Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Eli Roth, Christoph Waltz, Michael Fassbender, Diane Krueger, Daniel Brühl, Til Schweiger, Gedeon Burkhard, Jacky Ido, B.J. Novak, Omar Doom, August Diehl, Denis Menochet, Sylvester Groth, Martin Wuttke, Mike Myers, Julie Dreyfus, Richard Sammel, Rod Taylor, Léa Seydoux, Tina Rodriguez, Lena Friedrich, Maggie Cheung, Samuel Jackson, Cloris Leachman, Samm Levine
Há algum tempo causando frisson no mundo do cinema, transformado em objeto de culto, Quentin Tarantino, sempre que perguntado sobre qual seu próximo projeto, mencionava a ideia de um filme sobre a segunda guerra mundial. Os filmes foram acontecendo, menos o tal projeto de guerra que, para muitos, inclusive para este que vos fala, estava fadado ao confinamento de uma gaveta, nunca ganhando a luz dos projetores. Mal sabíamos, mas a demora se dava pelo fato de que Tarantino construía algo imenso, cheio de detalhes. Eis que no último Festival de Cannes houve, finalmente, a estreia de
Bastardos Inglórios, o famigerado filme que colocaria um bando de judeus em ritmo de vingança contra o Terceiro Reich. A recepção foi dividida, para não dizer morna. Tarantino resolveu operar algumas mudanças na montagem, estas que, segundo ele, já estavam previstas.
Bastardos Inglórios acaba de ganhar o circuito comercial brasileiro (em compensação seu filme anterior
À Prova de Morte permanece inédito no país).
Dividido em capítulos - um fetiche de Tarantino -
Bastardos Inglórios fala, basicamente, sobre a vingança dos judeus contra os nazistas, seja por meio dos americanos impiedosos comandados por Aldo Raine, ou mesmo na forma da pequena judia que escapa do massacre de sua família, para viver com a dor e o sentimento desta vingança. Permitam-me destacar o início, a primeira cena (ou capítulo um) que invoca com muita propriedade a mise-en-scène dos clássicos westerns. A tensão criada é prova da rica construção do roteiro de Tarantino, tido por ele mesmo como um de seus melhores momentos como escritor nos últimos anos. Na cena, o espectador é convidado a criar o embate junto com os personagens, nunca sendo “induzido” por uma música ou mesmo por quaisquer artificialismos baratos. É um nervoso e brilhante jogo de gato e rato, que mostra a maturidade da encenação, logo de cara.
Bastardos Inglórios pode até não ser o melhor filme de Tarantino, afinal é bem difícil competir com obras-primas como
Pulp Fiction e o díptico
Kill Bill, mas, sem dúvida, é seu filme mais maduro, aquele que aponta definitivamente para uma direção, no que diz respeito a seu futuro como realizador. Tarantino sempre foi conhecido por utilizar mil e uma referências cinematográficas em seus filmes, pequenas homenagens aos realizadores que, por meio de seus estilos, moldaram a cabeça cinéfila do antes apenas amante do cinema e do agora cineasta de prestígio.
Bastardos Inglórios está repleto destas referências, que vão desde Sérgio Leone, passando por John Ford, indo aos filmes italianos de guerra (poucos laureados pela crítica internacional), entre outras que não conseguimos perceber assim, de cara. Estas referências, com dito antes, marcas registradas dos filmes de Tarantino, estão mais orgânicas, menos como informações atrativas para os cinéfilos que as conhecem, e mais como elementos dos quais ele se utiliza para criar seu filme, na concepção mais inquestionável que o pronome pode ter. Não é uma longa colagem de clichês de filmes de gênero, mas o filme de Tarantino, cheio de referências, muito bem reproduzidas e tomadas para si.
Não podemos falar do filme, sem ao menos fazer duas menções honrosas no campo da atuação. Brad Pitt parece ficar melhor com o tempo. Suas representações crescem a cada dia, eclipsando um pouco a aura de celebridade que nele é só mais um elemento. É fato que Pitt precisa estar sob a batuta de um bom diretor para funcionar plenamente, e não há demérito algum nisso, mas seus recentes sucessos mostram clara maturação e inteligência na escolha de seus papéis. Seu Aldo Raine é violentamente engraçado com um sotaque carregado, proferindo desafios aos seus bastardos no encalço dos nazistas. Outra menção honrosa, esta maior, aliás, deve ser feita a um ator austríaco, antes desconhecido, que nunca tinha ganhado os holofotes da maneira como ganhou neste filme. Christoph Waltz está brilhante no papel mais complexo e nuançado de
Bastardos Ingórios, o Coronel Hans Lada. Sua persona elegante e inteligente contrasta de forma arrebatadora com a crueldade daquele que ficou conhecido nos campos de batalha como “O Caçados de Judeus”. Waltz, um ator que, daqui para frente, espero que apareça muitas vezes no cinema, faz deste homem algo crível, humano, numa interpretação magistral.
Bastardos Inglórios felizmente existe, Tarantino o consegui tirar do papel depois de muitos anos de escrita. Vale muito a pena, não somente pela experiência, de se ver um dos melhores filmes do ano, mas também por poder testemunhar a evolução de Quentin Tarantino como cineasta. Seu amor pelo cinema é comovente e inspirador. Este amor é o motor de
Bastardos Inglórios, e se mostra, além das influências de linguagem, nas várias pitadas que ele coloca ao longo de seu filme para, metaforicamente (às vezes também objetivamente) pontuar suas opiniões sobre o cinema como veículo de propaganda, como comércio e, principalmente, como arte. Devemos exaltar também um filme feito nos EUA, com dinheiro americano, que faz com que seu povo leia muitas legendas, algo que eles, historicamente, não gostam. Assim como Raine, o diretor coloca o dedo na ferida. Tarantino pode não ter criado o filme definitivo sobre a segunda guerra mundial, ou mesmo seu melhor filme (precisamos de decantação para cravar tal afirmação), mas sua mistura de violência, bom humor e declaração de amor ao cinema, é mais do que suficiente para deixar um cinéfilo, como eu, nas nuvens após tal riqueza.