sábado, 29 de maio de 2010

High Five: A imprensa norte-americana vai ao cinema












Após um hiato considerável, a quase extinta coluna High Five retorna com suas habituais indicações, menções, apontamentos ou o que quer que seja, sempre listando através de um tema em específico cinco obras relevantes para o assunto escolhido. Para tal retomada, deixando pílulas de didatismo e dados acadêmicos de lado, listo agora cinco filmes essenciais quando o assunto é a imprensa norte-americana e seus profissionais.

Sejam inescrupulosos ou extremamente éticos, críticos ou sensacionalistas, em outros casos tudo isso, tais profissionais foram retratados em vários grandes filmes e aqui vão cinco deles, por ordem de lançamento. Clique no título dos filmes para obter mais informações sobre os mesmos.

Cidadão Kane
Citizen Kane, de Orson Welles (1941)

Entre 10 listas sobre os maiores filmes já feitos, 9 e ½ delas apresentam Cidadão Kane nas primeiras posições. A importância do filme para a evolução do cinema é indiscutível e o mesmo também não pode ser ignorado quando se pensa nos maiores filmes sobre a indústria midiática norte-americana, aqui em específico a de mídia impressa. A história de Charles Foster Kane, garoto pobre que se torna um dos homens mais influentes e ricos do mundo, pode ter sido baseada na vida do magnata William Randolph Heast, que chegou a ser proprietário de 28 jornais. Ainda que negasse tal inspiração, Orson Welles escreveu, dirigiu e interpretou um dos mais icônicos personagens que Hollywood jamais vira em sua história. O filme mostra como a imprensa pode ser manipulada e se posicionar quando o poder máximo da informação está no controle supremo de um único homem.



A Montanha dos Sete Abutres
Ace in the Hole, de Billy Wilder (1951)

Exatamente uma década depois de Orson Welles e seu Cidadão Kane, o gênio das comédias Billy Wilder dirigiu aquele que é considerado por muitos profissionais da área o mais importante filme feito sobre o trabalho de um jornalista. Kirk Douglas interpreta o multifacetado Charles Tatum, jornalista que caiu no ostracismo depois de uma série de trabalhos infelizes. Quando é encaminhado para cobrir um acontecimento tedioso para um emprego que deveria ser temporário, mas que se estende por mais de um ano, Tatum encontra na simplicidade de um fazendeiro e no acidente em que o mesmo se envolveu a oportunidade para conseguir seu tão estimado prestígio de volta. Com um roteiro elaborado de Wilder em parceria com Lesser Samuels e Walter Newman, que privilegia e desenvolve ao máximo tanto a ação quanto seus personagens, “A Montanha dos Sete Abutres” apresenta temas como ganância, falta de ética, polêmica e sensacionalismo no jornalismo, tão presentes nesta e em várias outras profissões.



No Silêncio de uma Cidade
While the City Sleeps, de Fritz Lang (1957)

Ainda que seja mais lembrado por seu envolvimento com o cinema expressionista alemão e pelas sombrias obras que realizou no país europeu, não se deve ignorar o período em que Fritz Lang produziu filmes nos Estados Unidos, quando dirigiu significativos filmes de suspense, como “Suplício de uma Alma”, ou dramas arrebatadores, como “Só a Mulher Peca”. No final dessa fase, Lang comandou o excelente “No Silêncio de uma Cidade”, espécie de noir que apresenta o jornalismo investigativo levado às últimas consequências, quando certos profissionais se arriscam por uma matéria e acabam exercendo a atividade de detetives e policiais. “No Silêncio de uma Cidade” faz uma leitura do jornalismo dentro de um prisma mais amplo, incluindo em sua narrativa principal a mídia de forma impressa, televisiva e até mesmo através do extinto telex.



Rede de Intrigas
Network, de Sidney Lumet (1976)

Nos anos 70 o prolífico realizador Sidney Lumet dirigiu no mínimo três grandes obras: Serpico, Um Dia de Cão (considerados dois dos melhores filmes de Al Pacino) e este Rede de Intrigas. Reconhecido por sua maneira peculiar de filmar, sempre com muitos ensaios e dando atenção imensa ao seu elenco e liberdade para o desenvolvimento de seus personagens, Lumet nos presenteou em Rede de Intrigas com os desempenhos memoráveis de William Holden, Faye Dunaway e de Peter Finch, inesquecível como o surtado Howard Beale – performance que lhe rendeu um Oscar póstumo. Outro filme inesquecível que apresenta de forma bastante realista e inteligente até onde a televisão pode ir quando o que está em jogo é o índice de audiência.



