domingo, 31 de maio de 2015

TOP5 - Filmes que deveriam ser protagonizados por Bill Murray

Coluna TOP5 voltando à ativa. Nesta edição, Julie Nunes lista cinco filmes que deveriam ser protagonizados por Bill Murray. Por indicação dela, no fim, um teaser do especial de Natal que será lançado pelo Netflix, protagonizado por Murray com direção de Sofia Coppola
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1-Matadores de Velhinhas (Ethan Coen e Joel Coen, 2004)
Quem acompanhava a trajetória dos irmãos Coen nessa época, ou mesmo quem veio a assistir sua filmografia depois, sabe que a expectativa sobre um novo grande sucesso era imensa e que Matadores de Velhinhas não chegou nem perto de ser. Claro, não dá para culpar somente o elenco, mas Tom Hanks de fato não se encaixava no universo dos irmãos e nesse caso: Who you gonna call? BILL MURRAY!


2-Embriagado de Amor (Paul Thomas Anderson, 2002)
Adam Sandler não estragou o filme e eu não sou uma das pessoas que o detestam, mas, temos de convir: Bill Murray no papel de um sujeito com graves problemas de relacionamento incapacitado de amar e que, no momento em que consegue finalmente abrir seu coração e ir ao encontro de sua amada, passa a ser perseguido por uma quadrilha? Ia ser um clássico eterno e absoluto. E quem ousar mencionar “mas ele está muito velho para isso” eu faço assistir  Encontros e Desencontros em looping até chorar.

3-Scoop (Woody Allen, 2006)
Primeiro vale ressaltar que Bill Murray poderia ter feito qualquer, e eu digo outra vez, QUALQUER filme de Woody Allen e seria uma escolha entre perfeita e digna. Já Hugh Jackman – e a esse preciso admitir certa perseguição – eu tenho minhas dúvidas em QUALQUER filme. Bill Murray é naturalmente um melhor e mais divertido Woody Allen que o próprio!
P.S: E lá vai seu casting cometer mais uma estranha escalação. Amo Joaquin Phoenix, mas, gente, o nome certo que vocês tanto procuram é BILL MURRAY.


4-Não Estou Lá (Todd Haynes, 2007)
Me refiro ao Bob Dylan de Richard Gere, que não me passou nem um tiquinho de Dylan. Faltou um tempero em sua interpretação, algo que, graças ao resto do elenco- fantástico, passou meio difuso. Bill Murray carrega em si um interessante lado não cômico que devia ser mais explorado e para seu olhar naturalmente melancólico ia acrescentar muito a poesia musical que é Bob Dylan.


5-O Lobo de Wall Street (Martin Scorsese, 2013)
Não acho que Leonardo Di Caprio tenha feito um trabalho ruim, muito pelo contrário, mas aqui o caso é acreditar que faltem filmes que trabalhem intensamente a seriedade e o sarcasmo dosando tão bem - quanto esse maravilhoso trabalho do Scorsese - na filmografia de Bill Murray. Um sorriso irônico e Bill Murray na cena na qual o personagem Jordan Belfort não consegue entrar em seu carro bastariam para elevar o filme ao nível de Bons Companheiros (Scorsese,1990).


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domingo, 24 de maio de 2015

CINEMA A DOIS | RICARDO DARÍN – XXY (2007)


Com atuações contundentes que, aos poucos, vão revelando o segredo dos personagens, XXY acerta em cheio, a meu ver, na forma como trata um tema tão delicado e ainda obscuro, até mesmo para os pesquisadores da área. No entanto, muito mais que a síndrome de Klinefelter, a mutação genética da protagonista Alex, o filme coloca em pauta, de maneira profunda, questões biológicas, sociais e culturais, fazendo-nos refletir sobre os rótulos, sobre a relação de pais e filhos e a descoberta da sexualidade em diversas esferas, não só a respeito da decisão de Alex de tomar ou não hormônios para seguir sem características masculinas.

A história prossegue tendo como pano de fundo o romance entre Alex e um adolescente. Ele se apaixona, vivendo um grande conflito primordialmente por não aceitar seu desejo. Por isso, precisa enfrentar os próprios dilemas existenciais. Alex, por sua vez, coloca-o frente às suas maiores questões, com a identidade sexual, sobretudo. Em todos os núcleos podemos observar histórias de amor: entre os casais, dos mesmos para com seus filhos, entre os amigos, entre Alex e o menino. Como se o amor e suas vicissitudes, também pela vida e por suas relações, motivassem essas tramas muitas vezes dramáticas, tensas, mas carregadas de paixão, de vontade de viver.

