domingo, 27 de dezembro de 2009

Preciosa

Direção: Lee Daniels
Roteiro: Geoffrey Fletcher, baseado no romance escrito por Sapphire
Elenco: Gabourey Sidibe, Mo'Nique, Paula Patton, Mariah Carey, Sherri Shepherd, Lenny Kravitz, Stephanie Andujar, Chyna Layne

Outro dos postulantes a êxito na próxima festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas no Kodak Theatre, por seu desempenho nos festivais pré-Oscar e seu sucesso entre crítica e público estadunidense, Preciosa é um drama, um filme de pequeno orçamento, que trata da vida sofrida de Claireece Precious Jones. Não é simplesmente uma trajetória sofrida como a de muitos casos reais transformados em narrativas diegéticas (sim, Preciosa é baseado num livro que, por sua vez, é fundamentado numa história verídica), mas uma das mais sofridas, daquelas que se não soubéssemos ser galgada em fatos, sairíamos a disparar contra seus autores, acusando-os de inverosimilhança. A lista de agruras pelas quais Claireece passa durante sua vida é imensa, mas esmiúçá-la traria a ira do leitor que ainda não viu o filme, pelo fato do simples adiantamento destas informações configurar-se numa abstração de descobertas que, gradativamente, constroem o filme.

Atrevo-me a relativizar a recepção exacerbadamente calorosa que Preciosa vem tendo em inúmeras resenhas por aí. Colocar em cena uma excluída social, sofrendo por conta de um destino, no qual nada pôde escolher, se configura, por si só, em elemento de aproximação com o espectador, que sente logo empatia e pena dela. Neste filme, esta força natural tira da atriz principal o fardo de ser convincente, já que sua presença física, pura e simples, mortifica e cria uma atmosfera que, tal como uma bruma, disfarça a atuação de Gabourey Sidibe, que se limita ao automático, bem ao contrário de, por exemplo, Mo’Nique, que interpreta fortemente a mãe de Claireece, no papel mais complexo e interessante de Preciosa. Lee Daniels parece ter caído na armadilha de fetichizar um pouco demais a imagem de sua protagonista, esvaziando os entornos, ou os estereotipando. A utilização de velhos clichês como a professora que luta pela salvação da aluna, a funcionária do serviço social que serve de válvula de escape, numa representação do papel do Estado e da maneira como ele trata, ou deveria tratar, os menos favorecidos, não chega a incomodar, por mais que salte agressivamente aos olhos, vez ou outra.

Mesmo que fale sobre uma vida de percalços, privação e extrema falta de oportunidade, Preciosa sofre de uma alienação incômoda, que desvia um pouco o foco. Algo não ajuda no desenvolvimento do filme, certas opções, principalmente do roteiro e direção, resolutos em nos deixar penalizados, paradoxalmente ao mesmo tempo em que atenuam alguns dramas por meio da curta duração de sua exploração, trazendo ao filme uma leveza mais próxima dos contos de fadas, ainda que o que discorra na tela seja algo monstruoso. Nada contra a abordagem “conto de fadas pelos olhos da Gata Borralheira”, só que, estilizando a caminhada de Claireece na luta contra seus problemas ou mesmo na busca de coisas normais, como um namorado, boa condição de vida para si e seus filhos, o diretor Lee Daniels criou uma narrativa correta, mas que peca por uma edulcoração velada, uma suavização travestida de opção estética, que chateia pelo falsete. Preciosa é um bom filme, não nos furta ótimos momentos, mas falha no intuito de ser maior e melhor, exatamente por não se deter com paixão ou mesmo crueldade em quase nada, se mostrando um rascunho, uma versão meio que oca da existência desta mulher que personifica o mundo-cão.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A Torre de Vidro

Desta vez eu tomei a liberdade de tirar um tempo e criar um texto para o antológico longa-metragem Inferno na Torre (1974). O que falar de um filme-catástrofe, com mais de 2h30min, que gira em torno de apenas um edifício que pega fogo? Clichê total? Talvez sim, talvez não. Podemos falar muita coisa: além de ser um dos precursores do gênero, e daí podemos citar também Aeroporto, O Destino do Posseidon, Terremoto, entre outros, ele traz em seu elenco estrelas de primeira categoria dos idos tempos em que fazer cinema não era apenas ter como protagonistas caras bonitas, mas interpretações “fortes”. Dirigido por John Gullerman e produzido por Irwin Allen, o prédio mais alto do mundo, que é um testemunho arquitetônico para a ingenuidade e para a inovação – o prédio também é a armadilha mais mortal que existe – leva aos seus ambientes, entre os 135 andares, nomes como os de Steve McQueen, Paul Newman (Brad Pitt da época), William Holden, Faye Dunaway, Fred Staire, Richard Chamberlain, O.J.Simpson e Robert Wagner. Uma década em que se concentravam nos sets nomes estelares da sétima arte. Só isso já basta para dar uma conferida, sem falar nos figurinos (as mulheres de longos coloridos e os homens de smoking com suas borboletas gigantes). Lógico que não podemos comparar Inferno na Torre com os atuais filmes-catástrofe, como O Dia Depois de Amanhã, ou mesmo 2012, que utilizam de recursos digitais para fazer o espectador ir além daquilo que realmente ele está vendo. Se você que ainda não assistiu correr à locadora para pegar, poderá sair um pouco decepcionado, uma vez que os efeitos especiais, como dito antes, comparado com os de agora, são praticamente toscos. Mas para quem conferiu em seu lançamento, sem dúvida alguma, vale a pena rever. Até porque, cinema é assim mesmo e confesso cá com os meus botões: nada como ter visto Inferno na Torre no escurinho do cinema Guarany – hoje o banco Banrisul na Marquês do Herval, em Caxias do Sul - que levou às suas telas filmes como este, de tirar o fôlego. Eu aplaudo esta estrutura metálica transformada em um verdadeiro inferno.

Raulino Prezzi, especial para o The Tramps

domingo, 20 de dezembro de 2009

Avatar


Olá, caro amigo-leitor.

Domingo, nas vésperas do Natal, calor escaldante para os padrões caxienses de temperatura, Marcelo, meu irmão e contribuinte mais assíduo deste blog, e eu fomos assistir Avatar, o mais novo exemplar da filmografia do diretor canadense James Cameron.

Jake (Sam Worthington), paraplégico e ex-fuzileiro naval das forças armadas norte-americanas, é convidado à expedição ao planeta Pandora, em busca de um minério altamente valioso devido ao potencial energético deste. A atmosfera do local é tóxica aos terráqueos, então foi criado o "Projeto Avatar", onde o DNA humano é misturado ao dos nativos humanóides, os Na’vi, dando origem a uma espécie de receptáculo de consciência controlado à distância - avatar, utilizado por alguns componentes responsáveis por estudos, sobretudo biológicos, do planeta.

Não gostaria, mas serei breve, devido às palavras que me fogem. Avatar inicia meio truncado, talvez com excesso de explicações diretas, que não fluem de forma orgânica com os diálogos que se entrelaçam. Didatismo direcionado ao público, sem muita maquiagem. As engrenagens da trama começam suas atividades na cena em que Jake tem sua consciência pela primeira vez em seu avatar. Comovente sua reação pueril, tendo em vista a anulação de qualquer limitação física no tido mundo real, no seu mundo. O personagem centro da trama negligencia mais a cada minuto sua realidade sobre a cadeira de rodas, conforme se relaciona de maneira afetiva com uma das tribos de Pandora.

O visual mereceria um post solo, tamanha sua qualidade. Gollum, personagem digital de O Senhor do Anéis, que há poucos anos impressionou à todos, vira esboço perante o trabalho desenvolvido em Avatar por Cameron e a Weta Digital, responsável pelos efeitos visuais de ambas as produções. As imagens oferecidas pelo diretor de Titanic são exuberantes e icônicas.

Logo que houve o lançamento do trailer, alguns o apontaram como trabalho da Pixar, famigerada produtora de animações de altíssima qualidade em 3D. Os que temem isso, ou até mesmo algo tecnicamente perfeito e oco como cinema, podem se acalmar. Cameron conseguiu convergir o apelo popular à qualidade artística. O roteiro, bem amarrado, não conta com inovações, segue, inclusive, narrativas que o antecedem. A surpresa é rara durante a projeção e um pontilhado a frente indica o rumo que a película tomará em seu tempo restante. A segregação racial, a mensagem ecológica são passadas por metáforas claras e óbvias. Porém, nada disso atrapalha. A teia formada pela relação estabelecida entre os Na’vi e o meio em que vivem é fantástica. Uma conversação seria mais adequada no garimpo de interpretações, ao contrário de uma via unilateral, que é o que temos, neste espaço, apesar do campo de comentários que nos fornece uma resposta não imediata.

De qualquer maneira, Avatar é um grande filme, pode se orgulhar do título efêmero de melhor de todos os tempos, que não é tanto assim, se levarmos em conta a ainda infância da mídia, no quesito efeitos visuais, contudo, não é só. Enfim, basta torcermos para que sigam em tal toada suas sequências, então teremos uma franquia que os amantes do cinema aguardam e merecem.



