sábado, 13 de abril de 2013

A Banda


Há alguns filmes de força interna quase inexplicável. Não necessariamente sejam os melhores, entretanto é provável que guardemos justo esses nos recônditos da percepção como alimento da paixão pelo cinema. Duro é tentar exprimir textualmente sensações emanadas da tela direto aos nossos sentidos. Iluminar um plano, dissecar a construção narrativa, nada disso parece dar conta de determinadas sessões. Papel ingrato do crítico, o de tentar racionalizar sempre.

A Banda possui esse mistério das boas obras. Nele, certa banda militar egípcia chega ao território israelense para a inauguração de um centro cultural árabe.  Burocracias e outros contratempos fazem a trupe chefiada pelo coronel Tawfiq ficar à deriva numa pequena localidade erma, onde são acolhidos na presença da solar Dina, dona de modesto restaurante. Aqui e acolá surgem algumas animosidades, sobretudo no início entre o experiente líder e o jovem Haled, para temperar esta narrativa em que olhares estudiosos e gestos plácidos constroem de maneira lenta o drama muito longe do choroso e mais distante ainda do empedernido.

Sim, há nas entrelinhas de A Banda, ou na camada logo abaixo da superfície, claro comentário político, afinal de contas o grupo é formado por árabes em território historicamente hostil ao seu povo. O diretor Eran Kolirin, porém, toma todas as precauções para seu filme não carregar o ranço dos conflitos milenares, evitando assim panfletos ou discursos inflamados. Ele prefere lançar luz sobre o sofrimento represado de Tawfiq, contrapondo-o à conduta de Dina para evidenciar diferenças, sem gritarias ou imposições. Conta para isso com as interpretações milimétricas de Ronit Elkabetz e Sasson Gabai, atores que parecem doar suas próprias vísceras aos personagens.

As tentativas de Dina, propensa a conquistar o militar de semblante cansado, aproximam dois mundos aparentemente opostos, ainda que entre eles resista barreira difícil de transpor. Nesse tocante, o jovem Haled surge como o duplo de Tawfiq, avatar da geração que pode renovar questões ainda que não bem resolvidas e aproximar pessoas. Saciar o desejo sexual de Dina é assumir as responsabilidades que escapam daqueles já curtidos pelo tempo e os vícios da tradição. É ato de aparência banal, mas de simbologia importante.

A Banda se passa num dia, mas parece guardar em si a experiência de meses. A belíssima cena na qual Haled ensina com gestos um jovem israelense a amar é tão rica que por si valeria a audiência, só encontrando paralelo noutra, a da epifania melódica num simples brinquedo de criança. Trocas entre rivais, câmbios puros em meio a intolerância enraizada, de repente é isso que faz de A Banda tão tocante.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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