Creio ter sido de extrema importância para a sociedade, para os interessados, pesquisadores, biólogos, médicos, psicólogos, pacientes, etc, a criação de XXY, praticamente uma intervenção de Lucia Puenzo. No entanto, ressalto aqui o conteúdo dramático, com ótima direção e atuações. Excelente filme!
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Alex se comporta muitas vezes como um animal acuado, arisco ao contato estranho. Também pudera, pois carrega consigo os dois sexos. Ela toma corticoides para que a barba não cresça, para que seu corpo mantenha características femininas, embora tenha um pênis. Como interagir com os demais sem uma identidade de gênero definida? A protagonista de XXY vai se relacionar com um garoto forasteiro. Nesse ponto, a diretora Lucia Puenzo evidencia a dificuldade de enquadrar comportamentos de acordo com o que se espera de um homem e de uma mulher. O pai de Alex, interpretado por Ricardo Darín, é talvez o mais sensível ao drama da filha, aquele que tenta, a todo custo, compreendê-la e defendê-la dos males do entorno.

XXY coloca na mesa a complexidade da definição de gêneros, do que significam o masculino e o feminino, sobretudo quando ambos convivem tempestuosamente num mesmo corpo. O foco vai se estreitando cada vez mais em Alex e seu pai, deixando os demais personagens num segundo plano quase decorativo, exceção feita ao garoto que se apaixona por Alex a despeito dos próprios pré-conceitos. Darín compõe um homem fracionado entre a dúvida (como ajudar a filha, como encaminhá-la à vida adulta?) e a convicção de que ela precisa seguir o caminho que melhor lhe convir. Darín, aliás, é responsável por uma das sequências mais bonitas, na qual diz ter negado a operação da filha logo após seu nascimento, por considera-la perfeita, absolutamente perfeita. 


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Doses Homeopáticas #43


Difícil conter a emoção em alguns momentos de A FAMÍLIA BÉLIER. O filme de Eric Lartigau é uma comédia dramática que não cai no pastelão e nem se entrega à solenidade. A protagonista é uma menina nascida no seio de uma família com deficiência auditiva. Ela é a única que escuta e fala, servindo, por isso mesmo, como facilitadora entre os seus e a maioria. Mas chega o momento de crescer, de vislumbrar perspectivas em virtude de um talento vocal, o que é no mínimo irônico para sua situação. Lartigau investe nas ligações familiares, expondo contradições, ressentimentos, questões que afligem particularmente cada um. Os pais não têm medo “perder” a filha para a Paris das oportunidades, mas temem a solidão, num egoísmo assumido. A menina, por sua vez, precisa sair do ninho para encontrar a própria identidade. Duas cenas específicas mostram a qualidade do filme: o dueto abafado pela experiência dos não ouvintes e certa apresentação, mais para o final, mediante a qual as lágrimas vêm fáceis, instigadas pela expressão da ruptura que antecede a vida adulta. 


O israelense VIRE À ESQUERDA NO FIM DO MUNDO soa tortuoso no começo. Diversos grupos de ascendência judia convivem num pequeno povoado multinacional. Trabalhadores, eles precisam pegar no pesado, lutando por uma vida melhor. O viés meio esquemático inicial vai dando lugar a observações mais sutis. As protagonistas são duas meninas, uma filha de família indiana, outra de linhagem francesa. Descoberta sexual, frustrações, amadurecimento, tudo se insere no cotidiano delas que precisam, ainda, lidar com diferenças culturais. Mesmo que encenação às vezes não dê conta de expressar convincentemente os sentimentos e as situações, o filme sai-se relativamente bem no que diz respeito a delinear o percurso das meninas que descobrem no outro a pluralidade necessária à suas evoluções particulares. Situações em tese tabu, como o beijo entre elas ou o sexo entre aluna e professor, não são alardeadas em demasia, vistas, assim, como parte orgânica do processo de tatear o mundo novo. Um filme peculiar que conquista aos poucos.


Rogério Sganzela foi um dos nossos cineastas mais libertários. Dentro de sua filmografia, COPACABANA MON AMOUR expressa como poucos essa necessidade de emancipar o cinema das convenções, de quebrar fluxos temporais e narrativos em busca de sensações menos condicionadas pela progressão tradicional. A loira Sonia Silk perambula pelo Rio de Janeiro, da favela à Copacabana, acompanhada de perto por uma câmera trepidante que registra seu vazio, a necessidade de vez ou outra bradar contra as instituições e as expectativas. Seu irmão, fantasma terceiro-mundista que canta o amor pelo patrão e a dependência ontológica da classe mais favorecida, a segue falando a língua dos orixás. A cronologia é fragmentada, talvez para que não fiquemos por demais reféns do tempo que, assim, transcorre desordenado. A trilha sonora de Gilberto Gil, as tomadas que contrapõem a opulência turística do asfalto e a pobreza do morro, as incorporações dos personagens pelos intérpretes, tudo isso faz do filme um prato cheio a quem busca uma experiência única, fruto de inquietações que se apropriam do cinema para emergir enquanto lamento e, sobretudo, grito de alforria.    