Abraçosss

sábado, 19 de dezembro de 2009

35 Doses de Rum

Direção: Claire Daines
Roteiro: Jean-Pol Fargeau e Claire Denis
Elenco: Alex Desças, Mati Diop, Nicole Dogue, Grégoire Colin, Jean-Christophe Folly, Djédjé Apali, Eriq Ebouaney, Julieth Mars Toussaint

Tendo o hábito de ler críticas de cinema, às vezes nos deparamos, num texto aqui outro acolá, com um crítico dizendo que certo filme “vai crescendo após a projeção”, ou seja, que ele vai melhorando depois que acaba, quando o espectador assimila o que viu. Os que acusam estes críticos de pedantismo têm a visão estreita de que este é o tipo de argumento inválido, ou seja, que ou se gosta de um filme durante a audiência do mesmo ou não se gosta, sendo a percepção imutável. Estes, os que não dão valor ao crescimento da percepção a cerca de uma obra depois do contato, provavelmente não procuram algo mais do que entretenimento, ou mesmo não sacrificam seus preciosos minutos para “divagar” sobre os efeitos que um filme pode provocar. Acredito piamente que o cinema, quando compreendido como expressão artística, contribuinte da nossa formação humana, não se limita ao tempo de duração de seus filmes.

Tudo isso para falar de 35 Doses de Rum, filme francês, dirigido pela experiente Claire Denis que, em mim, se configurou exemplar, se levarmos em conta o primeiro parágrafo deste texto. Daines desenvolve sua narrativa em um aparente fiapo de história, envolvendo um pai, uma filha, uma vizinha que é taxista, um vizinho meio que perdido na existência e um colega de trabalho do primeiro, que acaba de se aposentar e vê sua vida meio que perder o sentido. O desenvolvimento é lento e gradual, numa daquelas narrativas das quais somos cúmplices, pois vamos acompanhando a evolução da história e a edificação das relações entre os personagens, aos poucos fazendo as conexões necessárias para entender o porquê dos olhares perdidos, as motivações de uma ou outra atitude intempestiva e as implicações das relações. Daines despoja seu filme de qualquer sentimentalismo barato, até mesmo quando há uma cena de forte impacto emocional, as lágrimas são contidas, rebaixadas num confronto com a realidade, na qual, geralmente, não as vertemos aos cântaros.

35 Doses de Rum é forte porque se estabelece nas conexões, na maneira como os personagens se ligam, ou tentam se ligar, uns nos outros. Não somos inundados de explicações, cenas do passado que auxiliam na tarefa de construir o filme, aqui as sutilezas são pontuais. Uma carta da qual podemos ver um pedaço, uma palavra aparentemente solta, uma situação que parece destoante, uma reação inesperada, é assim que ele se constrói, principalmente sobre a relação entre Lionel (interpretado com uma veracidade dolorosa por Alex Descas) e sua filha, no casulo com o qual se protegem, no qual ambos procuram a felicidade, na distância segura que mantém de outras relações sentimentais.

35 Doses de Rum é um filme que cresce após a sessão pela opção narrativa da diretora, que nos dá a oportunidade de revelá-lo aos poucos. Isso não quer dizer que a fruição do mesmo não seja intensa quando o estamos vendo, mas ele realmente cresce porque fica conosco, e esta reverberação vai nos revelando coisas que enriquecem a experiência. Dá gosto uma visão tão sensível como a de Daines, que nos oportuniza uma experiência como esta, na qual somos convidados a investigar sentimentos, não exatamente buscando respostas definitivas, pois elas não existem quando falamos de humanos e do que eles sentem.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Dexter e o Passageiro

Atenção! O texto a seguir contém spoilers das quatros temporadas de Dexter.

Dexter
é meu seriado favorito. Alguns amigos já me disseram que eu adoraria outros, como, por exemplo, House, Ugly Betty, True Blood, The Office, Mad Men, entre tantos desta leva riquíssima que iça a qualidade da televisão americana e, por conseguinte, da televisão mundial, se levarmos em conta que quase todos estes são ou serão importados para os quatro cantos do mundo. Devido à falta de tempo, acabo tendo de racionar minha audiência, escolhendo, neste momento, duas séries, das quais sou fã de carteirinha: LOST e Dexter. Não poderiam estas serem mais diferentes entre si, tanto na sua temática como no seu desenvolvimento. Enquanto LOST instiga (e a mim instiga muito) por uma série de desdobramentos, que envolve desde viagens no tempo até influência da mitologia egípcia, Dexter me fascina pelo estudo do personagem, no caso de um personagem dos mais complexos, Dexter Morgan. Criança que viu a mãe ser esquartejada, adotado por um policial que logo o “diagnosticou” como hospedeiro de um “passageiro negro”, analista forense que assassina criminosos impunes para alimentar o tal passageiro, pai de família.

A primeira temporada de Dexter é primorosa. A caça ao “Assassino do Caminhão de Gelo”, as implicações da ligação do passado do mesmo com o de Dexter e toda tensão e violência do final da temporada, são elementos que deixaram tarefa ingrata aos produtores, já que a impressão causada pedia uma continuidade à altura. No segundo ano, Dexter passa por períodos de turbulência, trai a namorada, coloca em risco suas ligações sociais, busca ajuda para seu vício em matar, encontra uma pessoa tão ou mais perturbada psicologicamente que ele, a quem acaba liquidando, como catarse. Dexter procura alguém que o compreenda, que entenda seus lados, na busca de aceitação. Os personagens secundários são muito bem desenvolvidos, seus dramas pessoais, muitas vezes, se configuram numa ferramenta de enriquecimento da figura central, sem que isso tire a importância individual deles. Na terceira temporada, a busca de Dexter por aceitação se intensifica e ganha contornos de aparente sucesso quando encontra alguém que parece lhe compreender, não se horrorizar com seu lado negro, e até compartilhar de sua necessidade de matar. Mas como Dexter logo descobriu, lidar com as implicações psicológicas do ato de matar não pode ser assimilado por qualquer um, e o fascínio mórbido exercido pela morte foi tão devastador em seu “amigo” que o mesmo saiu do controle, não obedeceu a nenhum código e teve de sucumbir pelas mãos do mestre a quem não soube ouvir.

E aí chegamos a quarta temporada, na qual já vemos um Dexter casado, pai de três filhos, sendo um biológico e dois que herdou ao casar-se com Rita. Dexter então é um americano aparentemente comum ou, pelo menos, vive o dia-a-dia como pai zeloso, marido um tanto quanto ausente, assimilando de maneira profunda esta nova condição, a de homem de família. O esquema do antagonista principal das outras três temporadas é mantido, mas as implicações da existência deste personagem para o desenvolvimento da história de Dexter são tão fortes que somente podem ser equiparadas, em equivalência, às do “vilão” da primeira temporada. Dexter encontra um assassino em série, ligado em um padrão, que tem uma família, responsabilidades sociais que o ajudam a encobrir o monstro interior, exatamente como ele nesta fase de sua vida. Dexter então vê em Arthur, o adversário em questão, um farol, alguém com quem pode aprender sobre a administração destas vidas paralelas. A temporada se desenvolve neste aprendizado, na relação que se estabelece entre Dexter e Trinity (Arthur). A evolução do personagem central da série foi gigantesca a partir desta relação e da constatação, tanto do público quanto dele próprio, de que Dexter não é tão diferente da maioria das pessoas, a não ser pela necessidade que tem de usurpar a vida de outros. Ele se vê arriscando suas caçadas em nome do bem-estar de sua família, numa crescente aceitação de seu lado humano, diferente do Dexter da primeira temporada, que se achava quase que órfão de elementos humanos. Estava indo tudo bem, a temporada ia se alinhando como uma das melhores (na verdade é a melhor desde a primeira) e seguindo para um desfecho ambiguamente feliz, parecido com o da terceira temporada, quando veio o décimo segundo e último episódio do quarto ano ou, mais precisamente, seus três minutos finais. Nestes, aproximadamente, 180 segundos aconteceu um fato que, de tão brilhante, parecia improvável. Confesso que o ocorrido me tocou demais, fiquei mortificado, com uma sensação pesada, dolorosa. Não se tratou, pura e simplesmente, de segurar a audiência para a quinta temporada, mas sim de dar uma guinada completa, tanto na história como na continuidade do personagem central. Ainda reverberam em mim aqueles minutos, e eles ecoam a seguinte pergunta: E agora?

domingo, 13 de dezembro de 2009

Desejo e Perigo

Direção: Ang Lee
Roteiro: Eileen Chang (argumento), James Schamus (roteiro), Hui-Ling Wang (roteiro)
Elenco: Tony Leung Chiu-Wai , Wei Tang, Joan Chen, Lee-Hom Wang Kuang, Chung Hua Tou, Chih-ying Chu, Ying-hsien Kao, Yue-Lin Ko

Ang Lee, após ser cooptado por Hollywood, aliás, como sempre o mítico olimpo do cinema estadunidense fez com talentos oriundos de outras praças, poderia ter se aconchegado na confortável posição de diretor de estúdio, produzindo sob encomenda, sem grandes riscos e contas a pagar. Poderia muito bem ser este peão de opinião insípida, caso não fosse um inqueto artista, alguém que, filme após filme, vem demonstrando que é evitável a onda do “fui absorvido pelo sistema”, desculpa esta utilizada por muitos que não tem a coragem de olhar para trás e creditar à sua acomodação, os rumos insignificantes de suas carreiras. Após perder injustamente o Oscar com seu excelente O Segredo de Brokeback Mountain, no qual trata do homossexualismo sem plumas ou mesmo um olhar excêntrico, concentrando o foco no amor, independente do gênero, Lee partiu a sua terra natal, voltando as raízes orientais, utilizando, ele sim com inteligência, o prestígio que o cinema americano lhe conferiu na busca de melhores condições para expressar sua arte.

