segunda-feira, 29 de abril de 2013

Afinal, onde está a literatura?


Depois de longo tempo longe das páginas eletrônicas aqui do blog, aqui estou. Na verdade, nunca mantive distância do espaço, já que acompanhava fielmente as postagens de meus companheiros, Conrado e Marcelo. Todavia, está mais do que na hora de tomar partido e utilizar este espaço para expressar minhas opiniões, debater, exercitar a escrita, compartilhar impressões, etc. Findo nesta linha meu desabafo [risos].

Vamos ao que interessa. Quando li as primeiras notícias sobre os leitores digitais, os e-readers, torci o nariz. Indignado, não conseguia entender o sacrilégio cometido. Tirar o livro do papel é equiparável a privar um animal de seu habitat natural! Pois bem, nunca diga nunca. Há pouco menos de dois meses, adquiri meu Kindle, o famigerado e-reader da Amazon. Comprei a versão mais simples, aquela que sai por 300 mangos. Mesmo vendo muita crítica negativa a respeito da sua leitura de arquivos na extensão PDF, corri atrás dessa alternativa para frear a necessidade semanal de impressões acadêmicas.

Não me arrependo. Nem um pouco. Realmente, depende da formatação do arquivo em PDF, a leitura fica bem prejudicada, embora a maioria das experiências até agora sejam positivas. Quanto aos arquivos próprios ao Kindle, nada a reclamar. O dicionário em português mostra-se de cara como uma das principais atrações, agilizando sensivelmente o acesso ao significado de palavras até então desconhecidas.

Devo confessar que logo surgiu uma dúvida existencial no Rafael Leitor: livros tradicionais VERSUS livros digitais, quem leva a melhor? Respirei fundo, organizei as ideias, controlei os batimentos que atestavam apreensão e obtive resposta. Prefiro – e acredito na permanência de tal sentença, a versão tradicional, de tinta sobre o papel. Nada se compara a pegar a “entidade-livro” na mão, sentir sua textura, o trabalho caprichado da edição. Certo, mas voltando ao embate. Quem ganha? O leitor. Temos de parar com essa grande bobagem, porque um não exclui o outro. Em comparação, ambos têm pontos vantajosos em relação ao outro. Então, proponho convívio pacífico. No final das contas, importa mesmo o conteúdo, não a forma.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Algo sobre A Caça


Se no filme dinamarquês A Caça o protagonista interpretado por Mads Mikkelsen, acusado de pedofilia, fosse menos passivo e partisse de fato para a própria defesa (utilizando, inclusive, métodos ao alcance de qualquer educador), as coisas se complicariam pro lado do diretor de Thomas Vinterberg. Tudo ganharia nova perspectiva. Mais atitude do professor acuado traria consigo uma série de outras responsabilidades com a verossimilhança que respingariam no roteiro e na conduta dos coadjuvantes. 

Assim como ficou, A Caça é interessante até o ponto em que apresenta sua tese (por si, polêmica), mas se esvazia quanto mais percebemos a fragilidade dramática disfarçada de algo profundo.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Diário de uma Busca


O jornalista Celso Afonso Gay de Castro morreu aos 41 anos, na cidade de Porto Alegre, em ocasião controversa de grande repercussão na mídia da época. Ele teria ingressado junto com um amigo no apartamento do alemão Rudolf Goldbeck, ex-cônsul do Paraguai, e falecido por lá mesmo, em suicídio motivado pela impossibilidade de escapar. Há várias versões, entre elas a que sustenta Celso investigando atividades nazistas no Rio Grande do Sul e Goldbeck como ex-oficial da Gestapo. De qualquer forma o episódio foi traumático e motivou Flávia, filha de Celso, a investir num documentário que resgatasse a figura do pai, para além da projeção insistente após sua morte.