terça-feira, 12 de maio de 2015

Vidas ao Vento


O pequeno Jiro alimenta desde cedo o sonho de trabalhar com aviação. Por ser míope, não pode pilotar, mas seu destino parece mesmo muito mais ligado à criação, ao ato de dar vida à imaginação. Seu ídolo é um designer italiano de aeronaves que surge como guia nos sonhos, inspiração na ordem do onírico para que ele realize na ordem do real esse desejo. O crescimento lhe fará dar de cara com um Japão fragilizado pela situação econômica complicada, assolado frequentemente por catástrofes naturais, como terremotos, por exemplo. A criação de aviões, seu querer infantil, se torna realidade, mas ao invés de planejar instrumentos de lazer, de alimentar esse fascínio humano pelo voo como instante de libertação e transcendência, ele desenhará instrumentos de guerra. 

Vidas ao Vento (2013) é o mais recente filme do gênio Hayao Miyazaki, e, segundo o próprio, seu último. Num cenário em que impera certa tirania do CG, das construções visuais feitas a partir da frieza das máquinas, é bonito o trabalho do estúdio de Miyazaki, o famoso Ghibli, que se vale de determinados processos e instrumentos “antigos”, tais como o desenho à mão, para nos oferecer uma espécie de resistência estética e ideológica. Jiro, o protagonista dessa animação, vive o momento complicado anterior à Segunda Guerra Mundial, aliás, episódio este do qual a Terra do Sol Nascente sairia ainda mais devastada. As ambições criativas do garoto que sempre sonhou com um céu repleto de aviões esbarram nas dificuldades do país que tem pouco a oferecer aos seus em matéria de desenvolvimento, enquanto potências como a Alemanha deslancham do ponto de vista social e, infelizmente, bélico.

Eis que o garoto cheio de pretensões, um estudioso que cativa a todos no trabalho pela seriedade e paixão, reencontra uma mulher do passado e descobre o amor, incluindo ele entre suas prioridades. Miyazaki reafirma com Vidas ao Vento uma fé no humano, na capacidade que todos em tese teríamos de superar adversidades se voltados uns aos outros. O quesito técnico da animação é impressionante, aliás, como em todas as realizações desse artista comparado no oriente a Walt Disney. Tudo no quadro é orgânico, pois tem vida, se move. A trama envereda diversas vezes para um lado mais emocional, pois voltada aos projetos pessoais e dificuldades dos personagens, ainda que espelhe neles, vez ou outra, o próprio desenvolvimento da nação japonesa.

Embora seja muito bonito, Vidas ao Vento está aquém de algumas das obras mais celebradas de Miyazaki. Com a entrada definitiva de Naoko na vida de Jiro, o filme passa a flertar com um sentimentalismo que, ainda justificado, às vezes soa excessivo. A duração longa, 126 minutos, se deixa sentir, sobretudo a partir dessa guinada, quando o filme vacila entre a determinação profissional do jovem que, de alguma maneira, representa a tenacidade de um povo, e a nova disposição de abraçar plenamente o amor. Ainda assim, num cenário tomado por fórmulas e outros convencionalismos, é algo genuíno.         


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Doses Homeopáticas #42


Perto de completar 30 anos, DE VOLTA PARA O FUTURO felizmente continua o mesmo, o que nos mostra, entre outras coisas, como a qualidade do cinema norte-americano de entretenimento caiu de lá para cá. Tudo funciona na aventura de Marty Mcfly, garoto descolado que volta ao passado por conta de um acidente, tendo de remediar a situação cabeluda que coloca em jogo sua própria existência, além de descobrir como regressar. A gente tá careca de saber tudo que vai acontecer, mas, mesmo assim, fica apreensivo para ver se Marty conseguirá o improvável, ou seja, juntar os pais e atingir o raio da torre do relógio. O filme de Robert Zemeckis é tão bom de ver, ainda melhor em tela grande (como geralmente é, afinal cinema é cinema), que não se sentem suas quase duas horas de duração. Mal começa e já termina. Sinal, neste caso, de que a diversão proporcionada é das melhores, daquele tipo que o cinema ianque dos anos 1980 e 1990 era especialista. Não à toa, o DeLorean turbinado de plutônio é parte da memória afetiva de toda uma geração.