Desejo e Perigo nasceu deste retorno de Lee ao oriente, e é um filme que remete aos clássicos, afinal de contas, ele (Ang Lee) tem sem mostrado um dos mais clacissistas narradores do cinema contemporâneo. A história de jovens militantes membros de um grupo de teatro que lutam contra a ocupação japonesa na China durante a 2ª Guerra Mundial, e sua missão de neutralizar um homem, chinês colaborador dos ocupantes japoneses, a quem alcunham de “traidor”, não se submete, ou mesmo apóia, no subtexto ou, que seja, no contexto histórico, com bem fazem alguns filmes que se propõem a lançar um olhar sobre determinado período. Lee, mais uma vez, direciona seu olhar para o humano, para as vicissitudes dos sentimentos, para as maneiras, muitas vezes inexplicáveis, como o amor e o desejo afetam a vida das pessoas. É claro que há todo um contexto político na trama de Lee, e não podia ser diferente, já que o período é doloroso na história do oriente e as feridas deixadas pela ocupação ainda se refletem nas diferenças persistentes entre japoneses e chineses, por exemplo. O ponto crucial é que Ang Lee não deixa que um eventual panfleto, ou uma bandeira mal hasteada, atrapalhem, a história que ele quer contar, do envolvimento amoroso improvável entre Wang Jiazhi, atriz que trabalha disfarçada, e o Sr. Yee, o “traidor”, que tortura e mata em nome do regime de governo e ideológico que mais lhe convém.

Muito alardeadas (mais até do que as virtudes do filme) as cenas de sexo são intensas, fortes ao ponto de termos dúvida da veracidade ou não de uma ou outra penetração. Nada gratuito, vale dizer. O envolvimento dos protagonistas, que se inicia com uma inocente troca de olhares, tem o tempo suficiente para amadurecer a margem do contexto e, no momento oportuno, sair da sombra do entorno para protagonizar o filme. A favor de Lee, além de seu inegável talento e elegância de contador de histórias, existe uma belíssima reconstrução de época, não daquelas desnecessariamente opulentas e ostensivas, e também um ator magnífico, em estado de graça: Tony Leung Chiu-Wai. Definido certa vez pelo crítico Ricardo Calil como “O Marlon Brando oriental”, Tony Leung Chiu-Wai encarna com tal paixão o Sr. Yee, que é impossível não dar razão a Calil, na comparação entre Leung e um dos maiores atores de todos os tempos. Desejo e Perigo é, assim, outro excelente filme de Ang Lee, de grandes proporções, não somente pela duração (quase três horas), e muito menos pela, já comentada, reconstrução de época, mas por mostrar o amadurecimento de um artista que, como devoto da narrativa clássica, sabe muito bem equilibrar tramas principais, paralelas e subtextos, sem que um acabe eclipsando o outro.


terça-feira, 8 de dezembro de 2009

SIMPLESMENTE ELA. BETH GOULART - por Raulino Prezzi

No início da tarde do dia 25 de novembro, tive a oportunidade de bater um longo papo com a atriz Beth Goulart, que estava de passagem por Caxias do Sul com seu espetáculo “Simplesmente eu. Clarice Lispector”. Herdeira de uma família de atores consagrados, a filha de Paulo Goulart e Nicete Bruno, e irmã de Paulo Goulart e Bárbara Bruno, tem um olhar doce quando o assunto é arte. Dona de extremado talento e de simplicidade ímpar, esta grandiosa atriz, vestindo um básico vestido de cor cinza, abriu seu coração, falou de seus trabalhos e fez das duas horas de entrevista, uma conversa entre amigos, que tenho o prazer de lhes apresentar (e aplaudir) Simplesmente Ela. Beth Goulart.


1 – Qual foi o processo criativo para chegar ao espetáculo “Simplesmente eu. Clarice Lispector”?
Começou com o processo da pesquisa. Foram dois anos de muita leitura. Li muitos livros biográficos e sobre a obra da Clarice. Trabalhei muito com cadernos de literatura do Instituto Moreira Salles e assistia a vários depoimentos dela. Foi então que eu construí o corpo do texto, extraindo deste material: depoimentos, entrevistas, correspondências, opiniões da própria Clarice sobre a vida, sobre a escrita, sobre Deus, sobre o amor.

2 – Um dos pontos que mais chamam a atenção neste espetáculo, é que você fica muito parecida com Clarice Lispector, fisicamente. Como se deu esta construção?
Muito pela maquiagem. É um trabalho de visagismo. São horas de preparação de cabelo e maquiagem. O interessante deste processo é que cheguei a fazer a maquiagem igualzinha a de Clarice, só que como faço outras personagens no espetáculo, não deu certo, porque ela não saia mais do meu rosto. Então resolvi trabalhar com a sugestão. Neutralizei minha sobrancelha e utilizei o traço do olho da Clarice, suavizando as diferenças e acentuando as semelhanças. Mas não é só o visagismo quem faz de mim Clarice, é a energia dela, é o tempo de andar, de falar, de usar as mãos. É um estado Clarice que faz você enxergar a própria Clarice.

3 – Foi demorada esta construção?
Nestes dois anos de pesquisa, dediquei seis meses num trabalho com a Rose Gonçalves, que é uma preparadora vocal maravilhosa. Para eu poder me dirigir, ir para o espaço, para o corpo, precisava já ter um domínio da palavra, o suficiente para poder brincar com elas. E assim fui caminhando, dominando o texto, me aprofundando e trabalhando a tridimensionalidade da palavra. Trabalhei o sotaque da Clarice, que muita gente acha que é estrangeiro, o que na verdade é um sotaque nordestino (ela começa a falar com sotaque nordestino), só que como ela tinha a língua presa, parece uma outra língua (ela apresenta pela primeira vez, durante a entrevista – a voz de Clarice Lispector), então descobri a musicalidade. Eu ouvi as entrevistas dela no Museu da Imagem e do Som a última para a TV Cultura (o que aliás é só isso o que existia dela). Você junta um visagismo, uma luz, um figurino e a energia da pessoa – a pessoa está em cena conversando com você. E este é o meu objetivo – trazer a Clarice para conversar com o público.


4 – Foi Beth Goulart quem encontrou Clarice, ou foi Clarice quem encontrou Beth Goulart?
Esta pergunta é muito interessante. E eu respondo: as duas coisas. Escolhi a Clarice como admiradora dela – desde a minha adolescência eu tenho Clarice, ela é instigante, singular, especial. O momento e a forma como se deu, eu digo que fui escolhida, porque este projeto na verdade não era para ser este, era para ser outro que não deu certo, não ia fazer um solo, teriam outras pessoas, era para ter outros autores...mas nesta altura não dava mais para eu abrir mão. Eu já estava grávida da Clarice e não podia negar o que estava acontecendo comigo. Meu envolvimento fez acontecer o Simplesmente eu. Clarice Lispector que também pode ser visto como Simplesmente eu. Beth Goulart

5 – Como foi dividir o palco com seu irmão Paulo Goulart Filho no espetáculo Quartett, de Heiner Müller?
Foi maravilhoso. Ele é um excelente bailarino e ator. Meu primeiro companheiro nesta montagem era o Guilherme Leme, que tem comigo uma química e uma cumplicidade muito boa. Como ele teve que sair do espetáculo, fiquei numa sinuca, porque não podia ser qualquer ator para dividir a cena. Porque são dois personagens que se apaixonam, num envolvimento profundo num jogo de identidade. Isso foi muito interessante com o meu irmão.

6 – O que chama atenção no espetáculo Quartett era a semelhança de vocês dois...
...funcionava como um jogo de espelhos. Não mudamos nada, continuou a mesma marcação. Com o Guilherme Leme se estabelecia um jogo de poder, com o Paulinho, foi um jogo de amor, que era o que eu gostaria de ter feito desde o início. Até porque estas personagens só se destroem porque não aceitam o amor. Mas a beleza do espetáculo é enxergar a beleza por trás do poder. Enxergar o medo deles, que não tiveram a coragem de assumir este sentimento. Eles preferem o conhecido do poder ao desconhecido do amor, ao desconhecido da entrega.


7 – Cinema, teatro ou TV?
Cada um no seu momento. Os três são importantes. Como criadora eu prefiro o teatro, mas como atriz eu gosto de todos. Mas sem dúvida nenhuma o contato humano é insubstituível.

8 – Onde podemos encontrar a Beth Goulart cantora?
Em cena (Clarice Lispector). Uma das pesquisas de linguagem que eu tenho feito nos últimos tempos, sempre tem um trabalho de corpo e de voz. Isso faz parte da minha característica profissional. Não nego, eu assumo. A música é muito importante para o trabalho, e em “Simplesmente eu..." num determinado momento, gostaria de ter uma canção judaica, um canto (ela considera a linguagem dos deuses). Pesquisei muito e não consegui encontrar. Depois de um tempo, encontrei um cd de salmos cantados, mas também não era o que eu desejava, pois eu queria uma súplica, que viesse do coração, e como minha necessidade era tanta, acabei compondo a música (é uma das cenas mais lindas do espetáculo)

9 – Como vê o panorama do teatro brasileiro?
Interessante. Temos mais grupos de trabalho de pesquisa, no eixo Rio-São Paulo, onde eu convivo mais. A Cia do Atores é um grupo que viaja o mundo inteiro com própria linguagem, assim como grupos que já possuem uma trajetória, como o Antunes Filho. No Rio de Janeiro já se vê um movimento de novos dramaturgos. O teatro hoje já tem uma cara, ou melhor, várias caras. Mas continuo achando que o teatro é uma arte de resistência. Falta ainda uma política cultural que abranja estas atividades, que dêem um subsídio para todos estes grupos funcionarem e para outros grupos se reerguerem. É necessário o exercício de formação de plateia, de hábito cultural que ainda precisa ser alimentada no brasileiro. O hábito de ir ao teatro. Muitos só vão assistir comédia para não precisar pensar. Teatro é uma atividade do pensar. O público tem que parar de ter medo de pensar. Pensar é bom, faz bem. Se você não pensa muito enferruja. Tem que trabalhar o corpo e a mente, e isso, o teatro, a mãe de todas as artes tem todas as manifestações artísticas. Falta ao público o prazer de co-criar o espetáculo. O público não tem que ficar só passivo. Ele tem que por a sua contribuição, complementar, fazer seu pensamento crítico, seu exercício de raciocínio, para tirar suas conclusões. Por exemplo: quando fazíamos Quatett, as pessoas ficavam chocadas, até porque o Heiner Müller tem um teatro = terrorismo cultural. Ninguém sai igual de uma peça dele. Por isso as pessoas não têm que ver o que pensar, elas têm que pensar no que vêem. Você tem que ver uma coisa que te provoque - o pensamento, a reflexão. Sou contra e a favor, acho que é isso, acho que não é...é sair do conforto, deixar de ser passivo. E esta é a função do teatro. Tem que ser um prazer para quem faz e deve ser um prazer para quem assiste. Então, muita gente está acordada, mas há muita gente dormindo também.