Em Diário de uma Busca é forte esse senso de arqueologia sentimental, com vistas à retomada da figura paterna que feneceu depois de anos militando à esquerda contra a ditadura militar instaurada no Brasil. De pouco em pouco, tal ouvinte atenta dos depoimentos que reconstroem seu pai no plano memorial, Flávia vai também perscrutando os anos de chumbo cuja herança é marca indelével na história brasileira. Ao passo que recria trajetos, primeiro o dos pais e depois o próprio, ela, conscientemente ou não, se faz signatária de toda uma geração nascida e crescida em meio a tempos turbulentos, dias incertos e futuro ainda mais duvidoso.

Cronologicamente reto, exceção feita a alguns desencaixes de tempo necessários para estabelecer certas ligações contextuais, Diário de uma Busca consegue ser extremamente pessoal e familiar, ainda quando aberto às instâncias gerais da situação brasileira de outrora, cujos reflexos se fazem notar nos dias de hoje. A câmera examina documentos, fotos, cartas, e mesmo os interlocutores, com carinho de filha saudosa. O trajeto de Flávia é visivelmente doloroso, afinal de contas, mais que desvendar um crime, ela quer trazer à tona o pai, o passado engajado da família e a luta travada contra sistemas opressores. Nele, por bem, não cai na hagiografia, nem mesmo parece tentada a mitificar Celso e camaradas, inclusive sua mãe.

No Brasil temos experimentado grande profusão de documentários e como em toda aglomeração há bons e ruins, uns relevantes e outros nem tanto. Nesse cenário, o filme de Flávia Castro se destaca justamente por aliar correntes geralmente incapazes de habitar o mesmo projeto: pessoalidade e abrangência. É claro, o tema escolhido clama pelo imbricamento, mas, é bom lembrar, nem sempre talento e oportunidade se amalgamam com facilidade. Felizmente, em Diário de uma Busca há discernimento suficiente para fazer caminharem juntas a busca (conteúdo) e a forma (linguagem), na estrada que leva Flávia de volta ao pai e nós ao encontro do passado que não temos o direito de esquecer. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Na Rua da Revolução


Os Wheelers, residentes no número 115 da Revolutionary Road, representam verdadeiro modelo de felicidade aos próximos. Entretanto, sob a superfície, são jovens arrastados por uma existência a dois esquemática e pré-programada: filhos, casa impecável, insatisfação no emprego, etc. Todos querem ser os Wheelers, menos os próprios, tanto que eles decidem radicalizar com uma mudança à Paris, onde ela, April, trabalharia com polpudos rendimentos  a fim de proporcionar a ele, Frank, tempo e disposição na busca de seu ideal. Tudo para mudar de vida e vitamina-la com algo que lhe restitua o sentido. Os planos não duram muito, pois logo a gravidez não programada e a possibilidade de aterrar-se mais no ofício ainda chato, porém de vantajosos ganhos financeiros, serão elementos suficientes para servir de desculpa.

Ironia ou não, o único inteiramente lúcido e sincero a respeito dos Wheelers é John, paciente psiquiátrico filho da corretora do casal. Alheio às convenções sociais que fazem os demais posicionarem opiniões como num tabuleiro de xadrez, ele profere leituras certeiras tanto acerca da necessidade de Frank mostra-se homem (provedor) quanto sobre a histeria típica de April. John vê e fala enquanto os outros veem e calam.

Foi Apenas um Sonho, dirigido por Sam Mendes, não por acaso se passa nos anos 50, bem no auge propagandístico do american way of life como modelo infalível de plena realização pessoal e familiar. Frank e April poderiam bem ser avós de Lester e Carolyn, figuras igualmente signatárias da hipocrisia institucionalizada, noutro excelente longa de Mendes, Beleza Americana. Em Foi Apenas um Sonho, todavia, a linguagem é mais sóbria e aplicada na tarefa de extrair paulatinamente a verdade dos personagens.