Confesso que esperava pouca coisa de KINGSMAN: SERVIÇO SECRETO. Os trailers não davam conta do quão divertido e esperto é o mais novo filme de Matthew Vaughn, ele que transporta a violência gráfica de Kick-Ass para o mundo dos espiões. As homenagens aos filmes de antigamente da série James Bond não poderiam ser mais escrachadas, pois, inclusive, verbalizadas por alguns personagens. A ameaça global, o vilão esdrúxulo, o agente secreto de terno impecável, as traquitanas (guarda-chuvas blindados, canetas com veneno, etc.), tudo busca fugir um pouco da seriedade contemporânea, dos Bournes e mesmo dos Bonds do século XXI. A ação, altamente improvável, possui efeitos ora cômicos, ora dramáticos, quando não uma soma bem afinada de ambos. Cabeças explodem, uma igreja vira palco para matança indiscriminada, e no meio disso o jovem desajustado que terá a chance de salvar o dia. O segredo aqui é acionar a suspensão de nossa descrença, o que o filme faz muito bem, já que todo absurdo faz sentido no mundo criado cinematograficamente por Vaughn, outra vez, com base num quadrinho de Mark Millar. Grata surpresa.


Só de ter filmado um western, gênero que sobrevive na atualidade em virtude de ocorrências muito esparsas, Tommy Lee Jones já merece elogios. DÍVIDA DE HONRA pode não ser um grande filme, talvez boa parte porque tenha dificuldades de relacionar os dramas com o entorno social, com a paisagem, como bem faziam os mestres de antigamente. Contudo, é muito forte a história da diligência que precisa levar mulheres psicologicamente abaladas (naquela época, consideradas loucas) para longe de suas famílias. Uma perdeu os filhos para a difteria, a outra jogou seu recém-nascido na latrina, e a terceira perdeu o juízo por causa dos constantes abusos do marido que a queria engravidar a todo curso. Hillary Swank interpreta uma solteirona que toma para si a missão. Já Tommy Lee Jones, além de diretor, se encarrega de dar vida a seu companheiro de jornada, um cara que demonstra sensibilidade e brios à medida que a viagem vai ficando mais e mais complicada. O oeste selvagem se encarrega de diminuir as esperanças. O filme foi praticamente despejado no circuito, em poucos horários e salas. Não é uma grande realização, mas certamente merecia um pouco mais de atenção.

domingo, 3 de maio de 2015

CINEMA A DOIS | RICARDO DARÍN – Kamchatka (2002)


O universo de Kamchatka é retratado com sensibilidade e humanidade num contexto político. Uma história que fala de amor, de laços afetivos num cenário bélico, de tensão e angústia na Argentina da década de 1970. Harry, o garoto, filho do casal que precisa fugir da ditadura, se vê praticamente sem saída e elege uma alternativa bastante interessante: jogar com seu pai todas as noites. O jogo explica um pouco do enredo, se tornando recurso lúdico que faz do filme mais inteligente e sagaz. Se acrescermos isso ao fato do menino praticamente conduzir a narrativa, a potência do expediente aumenta.

Os atores principais do elenco (Ricardo Darín e Cecilia Roth) unem forças para desempenhar conjuntamente muito bem seus papéis, mesmo que estes estejam longe de ser os mais importantes de suas respectivas carreiras. Já o menino que interpreta Harry atua de maneira promissora. Existe um engajamento poderoso na forma como eles agem, passando sempre a ideia da família nuclear enquanto importante e mantenedora, preservando todo sentimento, cultivando-o dia a dia, no meio de uma guerra que estoura lá fora. Excelente filme.
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Em Kamchatka, Ricardo Darín é um pai que, como tantos contrários à ditadura militar instaurada na Argentina, se isolou com sua família para evitar perseguição e morte. O mais importante no filme de Marcelo Piñeyro é a experiência infantil, a inocência dos filhos sendo confrontada pela barbárie de um regime que torturou e fez desaparecer. A repressão não precisa ser vista por meio da violência física, pois presente, de maneira ainda mais contundente, em cada momento de tensão, nas entradas e saídas às escondidas, no treinamento das crianças para eventuais emergências, na necessidade de ensinar a eles novos nomes, novas vidas, de privá-los do contato com os amigos.  

O mais velho se agarra nas peripécias de Houdini, o escapista. O mais novo sonha em ser santo. Ricardo Darín e Cecilia Roth interpretam os pais tidos como subversivos, que precisam salvar as próprias peles e ainda proteger os filhos dos perigos que os rondam. O narrador-protagonista lembra com carinho das partidas em que Kamchatka era o território onde se podia resistir, metáfora para o esforço de muitos que resolveram não cruzar os braços frente aos desmandos militares. Não só a Argentina, mas, infelizmente, boa parte da América latina viveu sob o jugo ditatorial em algum momento. Filmes como Kamchatka são imprescindíveis, pois nos dão a dimensão do que de humano se perdeu nos nefastos anos de chumbo.