10 – Quais são os teus próximos projetos?
Agora vou me dedicar a este projeto (Clarice), ele está me dando muita alegria, ele tem uma vida longa. Têm surgido alguns convites pelo Brasil e para fora do país. Mas junto a isso, eu estou num processo de pesquisa de falar de outras mulheres importantes, que quero dar o meu olhar. O teatro e o cinema têm um compromisso com a história. O Brasil não conhece muito a história do Brasil. Existem mulheres que transformaram a nossa história e que devem ser relembradas, por meio de um olhar poético, lírico, artístico, mas também analítico, crítico, sobre o que cada uma delas fez.



PING – PONG
Comida – o cozido da minha mãe (a também atriz Nicete Bruno)
Filme – Cidadão Kane
Personagem – Joana D’Arc
Um lugar no Mundo – Paris
Personalidade Brasileira – Fernanda Montenegro
Espetáculo teatral – Os Sete Afluentes do Rio Ota - inspirado na obra-prima de Robert Lepage
Um beijo, um abraço e um aperto de mão – Para José Sarney (risos). Vai para casa Sarney
Uma frase – “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro acorda” - Jung
Uma música – Beth não lembrava o nome então...ela cantou “...eu sem você, não sei além porque, porque sem você, não sei nem chorar...

“O propósito do teatro é fazer o gesto recuperar o seu sentido, a palavra, o seu tom insubstituível, permitir que o silêncio, como na boa música, seja também ouvido, e que o cenário não se limite ao decorativo e nem mesmo à moldura apenas – mas que todos esses elementos, aproximados de sua pureza teatral específica, formem a estrutura de um drama” – Clarice Lispector

Por Raulino Prezzi, especial para o The Tramps

domingo, 6 de dezembro de 2009

A praga chamada Remake

O público americano odeia ler legendas, isto todo mundo já sabe. Dizem que é por isso que os remakes acontecem (nem sempre é), estas verdadeiras perdas de tempo que, geralmente, não acrescentam nada. Frequentemente estas “coisas” empobrecem uma bela ideia. Vem a indústria e pasteuriza tudo. E aqui não vamos reforçar o estereótipo da vilania americana, é a industrialização do cinema, que visa o lucro acima de tudo, a culpada, independente do país onde está instalada.

Tudo isso só para o exemplo a seguir. O filme Morte no Funeral, de relativo sucesso quando do seu lançamento em 2007, uma co-produção alemã-inglesa-americana, logo ganhará seu remake. Abaixo seguem os trailers, primeiro o do original e depois o da refilmagem. E aí, a diferença é ou não gritante?



Guerra ao Terror

Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal
Elenco: Jeremy Renner, Anthony Mackie, Brian Geraghty, Guy Pearce, Ralph Fiennes, David Morse, Christian Camargo, Suhail Aldabbach, Evangeline Lilly, Sam Spruell

Kathryn Bigelow vem fazendo sucesso com seu Guerra ao Terror, ainda mais depois de ele ter, recentemente, ganhado o Gotham Independent, um dos prêmios pré-Oscar da temporada. Andam falando que este é o filme definitivo sobre a guerra ao terror, sobre o embate bélico de, especula-se, motivos econômicos, que os EUA ainda trava com o Iraque, em nome da liberdade, dizem os estadunidenses. Visões ideológicas conflitantes a parte, é sintomática esta necessidade de se apontar “o filme definitivo sobre a guerra contra o Iraque”, como se a existência do tal filme fosse, de fato, definir alguma coisa. Então quer dizer que se existe um filme “definitivo”, ou seja, que define com exatidão as múltiplas facetas do conflito, não há necessidade de se discutir mais, certo? Não há necessidade de se criar qualquer outra obra cinematográfica que fale sobre esta guerra, já que existe algo que a define. Esta busca pelo “filme perfeito” sobre o assunto é vazia e desprovida de fundamento.

Bom, dito isso, queria dizer que gostei de Guerra ao Terror que, inexplicavelmente foi lançado em DVD no Brasil há alguns meses pela Imagem Filmes, ignorando completamente este burburinho que ele vem causando acima da linha do Equador. Uma indicação ao Oscar poderia o levar, de forma inédita, aos cinemas das terras brasilis? Fica a questão. Voltando às minhas percepções, meu “gostar” não chegou ao nível do entusiasmo, do impulso irracional de apontá-lo como definidor de um período, assim como os superlativos críticos vem fazendo. O filme se concentra, basicamente, na vida de três homens do exército americano responsáveis por lidar com bombas, minas terrestres e qualquer outra coisa que possa explodir nas terras do Iraque. Sabe-se que um dos artifícios mais corriqueiros das milícias iraquianas é o uso de carros-bomba, homens-bomba e explosivos implantados em locais estratégicos, daqueles que não escolhem a nacionalidade de suas vítimas, mas que, segundo sistema de idéias discutível, sacrificam por um bem maior. Um destes homens é atormentado, sente psicologicamente os efeitos da guerra. O outro é quase que neutro o filme todo, é um peão muito competente e aparentemente estável. Já o protagonista é alguém diferente, um ilusório inconseqüente que, na verdade, carrega a ideologia do filme, ou sua mensagem mais marcante. Ponto forte: este homem, personagem central, é interpretado magistralmente por Jeremy Renner, ator de papéis anteriores menores, sem muito destaque, mas que aqui encarna um personagem que de tão poderoso poderá vir a ser um divisor de águas em sua carreira.

Kathryn Bigelow, sem dúvida, fez um filme de fortes intenções, de diversas leituras possíveis, além de se mostrar ágil como artífice da linguagem e hábil como condutora do nosso olhar. Ela cria diversos momentos muito tensos em Guerra ao Terror, em parte ajudada pelo tema, afinal de contas desarmar bombas é um momento tenso por si só. O grande problema do filme é a maneira formulaica com que, principalmente em sua primeira parte, lida com as missões e com as participações especiais, de atores renomados, como Guy Pearce e Ralph Fiennes. O esquema, quando desvendado, passa a não conseguir mais esconder os passos que a diretora segue. Os momentos em que realmente Guerra ao Terror fica grandioso são os das missões, mas a visão periférica de Bigelow é tão restrita nestes três personagens que o entorno parece ser apenas subserviente em outros momentos, ou seja, não tem o desenvolvimento dramático das cenas de “ação”. Até mesmo nos momentos de ação, de explosões para ser mais preciso, Bigelow assume o risco de tirar o impacto em algumas sequências, utilizando câmera lenta ao invés de potencializar a força, e ela realmente nos priva deste impacto, algumas vezes em prol da beleza de cena, porém como efeitos colaterais.

Guerra ao Terror, como dito acima, é um bom filme, já que se mostra competente em desenvolver sua história e subtextos, mas não sem perder ritmo algumas vezes. Quando digo isso, particularmente acho pouco um filme ser “competente”. As discussões ideológicas da diretora meio que se esvaem num desenvolvimento que limita nossa visão, que nos coloca frente a um conflito que pouco se caracteriza. Guerra sem Cortes, de Brian De Palma, por exemplo, é um filme bem mais engenhoso e instigante do que Guerra ao Terror (faço esta comparação pois ambos versam sobre a guerra contra o Iraque). Na verdade acho o filme de De Palma uma obra-prima narrativa, mas nem por isso o adjetivaria de “definitivo”, afinal de contas, nem a arte, a diplomacia, as teias políticas, ou o que quer que seja, podem definir algo tão devastador e irracional como uma guerra.

domingo, 29 de novembro de 2009

Crítica: "Lua Nova"

Direção: Chris Weitz
Roteiro: Melissa Rosenberg (adaptação do livro de Stephenie Meyer)
Elenco: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Dakota Fanning, Nikki Reed, Peter Facinelli, Cameron Bright.

Lua Nova faz parte de duas categorias de filmes que é composta, em grande maioria, por obras fraquíssimas. A primeira delas diz respeito a filmes que adaptam obras literárias de grande êxito comercial e de público. A segunda está no fato de o filme ser a sequência de outra produção muito bem sucedida. Para felicidade de seus produtores e público, Lua Nova se destaca nos dois quesitos: é uma adaptação extremamente fiel ao livro que a originou e uma sequência muito superior ao filme que a antecede, Crepúsculo. Mesmo com sucesso nos dois pontos supracitados (o que não quer dizer muito, considerando o grau de dificuldade nos dois quesitos), Lua Nova falha em muitos outros aspectos.