Foi Apenas um Sonho está longe de propor uma mensagem vertical sobre relacionamentos. Frank e April não transportam uma tese, são seres pulsantes e contraditórios, ao mesmo tempo algozes e reféns das vicissitudes e da covardia que, volta e meia, acometem a todos. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Quem sou eu para falar?


Difícil sentir-se confortável e totalmente livre para opinar num mundo em que alguns julgamentos são (às vezes de maneira cega) supervalorizados em detrimento de outros tantos. Se o grande estudioso X falou, transgrediu algum pensamento vigente, tudo bem, mas eu? Quem sou eu? 

Das coisas de cinema que eu acredito: mesmo genial, Godard é um saco às vezes; Curtindo a Vida Adoidado é obrigatório; o cinema independente americano está tão estigmatizado quanto o cinemão hollywoodiano; o brasileiro ainda carece de humildade, quer flertar com novas formas de linguagem mas não domina muitos dos aspectos básicos da linguagem; Isabelle Huppert é excelente, mas não está sendo escalada quase sempre para papeis de determinado fenótipo dramático?; um filme é só um filme e seu verdadeiro valor está nas múltiplas relações estabelecidas entre ele e os públicos; cinéfilos não raro são empolados que adoram “cuspir” sua erudição nos demais, reduzindo a população que não gosta de Godard (entre outros) à escória sem cultura da humanidade.

sábado, 13 de abril de 2013

A Banda


Há alguns filmes de força interna quase inexplicável. Não necessariamente sejam os melhores, entretanto é provável que guardemos justo esses nos recônditos da percepção como alimento da paixão pelo cinema. Duro é tentar exprimir textualmente sensações emanadas da tela direto aos nossos sentidos. Iluminar um plano, dissecar a construção narrativa, nada disso parece dar conta de determinadas sessões. Papel ingrato do crítico, o de tentar racionalizar sempre.

A Banda possui esse mistério das boas obras. Nele, certa banda militar egípcia chega ao território israelense para a inauguração de um centro cultural árabe.  Burocracias e outros contratempos fazem a trupe chefiada pelo coronel Tawfiq ficar à deriva numa pequena localidade erma, onde são acolhidos na presença da solar Dina, dona de modesto restaurante. Aqui e acolá surgem algumas animosidades, sobretudo no início entre o experiente líder e o jovem Haled, para temperar esta narrativa em que olhares estudiosos e gestos plácidos constroem de maneira lenta o drama muito longe do choroso e mais distante ainda do empedernido.

Sim, há nas entrelinhas de A Banda, ou na camada logo abaixo da superfície, claro comentário político, afinal de contas o grupo é formado por árabes em território historicamente hostil ao seu povo. O diretor Eran Kolirin, porém, toma todas as precauções para seu filme não carregar o ranço dos conflitos milenares, evitando assim panfletos ou discursos inflamados. Ele prefere lançar luz sobre o sofrimento represado de Tawfiq, contrapondo-o à conduta de Dina para evidenciar diferenças, sem gritarias ou imposições. Conta para isso com as interpretações milimétricas de Ronit Elkabetz e Sasson Gabai, atores que parecem doar suas próprias vísceras aos personagens.

As tentativas de Dina, propensa a conquistar o militar de semblante cansado, aproximam dois mundos aparentemente opostos, ainda que entre eles resista barreira difícil de transpor. Nesse tocante, o jovem Haled surge como o duplo de Tawfiq, avatar da geração que pode renovar questões ainda que não bem resolvidas e aproximar pessoas. Saciar o desejo sexual de Dina é assumir as responsabilidades que escapam daqueles já curtidos pelo tempo e os vícios da tradição. É ato de aparência banal, mas de simbologia importante.

