Marco-zero da nouvelle vague francesa, NAS GARRAS DO
VÍCIO mostra um jovem que volta à cidade interiorana onde cresceu, a fim de
recuperar-se de uma doença que quase o matou. Lá ele encontra um espaço parado
no tempo, em que a arquitetura não mudou tanto, diferentemente das pessoas de
seu passado, que agora são outras, não raro oprimidas pelas dificuldades que o
isolamento e a falta de perspectiva impõem. O diretor Claude Chabrol filma esse
regresso amargo com liberdade para tocar em temas-tabu, tais como o incesto. O
protagonista se ressente de não poder fazer muito por seu amigo de infância, um
sujeito infeliz que trata mal a esposa grávida, vive bêbado e flerta com a
cunhada mais nova. Serge é extremamente autodestrutivo, um homem ressentido
pelas oportunidades que a vida lhe negou, por ter criado raízes num local em
que seus sonhos de crescimento não encontram ressonância nem possibilidade. Os
personagens, bem como as relações que os unem, são construídos de maneira
orgânica, sobretudo no que tange aos sentimentos e contradições, combinando,
assim, com o despojamento e o frescor apregoados pela encenação.
ORAÇÃO DO AMOR SELVAGEM, do
cineasta catarinense Chico Faganello, é um filme repleto de pequenos problemas,
como na primeira parte, em que o protagonista, interpretado com muita
competência por Chico Diaz, perde a esposa e passa um período numa comunidade
pautada pela religiosidade. Contudo, a trama que enfoca contendas motivadas
pela intolerância religiosa e os ótimos desempenhos do elenco garantem o saldo
positivo. Enredado pela irmã do pastor vivido por Ivo Müller, Thiago precisa
lutar contra um entorno que lhe vê com olhos desconfiados. A comunidade é
arredia ao diferente, a quem não frequenta a missa e reza pela cartilha do
homem que brada sermões e invoca Deus, muitas vezes, para cobrir as próprias
falhas. A filha de Thiago é um emblema de pureza nesse entorno degradado,
tacanho e com mentalidade enferrujada. Embora os homens sejam aparentemente
mandatários, são as mulheres que definem as coisas. O desejo paira no ar,
principalmente o do pastor pela própria irmã, ou mesmo o dela pelo forasteiro.
Fosse um pouco menos pudico no que diz respeito às cenas mais quentes,
Faganello poderia ter potencializado o sexo enquanto elemento de combustão daquele
lugar. Ainda assim, um filme com muito a dizer, que não se furta, inclusive, de
um final muito bonito, em que a poesia é precedida da barbárie, da violência
extrema.
Considerado o primeiro
longa-metragem norte-americano, O CASAMENTO DE CARLITOS não é protagonizado
pelo personagem icônico de Charles Chaplin, o vagabundo de chapéu-coco, mas pelo
pilantra que se envolve com uma menina do campo a fim de ficar com o dinheiro
do pai. A atriz Marie Dressler é o grande destaque do filme, interpretando essa
interiorana atrapalhada e corpulenta que, depois de ser passada para trás, se
vê trabalhando como garçonete para, mais tarde, tornar-se a única herdeira do
tio que sofre um acidente praticando montanhismo. Embora dividido em seis
capítulos, o longa dirigido por Mack Sennett, chefão da Keystone, não soa
episódico, como se fosse um apanhando de curtas-metragens enfileirados para dar
conta da duração maior. Se em boa parte da trama temos a dinâmica triangular
entre Carlitos, a herdeira e sua mulher anterior (que também espera lucrar
alguma coisa em virtude da ingenuidade alheia), a parte final exibe as principais
características das produções da Keystone, como ação tresloucada, os
Keystone Cops mais atrapalhando que ajudando e as coisas se resolvendo no
âmbito da gag.
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