Como escreveu Stephenie Meyer, autora da série de livros extremamente rentável conhecida como The Twilight Saga (A Saga Crepúsculo, no Brasil), Lua Nova se inicia no aniversário de 18 anos de Bella Swan, a jovem que encontrou em um vampiro, Edward Cullen, o seu grande amor. Quando um acidente faz Edward perceber que sua presença causa perigo para Bella ele decide se afastar pelo bem dela, abandonando-a na cidade de Forks. Sem rumo e extremamente depressiva, Bella encontra em Jacob algum conforto para, como ela própria diz, preencher o vazio de seu coração – ou algo piegas que o valha.

O que move grande parte da trama de Lua Nova é justamente este abandono, que desestabiliza Bella e a deixa totalmente perdida. Ela encontra em Jacob alguma distração, mas faz o que for para reavivar a presença de Edward junto a si. Diferente de Crepúsculo, Lua Nova deixa Robert Pattinson, interprete de Edward, como o coadjuvante da história, dando maior ênfase para os outros vértices do triângulo amoroso recém-criado: Bella e Jacob.

Uma realidade que prejudica Lua Nova está em sua necessidade e relevância quando se leva em consideração que o filme faz parte de uma série. Com exceção da entrada dos lobisomens na história (que são apresentados através de fracos efeitos visuais), quase nada muda desde o término de Crepúsculo até o final do novo filme, o que faz de Lua Nova um grande filler (termo aplicado aos desenhos japoneses que adaptam mangás e inserem grandes arcos narrativos para explorar comercialmente uma série) ou, grossamente dizendo, uma imensa enrolação.

Já dito que o filme é desnecessário à série (e ao cinema como veículo da arte e não do entretenimento), vamos aos outros fatos que se destacam na produção, como seu roteiro e direção. Enquanto Melissa Rosenberg apenas transpõe a narrativa novelesca e melodramática de Meyer para as páginas de seu roteiro, Chris Weitz faz um ótimo trabalho atrás das câmeras e, mesmo que peque um pouco no que diz respeito à direção de atores, entrega à série um olhar ideal e muito superior ao que Catherine Hardwicke havia apresentado em Crepúsculo. Weitz, que já trabalhou com jovens nos distintos American Pie – A Primeira Vez é Inesquecível e O Grande Garoto, desenvolve bons planos e sequências privilegiando a eficaz fotografia de Javier Aguirresarobe - ótimo fotógrafo espanhol que trabalhou em filmes como Vicky Cristina Barcelona e Mar Adentro.

Um desses bons momentos de Chris Weitz está nas inteligentes soluções visuais empregadas para dar ideia de passagem de tempo, como na cena em que Bella olha pela janela, bastante desiludida pela partida de Edward, e os meses passam em um único plano-sequência. Mas a direção correta de Weitz não salva ou se sobrepõe ao fiasco de roteiro elaborado por Melissa Rosenberg, que, como feito em Crepúsculo, dá ênfase a cada chavão melodramático que Stephenie Meyer escreveu, incluindo as frases de efeito (aparentemente retiradas de cartões bregas de dia dos namorados) que são ditas a cada dois minutos de filme.

Outro problema que certamente não irá mudar na saga Crepúsculo está no desempenho de seus atores. Kristen Stewart continua apática e por algumas vezes até mesmo patética representando a mocinha da história – mas está bem mais bonita do que em Crepúsculo, o que não quer dizer muito. Com maior destaque, Taylor Lautner até que se sai razoavelmente bem, aparentemente confortável mesmo estando sem camisa em 99,9% do tempo de projeção de Lua Nova (curiosamente ele aparece vestido enquanto dorme!). Já Robert Pattinson permanece canastrão e não convence como o vampiro altruísta Edward Cullen, servindo meramente como o rostinho bonito (e nada expressivo) que faz garotinhas suspirarem nas salas de cinema. Ainda sobre os atores, a participação de dois jovens que pareciam promissores quando crianças, Dakota Fanning e Cameron Bright, são tão pequenas que sequer têm a chance de estabilizar ou comprometer ainda mais o elenco do filme.

Por fim, Lua Nova serve para fazer a alegria da meninada fanática pela saga de Stephenie Meyer e pelo trio formado por Pattinson, Stewart e Lautner, principalmente por trabalhar com elementos simples e de fácil identificação por parte de seu público-alvo. Mas aqueles que estão realmente felizes são seus produtores, que se encontram neste momento, fantasio eu, nadando numa piscina de dinheiro obtido com a arrecadação do filme, ao melhor estilo Tio Patinhas. O faturamento do filme é tão gigantesco que certamente acabaria com a fome em algum país terceiro-mundista. Mas quem está preocupado com os famintos quando temos na tela uma produção tão relevante? E que venha Eclipse!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Espaços Exíguos

Meu final de semana cinematográfico foi composto de dois filmes que, a priori, não tem relação alguma: O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski e 12 Homens e uma Sentença, de Sidney Lumet. Disse “a priori”, pois hoje me peguei tentando, não sei por que cargas d’água, estabelecer alguma relação entre ambos, num impulso de análise que me levou, finalmente, a achar uma semelhança entre eles: a exiguidade dos espaços onde se passam as tramas, seja ela por representação psicológica e/ou espaço físico.

No filme de Polanski, o tal bebê, sujeito do título, nada mais é do que ponto inicial para a desestabilização de Rosemary, mulher que acabou de se mudar com o marido para um prédio de onde saem as mais escabrosas histórias, tidas como parte do folclore inerente a qualquer grande cidade estadunidense. A ambigüidade, ponto mais marcante do filme, faz com que fiquemos sempre com a dúvida: estaremos vendo uma conspiração satanista ou simplesmente a instabilidade psíquica da protagonista, que vê em tudo e todos algo que sua mente fabricou, seja por um mecanismo de defesa ou por qualquer outro motivo que nos foge a compreensão? É um filmaço, muito bem interpretado e orgânico. Não é propriamente “terror”, como muitos dizem, e quem procura sustos nele, irá achar a frustração. Considero-o uma alegoria psicológica, uma espécie de estudo de personagem, destes a que Polanski já tinha nos proposto em obras anteriores, como no delirante Repulsa ao Sexo. Por falar neste filme, ele, somado a O Bebê de Rosemary e O Inquilino, formam a chamada “trilogia do apartamento”, já que o trio comunga do mesmo cenário master.

O filme de Lumet é calcado no conflito. Doze jurados têm a missão de decidir o futuro de um jovem de dezoito anos, a quem a promotoria acusa, com provas quase que irrefutáveis, de ter matado seu pai. Para que o veredicto seja aplicado, é necessária a unanimidade, ou seja, que os doze jurados votem pela absolvição ou condenação do jovem à cadeira elétrica. Ocorre que na primeira votação, há onze que optam pela condenação e um que vota pela inocência, não propriamente porque acredita na falta de culpa do acusado, mas porque crê que, em se tratando de decidir o rumo de uma vida, precisam discutir mais, debater e analisar com mais calma as evidências. O que se vê em um pouco mais de uma hora é um emblemático e instigante debate que transcende o ponto de discussão, que expõe, por meio dos doze tipos, algumas características da sociedade americana, e porque não, de todas as sociedades, tais como preconceito, apatia, falta de personalidade, egocentrismo, entre outros. É outro filme memorável, que junta um roteiro brilhante com uma direção das mais difíceis. Lumet criou uma obra predominantemente dialética, deixando de lado qualquer tendência formalista.

Os ambientes são personagens, em ambos filmes.

Em O Bebê de Rosemary, temos de início a felicidade do casal composto por Mia Farrow e John Cassavetes, que vê na mudança para o apartamento novo a oportunidade de mudar de fase, de dar uma guinada positiva em suas vidas. Eles chegam, alteram o visual lúgubre do local, enchendo as paredes e os objetos de decoração de uma claridade que os faz sentir realmente em seu lar, doce lar. Digo que o apartamento do filme é exíguo, não por ele ser acanhado, desconfortável, mas por simbolizar uma delimitação da ação, e a medida que a mesma avança, ele vai se configurando, mesmo que de maneira velada, num dos potencializadores da instabilidade da personagem de Mia Farrow, já que faz divisa com a moradia dos vizinhos de quem ela tanto suspeita. Corredores estreitos, “passagens secretas” e ângulos reducionistas fazem do apartamento de Rosemary um local de clausura, um calabouço labiríntico de impacto dramático, menos direto, é verdade, do que o habitado por Catherine Deneuve, em Repulsa ao Sexo (este sim um filme em que Polanski transforma o “espaço” em personagem quase que pulsante), mas igualmente cenário que auxilia na construção narrativa. Já em 12 Homens e uma Sentença, Lumet encarou a difícil tarefa de ambientar seus personagens e história dentro de uma pequena sala de júri, onde ocorre o desenrolar da trama, em meio a discussões, divergências e embates entre os doze homens irritados, como explicita bem o título original. Neste caso, o cenário diminuto é, primeiramente, artifício de acuação, pois os personagens, imagino eu, sentem-se quase que presos, o que potencializa, e muito, o clima de tensão no qual estão inseridos. Junte isso ao fato da história se passar num dia de extremo calor, e a sala não possuir um item de ventilação que funcione, a não ser suas janelas, e teremos outro elemento que, psicologicamente, contribui para a inflamação dos ânimos entre os que acham o acusado culpado e os que ainda creem na insuficiência de provas e na necessidade de mais análises e debates a cerca do caso. Por mais que haja diferenças óbvias entre o apartamento de Rosemary e a sala de júri onde se passa o filme de Lumet (a repressão do segundo é mais latente, enquanto no primeiro o local tem um efeito mais sutil) ambos se prestam a bons exemplos de como um bom diretor, ciente de suas intenções, busca no elemento “cenário” o apoio necessário para refletir, seja sobre os processos mentais (esotéricos?) de uma personagem, ou mesmo para potencializar estados de ânimo. Duas aulas de cinema, indubitavelmente.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Angústia Lunar

Em resumidas palavras (recurso do qual me valho neste texto não por preguiça, e sim por medo de que o mesmo adiante detalhes cruciais da trama a quem ainda não viu o filme), Lunar fala sobre um homem que reside a trabalho numa base lunar. Ele, Sam Bell (numa arrebatadora interpretação de Sam Rockwell), vive a expectativa de voltar para casa, para sua esposa e filha, após três anos de extrema solidão, atenuada, é verdade, pela presença quase humana do computador Gerty, que zela por ele.