A Banda se passa num dia, mas parece guardar em si a experiência de meses. A belíssima cena na qual Haled ensina com gestos um jovem israelense a amar é tão rica que por si valeria a audiência, só encontrando paralelo noutra, a da epifania melódica num simples brinquedo de criança. Trocas entre rivais, câmbios puros em meio a intolerância enraizada, de repente é isso que faz de A Banda tão tocante.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Celeste e Jesse Para Sempre

Casais ideais e sem problemas já não vendem mais como antigamente. O ‘felizes para sempre’ ainda interessa a uma grande parcela de espectadores do cinema contemporâneo, mas duplas desafortunadas já estão na moda há algum tempo. Estão aí para provar tal tese os protagonistas das desventuras românticas Separados Pelo Casamento (2006), (500) Dias Com Ela (2009) e até mesmo de O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997). Celeste e Jesse Para Sempre (2011) pertence à mesma categoria e pode decepcionar quem procura o tradicional ‘água com açúcar’ do gênero. 

Logo na abertura somos apresentados para Celeste e Jesse, que cantam juntos Littlest Things, de Lily Allen. Alguém mais atento ou que conheça previamente o argumento do filme pode apontar que, pelo tom da música e sua letra (que diz “dreams, dreams, of when we had just started things”), os dois não estão mais juntos. Na sequência, um jantar tão desconfortável quanto engraçado com amigos que não aceitam a proximidade dos ex-namorados confirma isso. Com tal mote, Celeste e Jesse Para Sempre propõe subverter um gênero já bastante explorado ao introduzir um casal que não pode mais ser caracterizado de tal forma em seu sentido romântico-tradicional. 

Rashida Jones, filha do ilustre Quincy Jones e mais conhecida no Brasil por seu papel na série televisiva The Office (2006-2011), escreveu o roteiro a quatro mãos com o também ator Will McCormack e se presenteou com o papel principal. Andy Samberg, que deixou o Saturday Night Live para se dedicar ao cinema, interpreta Jesse com uma casualidade interessante. A inesperada dupla funciona com uma boa química, que denota uma amizade e empatia muito grande entre os intérpretes que antecede este projeto – ou ambos atuam excepcionalmente bem. Os atores não fazem o tipo característico das comédias românticas estadunidenses, com pessoas incrivelmente lindas e pouco críveis enquanto seres humanos. Aqui é justamente a humanidade dos personagens que facilita a empatia com os mesmos. 


Com um bom feeling para a comédia de situações, Jones e McCormack descuidam apenas do segundo ato do longa, que se torna episódico e próximo ao ritmo de uma sitcom. A trama dedica um espaço excessivo à protagonista feminina, o que é justificado quando sabemos que a atriz principal é a roteirista do mesmo. Ainda que possua momentos hilariantes, a narrativa desenvolve uma resolução lenta repleta de personagens secundários sem quaisquer importância, interpretados por atores que mal parecem saber o que estão fazendo. Elijah Wood faz o amigo gay, Will McCormack é o fornecedor de maconha, Emma Roberts simula uma popstar (obviamente inspirada na cantora Kesha) e o novo coadjuvante onipresente de Hollywood Chris Messina, que recentemente apareceu em Ruby Sparks: A Namorada Perfeita (2012) e Argo (2012), faz o outro interesse amoroso de Celeste, que só aparece quando é convencional para o andamento da história. 

Lee Toland Krieger, que tem no currículo o belo e pouco conhecido The Vicious Kind (2009), faz o que pode com o material que tem em mãos, mas custa a tirar o filme do que já se tornou convencional nas comédias indies norte-americanas. O diretor acerta mesmo na condução de seus protagonistas, assim como no tom naturalista e próximo com que os fotografa. Ainda que não seja uma pérola de originalidade e graça, Celeste e Jesse Para Sempre tem seus momentos e faz valer sua hora-e-meia de duração, principalmente por analisar a pouco costumeira amizade entre ex-namorados. Um pouco mais de maturação e experiência para seus roteiristas, no entanto, poderiam torná-lo imperdível.



Publicado originalmente no Papo de Cinema.