâmetro Pan-Cinema Permanente. Mas dá para ser competente fazendo as duas coisas. É por isso que o fundamental, na crítica, é entender a natureza do projeto e as intenções de seus realizadores.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Com otimismo sob certo aspecto, e com pessimismo por outro lado. Com otimismo pelo surgimento de ideias muito interessantes das novíssimas gerações, que incorporam referências contemporâneas e buscam o avanço da linguagem num sentido até então inexplorado no país. Com pessimismo porque, apesar da oxigenação que essas gerações estão trazendo, grande parte da produção nacional segue atrelada aos mesmos vícios há muitos anos: há filmes muito caros que não são vistos por ninguém, há filmes claramente "de mercado" que não são sustentados pelo mercado e sim pelo dinheiro público (que deveria ser, prioritariamente, destinado aos projetos que priorizam a pesquisa de linguagem), há filmes que pedem um set mais enxuto e equipamentos portáteis mas dependem da parafernália das grandes produções em 35mm simplesmente pelo apego de seus autores aos velhos sistemas de produção, há filmes com ideias inventivas e às vezes inovadoras que no entanto patinam e não conseguem sair do papel devido à má formação técnica de sua equipe (em todas as pontas, do roteiro à finalização) etc. Em outras palavras, há motivo para festejar, mas deveria haver mais.


Publicado originalmente no Papo de Cinema