A estreia de Duncan Jones no cinema não poderia ser mais promissora. Longe de ser apenas o filho do ícone do rock David Bowie, o diretor, que em Lunar também é um dos roteiristas e responsável pelo argumento, mostra uma clara vocação para o ofício de narrar. Seu debut, que vem sendo merecidamente elogiado pela crítica internacional pelo vigor e pretensão justificada, apresenta ecos de Stanley Kubrick e Andrei Tarkovsky, autoridades da ficção científica espacial com seus trabalhos contemplativos, lentos e existenciais. Muito bem poderia Duncan ter utilizado estas referências mais óbvias como muleta, se valendo da arte de “homenagear” como subterfúgio para justificar o "requentamento" de clichês e elementos que em obras seminais fizeram a diferença por seu caráter vanguardista. Felizmente, o que Lunar denota é que Duncan não pretende apenas figurar no showbizz como filho de Bowie, e que ele também não se mostra propenso a ser mais um acomodado imitador. Talento, ele parece ter de sobra.


sábado, 7 de novembro de 2009

Anselmo Duarte (1920 - 2009)

Morreu, na noite de ontem, Anselmo Duarte, um dos mais importantes artistas do cinema brasileiro. Dizem os críticos mais empedernidos que foi homem de uma obra só, aquela que detém, até hoje, o relevo de ser o único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, este o mais significativo prêmio do cinema mundial, no que tange sua abordagem como arte. O Pagador de Promessas foi ovacionado em sua passagem pelas telas francesas em 1962 e reza a lenda que foi o crítico e cineasta François Truffaut quem puxou o aplauso que garantiu a inesperada Palma de Ouro para o filme. Anselmo foi duramente criticado em seu próprio país pelos cinemanovistas, pois, segundo eles, realizava apenas filmes comerciais e apelava à estética de Hollywood. A verdade é que não se pode negar duas coisas: a relevância de Anselmo Duarte para o cinema nacional, mesmo por seus filmes menos reconhecidos pela crítica, já que sua carreira tanto de ator como de diretor é bastante extensa, e a importância de O Pagador de Promessas, sua obra maior. O filme é magnífico, e mesmo visto hoje, mostra uma resistência impressionante à passagem do tempo. A história de Zé do Burro é um dos grandes marcos do cinema brasileiro, nascido em plena efervescência do Cinema Novo, num registro à margem da estética proposta por este que foi o maior movimento cinematográfico que o país já presenciou. Acertaram em muitas coisas os cinemanovistas, mas erraram feio ao discriminar O Pagador de Promessas, fechando os olhos para suas inegáveis qualidades e importância. Ainda bem que, se a lenda é verídica, Truffaut ergueu as mãos ao final da projeção francesa e bateu palmas à obra de Anselmo.

Clique aqui para ler uma crítica que escrevi sobre O Pagador de Promessas quando vi o filme pela primeira vez.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Elegância do Rústico

Olá, caro amigo-leitor!
Eis novamente minha presença ativa, quanto a postagens, neste espaço, passadas três décadas inteiras. Por favor, me permitam a exacerbação dos fatos, o que acaba destoando da realidade, já que a idade que tenho adicionada à deste blog, não totalizam o tempo descrito acima. Todavia, uma pitada de drama normalmente desperta certo sentimento de indulgência nos indivíduos.

Bom, chega de divagação ou, como diria o Celo, Filosofia do Bar 13. Seria incorreto de minha parte não compartilhar as impressões que tive acerca do livro datado de 2006, A Elegância do Ouriço, da francesa Muriel Barbery. A história é construída a partir do edifico de classe alta da Rue Grenelle, número 7 e duas de suas moradoras: Paloma Josse, uma garota-gênio prestes a completar 13 anos, a qual possui tendência suicida e a Sra.Michel, para os mais íntimos, e são poucos, simplesmente Renné, a concierge (zeladora) que usa dos estereótipos de sua profissão para ocultar uma mente fervilhante e ávida por conhecimento e arte.

Interessante como Barbery edifica as personagens, essencialmente as duas que dividem as vozes narrativas da trama, Paloma e Renné, essa última nitidamente com mais espaço e força no decorrer das 350 páginas da versão em português. A consciência comungada pelas protagonistas do mundo e de suas engrenagens, destinada à penumbra por muitos, gera uma visão tomada de resíduos putrefatos, local onde a luz e a beleza ganham maior esplendor. Embora em dados momentos o livro se perca em apontamentos recorrentes da arte, conferindo tom pejorativamente pop ao clássico e artístico, a leitura é extremamente prazerosa, comovente e, citando sem citar seu final, surpreendente.
Então, fica a dica e até breve.

sábado, 31 de outubro de 2009

Mirageman

Direção: Ernesto Dias Espinoza
Roteiro: Ernesto Dias Espinoza
Elenco: Marko Zaror, María Elena Swett, Ariel Mateluna, Mauricio Pesutic, Iván Jara

Desde que se descobriu que os heróis dos quadrinhos eram como uma mina de ouro para os grandes estúdios de Hollywood, nossos anos têm sido pontuados por diversas adaptações das páginas para o celulóide. Uns são filmes muito bons, ao menos fiéis ao espírito de sua matriz, já outros são filmes que não conseguem agradar nem ao menos os fãs de quadrinhos, ou aqueles mais ligados em cultura pop. A maioria destes filmes são detentores de grandes bilheterias, nada mais natural em tempos que o cinema parece feito apenas para os adolescentes ou aos que ainda não saíram desta fase, mesmo após os quarenta. Outra característica forte deste tipo de cinema é o alto custo de suas produções, outra coisa natural dado o incrível número de efeitos especiais e a estrutura necessária para levar um herói a se movimentar em vinte e quatro quadros por segundo. E se eu dissesse que um dos mais originais e interessantes filmes de super-herói que já vi é um exemplar chileno, de baixíssimo orçamento?

Mirageman, dirigido por Ernesto Dias Espinoza, é este filme, que conta a história de Maco, um segurança de casa noturna que é obcecado pelo treinamento em artes marciais e por seu condicionamento físico. Um dia Maco é obrigado a ajudar uma família em apuros, não sem antes mascarar-se para isso. Ele se vê então na condição de herói, de detentor da capacidade de ajudar as pessoas, mesmo que não tenha o dinheiro de um Tony Stark ou Bruce Wayne, ou mesmo um DNA alterado, como o de Peter Parker.

Mirageman começa como uma deliciosa sátira dos filmes de heróis, afinal de contas o passado traumático que motiva Maco é somente um dos elementos que o aproximam dos cânones regentes das narrativas clássicas dos comics. O próprio diretor incorpora o tom satírico ao utilizar enquadramentos próprios do cinema B setentista, o que dá certo charme ao filme, diga-se de passagem. À medida que a história avança, percebemos que a intenção de Espinoza é bem mais do que parodiar. Ele engendra um desenrolar interessante e dinâmico, misturando elementos que casam muito bem dentro de sua proposta estética e narrativa. A eficiência do diretor se mostra também detalhes peculiares, como o de criar um protagonista introspectivo, sem obrigar o ator Marko Zaror a utilizar um recurso dramático que ele visivelmente não tem. Outro ponto curioso fica por conta da personagem Carol Valdivieso, que me lembrou muito Andrea Caracortada, personagem de Victoria Abril no filme Kika, de Pedro Almodóvar. Mesmo que não sejam de fato “parecidas”, a intenção de suas presenças em ambos os filmes é bem semelhante. A crítica ao sensacionalismo da mídia é forte e escancarada na persona de ambas, daí a comparação.

Capaz de alternar um início repleto de passagens engraçadas (ele se vestindo de herói perto de um contêiner de lixo é impagável) com um tom mais sério, que não deixa de estar presente mesmo nestas sequências mais engraçadas, Mirageman é uma gratíssima surpresa vinda do Chile. A impressão que fica é que se qualquer um de nós tivesse o propósito de ser um herói e lutar pela justiça, nossos percalços seriam bem parecidos com os de Maco. Este é um dos maiores méritos do filme, humanizar o herói, mostrando as dificuldades e os problemas que ele enfrenta, como qualquer pessoa, até mais do que qualquer um. Fosse somente um divertido filme sobre artes marciais, Mirageman já valeria a pena, pois as lutas são muito bem encenadas e coreografadas. Mas ele não é somente isso. É um filme vibrante, que de entretenimento de qualidade se transforma em algo mais. Se formos um pouco mais fundo na interpretação, podemos dizer que Mirageman assume sua latinidade, colocando-se como alternativa, pela simplicidade, baixo orçamento e qualidade de sua narrativa, aos heróis cada vez mais pirotécnicos e vazios do cinema americano. Imperdível.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Fraco, de propósito?

Assisti Arraste-me para o Inferno, retorno do diretor Sam Raimi ao terrir, o sub-gênero dos filmes de terror que fez dele objeto de culto nos idos anos oitenta. Não gostei muito. Confesso que até me diverti um pouco com toda aquela auto-referência que o diretor faz do cinema que o catapultou, mas achei o filme tão enrolado e mal interpretado, que não me disse muita coisa. Gostei de algumas cenas, mas fiquei com a sensação de que se o filme tivesse 40 minutos, seria menos vazio, pois aí não ficaria chafurdando numa mesma ideia quase duas horas, enrolando o espectador. É claro que contribuiu para este sentimento de frustração o fato de eu não ser muito ligado a este modelo de filmes, esta mistureba que me parece mais uma brincadeira, um exercício, do que bom cinema. Mas esta é uma posição pessoal. Num dado momento, pensei até que estava sendo meio ranzinza com o longa-metragem, afinal de contas é uma incursão por um cinema de gênero, e como tal obedece certos cânones. Depois de refletir, concluí que mesmo sendo intencionais sua superficialidade, seus erros óbvios de continuidade e sua previsibilidade, não preciso ser indulgente com Arraste-me para o Inferno. O que eu defendo é que quando um diretor reconhecido por seu talento resolve fazer um filme-homenagem, e ele não utiliza os clichês de determinado gênero para criar algo estimulante, ou que seja engenhoso como diversão, sendo assim uma simples colagem de signos moldados precariamente, o fato de ele ter consciência desta tosquisse e provocá-la, como exercício nostálgico de cinema, não deixa o filme menos insosso e ineficaz.

sábado, 24 de outubro de 2009

Distrito 9

Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp, Terri Tatchell
Elenco: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt, Sylvaine Strike, Elizabeth Mkandawie, John Sumner, William Allen Young, Greg Melvill-Smith, Nick Blake

A ficção científica sempre foi um grande campo para metáforas no cinema. Em Distrito 9, filme do estreante Neill Blomkamp, a premissa envolvendo uma nave alienígena pairando sobre Joanesburgo, capital da África do Sul, e a marginalização de seus ocupantes, remete, sem medo de escancarar o símbolo, aos anos do apartheid. A sutileza desta metáfora não é o forte em Distrito 9, mas engana-se quem acha que o filme é só isso, um libelo contra a segregação, um panfleto contra a igualdade das raças, dos direitos humanos. Na verdade, em se tratando do elemento humano a visão de Blomkamp é bem pessimista, crítica do que chamamos de “humanidade”, na ingenuidade de que a simples expressão remeta a algo bom, nobre. E se for humano significar exatamente o contrário? Não estaremos nós imbuindo a palavra “humano” de uma gama de adjetivos que não passam de hipocrisia e autodefesa como casta?

Distrito 9 inicia frio. Sem qualquer senso de grande evento nos é narrada, por meio de depoimentos e imagens, a história da chegada dos aliens a nosso planeta, o que as entidades mundiais fizeram diante disso, e de que maneira foi criada a favela em que eles vivem de forma completamente marginalizada. É quando entra em cena um alto funcionário da MNU, empresa privada que pretende lucrar com a presença dos alienígenas, por meio da exploração do arsenal bélico de alta tecnologia que trouxeram consigo. Wikus van der Merwe, é este funcionário, que simboliza a forma como os humanos veem os diferentes de si. É duro ver como os “camarões“- forma pejorativa pela qual são designados os extraterrestres, por parecerem com crustáceos - são acuados em um ambiente agressivo, dominados de um lado pela força militar, e de outro por milícias de nigerianos que se instalaram em seu gueto para, assim como as grandes e legais corporações, buscar lucro por meio da exploração da miséria de seu povo. Wikus van der Merwe, que concentra as atenções da narrativa desde o início, passa a ser seu definitivo epicentro a partir de um acidente de proporções catastróficas e cruciais para a evolução da história.

Neill Blomkamp é uma grata surpresa em sua estreia na direção de longas-metragens. A investida de seu filme no tom documental, mesclando documentário direto e linguagem visual próxima a de um documentário, é um dos pilares do filme, que possui uma grande e constante sensação de angústia. Se pensarmos que se trata de uma ficção científica é uma escolha arrojada e arriscada. O uso da fotografia em tons terrosos e da câmera muito habilmente móvel quase todo tempo, traz uma ideia de realismo, que, geralmente, passa longe do gênero. É tudo muito orgânico, e esta façanha não seria possível sem os belíssimos efeitos especiais, principalmente os utilizados na construção dos alienígenas que em nenhum momento denotam o artificialismo comum às criaturas digitais.

Distrito 9 é um ótimo filme, que demonstra o frescor de um diretor/narrador muito consciente do texto e, principalmente, dos subtextos com os quais lida na história. Alguns detalhes são pontuais como, por exemplo, a opção de registrar os ET’s como parte de uma sociedade que só caminha junta, tal qual a das abelhas, em contraponto a sociedade dos humanos, que tem no individualismo sua grande característica e, segundo o filme, sua grande perdição. Chega a ser degradante, como humano, constatar que somente tomamos certas posturas e levantamos a bandeira de certas ideologias, quando estes comportamentos nos beneficiam, nos dão algum tipo de vantagem. Nossas atitudes são pautadas pelas circunstâncias e se num momento não estamos dispostos a arriscar a vida por nada, no outro já estamos de arma em punho, pelo simples fato de descobrir que este ato resultará em vantagem pessoal, ou satisfação de uma necessidade particular. Distrito 9 não chega a ser um filme sem falhas (pode-se questionar, por exemplo, a validade de certos momentos de redenção e a utilização de arquétipos de filmes com temática militar), mas as mesmas são indignas de muita atenção se comparadas ao resultado de um filme ágil, muito bem conduzido, que traz originalidade à ficção científica e que propõe tantas questões a cerca de nós como espécie.


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Porta Curtas Petrobras - Hélio Oiticica

Mais uma dica que vem do pessoal do Porta Curtas Petrobras.

O Porta Curtas preparou uma seleção especial em homenagem a Hélio Oiticica, um dos artistas plásticos brasileiros de maior renome internacional, com obras expostas em vários países. Ele participou do movimento neoconcretista ao lado de nomes como Lígia Clarke, Amílcar de Castro e Ferreira Gullar. Hélio Oiticica teve, recentemente, parte de seu acervo destruído em um incêncio.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios

Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Eli Roth, Christoph Waltz, Michael Fassbender, Diane Krueger, Daniel Brühl, Til Schweiger, Gedeon Burkhard, Jacky Ido, B.J. Novak, Omar Doom, August Diehl, Denis Menochet, Sylvester Groth, Martin Wuttke, Mike Myers, Julie Dreyfus, Richard Sammel, Rod Taylor, Léa Seydoux, Tina Rodriguez, Lena Friedrich, Maggie Cheung, Samuel Jackson, Cloris Leachman, Samm Levine

Há algum tempo causando frisson no mundo do cinema, transformado em objeto de culto, Quentin Tarantino, sempre que perguntado sobre qual seu próximo projeto, mencionava a ideia de um filme sobre a segunda guerra mundial. Os filmes foram acontecendo, menos o tal projeto de guerra que, para muitos, inclusive para este que vos fala, estava fadado ao confinamento de uma gaveta, nunca ganhando a luz dos projetores. Mal sabíamos, mas a demora se dava pelo fato de que Tarantino construía algo imenso, cheio de detalhes. Eis que no último Festival de Cannes houve, finalmente, a estreia de Bastardos Inglórios, o famigerado filme que colocaria um bando de judeus em ritmo de vingança contra o Terceiro Reich. A recepção foi dividida, para não dizer morna. Tarantino resolveu operar algumas mudanças na montagem, estas que, segundo ele, já estavam previstas. Bastardos Inglórios acaba de ganhar o circuito comercial brasileiro (em compensação seu filme anterior À Prova de Morte permanece inédito no país).

Dividido em capítulos - um fetiche de Tarantino - Bastardos Inglórios fala, basicamente, sobre a vingança dos judeus contra os nazistas, seja por meio dos americanos impiedosos comandados por Aldo Raine, ou mesmo na forma da pequena judia que escapa do massacre de sua família, para viver com a dor e o sentimento desta vingança. Permitam-me destacar o início, a primeira cena (ou capítulo um) que invoca com muita propriedade a mise-en-scène dos clássicos westerns. A tensão criada é prova da rica construção do roteiro de Tarantino, tido por ele mesmo como um de seus melhores momentos como escritor nos últimos anos. Na cena, o espectador é convidado a criar o embate junto com os personagens, nunca sendo “induzido” por uma música ou mesmo por quaisquer artificialismos baratos. É um nervoso e brilhante jogo de gato e rato, que mostra a maturidade da encenação, logo de cara.

Bastardos Inglórios pode até não ser o melhor filme de Tarantino, afinal é bem difícil competir com obras-primas como Pulp Fiction e o díptico Kill Bill, mas, sem dúvida, é seu filme mais maduro, aquele que aponta definitivamente para uma direção, no que diz respeito a seu futuro como realizador. Tarantino sempre foi conhecido por utilizar mil e uma referências cinematográficas em seus filmes, pequenas homenagens aos realizadores que, por meio de seus estilos, moldaram a cabeça cinéfila do antes apenas amante do cinema e do agora cineasta de prestígio. Bastardos Inglórios está repleto destas referências, que vão desde Sérgio Leone, passando por John Ford, indo aos filmes italianos de guerra (poucos laureados pela crítica internacional), entre outras que não conseguimos perceber assim, de cara. Estas referências, com dito antes, marcas registradas dos filmes de Tarantino, estão mais orgânicas, menos como informações atrativas para os cinéfilos que as conhecem, e mais como elementos dos quais ele se utiliza para criar seu filme, na concepção mais inquestionável que o pronome pode ter. Não é uma longa colagem de clichês de filmes de gênero, mas o filme de Tarantino, cheio de referências, muito bem reproduzidas e tomadas para si.

Não podemos falar do filme, sem ao menos fazer duas menções honrosas no campo da atuação. Brad Pitt parece ficar melhor com o tempo. Suas representações crescem a cada dia, eclipsando um pouco a aura de celebridade que nele é só mais um elemento. É fato que Pitt precisa estar sob a batuta de um bom diretor para funcionar plenamente, e não há demérito algum nisso, mas seus recentes sucessos mostram clara maturação e inteligência na escolha de seus papéis. Seu Aldo Raine é violentamente engraçado com um sotaque carregado, proferindo desafios aos seus bastardos no encalço dos nazistas. Outra menção honrosa, esta maior, aliás, deve ser feita a um ator austríaco, antes desconhecido, que nunca tinha ganhado os holofotes da maneira como ganhou neste filme. Christoph Waltz está brilhante no papel mais complexo e nuançado de Bastardos Ingórios, o Coronel Hans Lada. Sua persona elegante e inteligente contrasta de forma arrebatadora com a crueldade daquele que ficou conhecido nos campos de batalha como “O Caçados de Judeus”. Waltz, um ator que, daqui para frente, espero que apareça muitas vezes no cinema, faz deste homem algo crível, humano, numa interpretação magistral.

Bastardos Inglórios felizmente existe, Tarantino o consegui tirar do papel depois de muitos anos de escrita. Vale muito a pena, não somente pela experiência, de se ver um dos melhores filmes do ano, mas também por poder testemunhar a evolução de Quentin Tarantino como cineasta. Seu amor pelo cinema é comovente e inspirador. Este amor é o motor de Bastardos Inglórios, e se mostra, além das influências de linguagem, nas várias pitadas que ele coloca ao longo de seu filme para, metaforicamente (às vezes também objetivamente) pontuar suas opiniões sobre o cinema como veículo de propaganda, como comércio e, principalmente, como arte. Devemos exaltar também um filme feito nos EUA, com dinheiro americano, que faz com que seu povo leia muitas legendas, algo que eles, historicamente, não gostam. Assim como Raine, o diretor coloca o dedo na ferida. Tarantino pode não ter criado o filme definitivo sobre a segunda guerra mundial, ou mesmo seu melhor filme (precisamos de decantação para cravar tal afirmação), mas sua mistura de violência, bom humor e declaração de amor ao cinema, é mais do que suficiente para deixar um cinéfilo, como eu, nas nuvens após tal riqueza.

sábado, 10 de outubro de 2009

Festival do Rio: Encerramento e Agradecimento


Se contarmos com o endereço antigo (e o devemos fazer, já que mudamos somente o endereço e o servidor de hospedagem) o The Tramps existe há quase três anos. Neste período, nunca tínhamos convidado alguém a escrever no blog, por querer preservar um espaço nosso, que nasceu e se desenvolveu com a nossa cara. Este ano abrimos uma exceção e convidamos uma pessoa para participar do blog. Com a proximidade do Festival de Cinema do Rio, um dos mais abrangentes e significativos da América sulista, sentimos que seria interessante se tivéssemos alguém que pudesse nos corresponder na cidade maravilhosa. A Ana Carolina, por quem nutro grande amizade, foi a convidada, não somente por ser uma ótima pessoa, mas por entender muito e gostar de cinema.

Gentilmente ela nos cedeu parte de seu tempo, abdicando de outras atividades para desenvolver uma cobertura pautada pela diversidade de filmes assistidos e pelo olhar singular que bem expressou em seus textos. Gostaria de, em nome do blog, agradecer imensamente à Carol pela contribuição valiosa, seja por meio das resenhas ou mesmo pela divulgação do endereço a amigos. As portas ficam, desde já, abertas para a cobertura do Festival do Rio em 2010 (sim, está oficialmente feito o convite, aceita?) e para que você escreva no The Tramps sempre que quiser. Adoramos ter você por aqui. Volte sempre.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Festival do Rio: Aconteceu em Woodstock


Uma cidade de interior chamada White Lake vira pano de fundo para esse filme, que muito se assemelha a um documentário dirigido por Ang Lee, que por sua vez baseou-se no livro de Elliot Tiber, artista plástico, que em 1969 vivia com seus pais numa cidade em Nova York, ajudando-os a manter um hotel e por conta de muita perseverança e desejo, Elliot consegue que NY seja a arena do festival de Woodstock. E é exatamente dessa forma que Aconteceu em Woodstock transcorre.

Grande parte das pessoas duvidavam da eficácia de Ang Lee como diretor em terreno americano, mesmo após Brokeback Mountain. O fato é que Aconteceu em Woodstock atinge um alto nível de expectativa! Não deve ser nada fácil reproduzir a atmosfera da Woodstock de 4 décadas atrás hoje, e ele consegue isso. Cada movimento do festival vai sendo narrado e vivido, desde as frustrações do personagem central, Demetri Martin, (que é fundamental para o clima do filme, parece que foi feito para atuar nesse papel, nesse roteiro) que abre mão de uma vida nos grandes centros urbanos para cuidar de seus pais em White Lake, até a luta deste jovem para trazer o festival para sua cidade, são contados de uma forma sensacional que vai gradativamente trazendo emoção ao filme. O casal que interpreta os pais do menino também é outra grande sacação de Ang Lee. Henry Goodman e Imelda Staunton dão um show à parte, ele interpretando um senhor pacato e passivo diante da severidade e autoritarismo da mulher que mais estava preocupada em lucrar com a vinda do festival para sua cidade. Bem como Liev Schreiber que está irreconhecível e num papel grandioso!

A fotografia e locações do filme são excelentes!! Cada cena que antecede o festival aponta para uma surpresa, seja relacionada ao protagonista e sua relação com os pais, seja para os acontecimentos que faziam parte de todo o preparativo. Sabe aqueles filmes caprichados?? Que não perdem o fio da meada, que apostam no mais simples e atingem o mais complexo, que podem ser pretensiosos porque cumprem com a proposta?? Assim é Aconteceu em Woodstock! Ang Lee não perde a mão, acerta em cheio e conquista.


Festival do Rio: Bad Lieutenant - Port of Calls New Orleans


Sempre que falamos em Werner Herzog, lembramos de filmes que viraram referência para o cinema como: O Enigma de Kaspar Hauser, Stroszek, Fitzcarraldo e a própria refilmagem de Nosferatu, e mais tantos outros que estão vinculados com o novo cinema Alemão. Por isso talvez fique mais difícil associar sua imagem e seu trabalho às produções com estilo totalmente diferentes de seu gênero, mais voltado para filmes comerciais como O Sobrevivente de 2006 e este Bad Lieutenant:Port of Calls New Orleans. Mais complicado ainda é não comparar Bad Lieutenant:Port of Calls New Orleans com o Vício Frenético, de Abel Ferrara (1992). Mesmo Herzog tendo afirmado que o seu não é uma refilmagem e que ele nem assistiu ao filme de Ferrara, fica difícil, eu diria quase impossível, não lembrar do espetacular Harvey Keitel na primeira versão, interpretando um policial viciado, compulsivo e transgressor que vive um conflito consigo mesmo por não conseguir se livrar dos vícios e por isso viver metido em encrencas que só vão piorando ao longo do filme. Na minha opinião, este foi o melhor papel de Harvey Keitel. Ele se superou do início ao fim do filme, assim como o próprio Ferrara, responsável pela direção impecável.

Nicolas Cage que neste longa do Herzog encarna o papel que antes foi de Harvey Keitel, não deixa a desejar quanto a atuação. Ele convence como um policial, viciado, compulsivo e descontrolado, mas o mais interessante são as cenas em que ele delira, alucina. Cenas estas que segundo Herzog foram inseridas propositalmente para dar uma pitada de humor. Cage nos faz lembrar da vez que atuou em Vivendo no Limite de Scorsese, onde o personagem vivia perturbado , insone , prestes a perder sua sanidade mental. Particularmente gosto muito desse ator e sou de opinião que mesmo ele tendo se prestado a uns papéis medíocres e sem peso algum, só pelo fato de ter interpretado Ben Sanderson, alcoólatra de Despedida em Las Vegas, papel que inclusive lhe rendeu o Oscar de melhor ator e Sailor Ripley de Coração Selvagem, já vale muito e prova o talento desse grande ator. Nicolas Cage está bem nesse filme de Herzog, ele cumpre com o papel e nos faz entrar no ritmo do filme, sem dúvida alguma. Já Eva Mendes deixa muito a desejar, interpretando uma prostituta viciada. Novamente digo ser inevitável não comparar este com o filme de Ferrara onde também há uma personagem com as mesmas características, só que muito mais convincente. Eva Mendes está sedutora, linda e forma um belo par com Cage, fora isso, na minha opinião, não disse a que veio, num papel que poderia ter sido muito mais explorado.

O filme em si é atraente, tem cenas muito boas, em especial as que envolvem humor. Nicolas Cage também dá show de versatilidade quando incorpora um doidão, lunático, compulsivo, engraçado e com trejeitos perfeitos de um doente da coluna. Uma pena a curta aparição de Michael Shannon, que interpretou um perturbado mental em Foi Apenas um Sonho e antes em Possuídos, ambas interpretações maravilhosas! Val Kilmer também faz parte desse elenco e está bem como um policial da equipe de Nicolas Cage. Tenho a impressão que quem não assistiu Vício Frenético de Abel Ferrara pode até gostar deste trabalho do Herzog, que ao que se propõe vai bem, cumpre seu papel e atrai o público para um filme dramático com ação, envolvente e com um elenco de peso. Mas para quem já viu, as lembranças da produção do Ferrara certamente ficarão martelando o filme inteiro e as comparações serão inevitáveis.