Boa Noite e Boa Sorte
Good Night and Good Luck, de George Clooney (2005)

George Clooney já não era apenas um galã de cinema que nascera na televisão quando dirigiu este “Boa Noite e Boa Sorte”, mas, mesmo assim, seu prestígio aumentou consideravelmente e o filme fez com que o ator fosse levado ainda mais a sério como um artista. Além de merecer destaque no currículo de Clooney, o filme ficou marcado por ter revelado tardiamente todo o talento de David Strathairn, que até então não tivera um papel de tamanha representatividade. Apresentando a delicada relação entre a imprensa e a política, assim como fizera “Todos os Homens do Presidente”, de Alan J. Pakula, “Boa Noite e Boa Sorte” constrói uma narrativa tensa e instigante sobre o período que ficou conhecido como a “caça às bruxas” nos Estados Unidos e o duelo entre o Senador Joseph McCarthy e Edward Murrow e a rede televisiva CBS. Não apenas um dos melhores filmes sobre o jornalismo no cinema, “Boa Noite e Boa Sorte” merece figurar em quaisquer listas com os grandes filmes dos últimos anos.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

LOST - O Fechar dos Olhos


Confesso que as lágrimas me vieram aos cântaros durante várias partes do último episódio de LOST. Acho que era um misto de tristeza, por estar assistindo ao fim de um programa que acompanho fervorosamente há seis anos, e de alegria por ter chegado até aquele momento, não ter parado pelo meio do caminho como muitos fizeram. Aos desertores, aos que, assim como alguns personagens queriam, saíram logo da ilha, não agüentaram as perguntas se amontoando e as respostas que pareciam cada vez mais rarear, fica minha tristeza por não poder compartilhar o que, para mim, foi uma das melhores séries que já assisti. Só neste último episódio consegui compreender porque segui em frente, porque não me importava com a opinião dos que me diziam para abandonar, que LOST era um engodo, uma enrolação. Primeiro, pois, firmemente, nunca achei que a série estava enrolando e sempre tive confiança de um final satisfatório e, por mais que não o tivesse, já teriam valido os anos de ilha, a jornada. Ou só o final interessa?

Não queria todas as respostas e não as tive, e por isto agradeço, pela audácia dos produtores em enxergar no público uma potencial inteligência, a capacidade de completar certas lacunas e de manter viva a mitologia. Não ficou vago, mas também não explicado nos mínimos detalhes como se precisássemos de tudo mastigado. Mas o motivo principal de minha devoção por LOST, e isto somente percebi com clareza neste catártico último episódio, são os personagens. A forma como cada um, dentro de sua história pregressa, suas atitudes e evolução, foi conduzindo uma trama cheia de mistérios, de facções conflitantes, de embates entre fé e ciência, é o que realmente deu alma a LOST. E isto fica muito claro pela maneira como os produtores encerraram a jornada, mostrando-nos que o que importa são as pessoas, suas ligações. O final, de uma beleza ímpar, transcendeu meu ceticismo na vida real, e fez com que eu achasse que se há alguma poesia na morte, ela deve ser bem como pregou este último e doloroso episódio.
Memorável.

Para textos mais detalhados sobre o encerramento, sobre a série como um todo, recomendo lerem este de Ana Maria Bahiana e este de Pablo Villaça, não por acaso, LOST maníacos, como eu.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Palma a Apichatpong


















O Festival de Cinema de Cannes 2010 outorgou seu prêmio máximo, a Palma de Ouro, a um cineasta que é amado por alguns, por conta de suas imagens livres das amarras narrativas convencionais, mas visto com ressalvas por outros, por tornar suas obras cifradas em demasia, essencialmente herméticas. Apichatpong Weerasethakul é este diretor de sensível olhar que aposta na mistura do realismo e do minimalismo da mise-en-scène com elementos fantásticos que reforçam o tom metafórico de suas histórias. Mal dos Trópicos (tomado aqui como exemplo, por seu o único de seus filmes que vi), uma das mais celebradas obras de Apichatpong, é assim: livre para experimentar, para dialogar com camadas menos óbvias de nossa percepção. É difícil, requer uma entrega grande do espectador, principalmente quando o subtexto adquire formas de narrativa principal, propiciando a abertura para um "segundo filme", confuso e complementar ao primeiro. É um cinema que precisa de decantação para ser absorvido. E nem sempre nos é possível ou permitido, pela comunicação mais instintiva/etérea entre as imagens, os sons, as palavras e nossos sentidos. Mas como não acredito na força da máxima "a curisosidade matou o gato", desde já fico curioso para ver Lung Boonmee Raluek Chat, nem que seja para fugir da mesmice.

Palma de Ouro
Lung Boonmee Raluek Chat, de Apichatpong Weerasethakul

Grande Prêmio do Júri
Des Hommes et des Dieux, de Xavier Beauvois

Prêmio do Júri
Un Homme qui Crie, de Mahamat-Saleh Haroun

Melhor direção
Mathieu Amalric, por Tournée

Melhor roteiro
Lee Chang-Dong, por Poetry

Melhor ator
Javier Bardem, por Biutiful
Elio Germano, por La Nostra Vita

Melhor atriz
Juliette Binoche, por Copie Conforme

Câmera D'Or (para cineastas estreantes)
Año Bisiesto, de Michael Rowe

Melhor curta-metragem
Chienne D'Histoire, de Serge Avédikian

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Cinema Brasileiro e seus Diretores

O cinema brasileiro vive uma crise de identidade. Não sabe se tem de ser hermético, se tem de ser chanchada, se tem de ser televisão. Alguns dizem: “falta roteirista bom neste país de novelistas”. Outros rebatem: “o Brasil só sabe falar de favela”. Já alguns levantam a questão: “o problema é que não temos diretores bons, como antigamente”. A discussão é batida, eu sei, e esta profusão de questionamentos, por vezes repetidos, deve ser reflexo desta busca por respostas, por um norte, um rumo para o cinema feito por aqui. Vou, por enquanto, e para não ficar batendo em teclas através das quais muitos já tiraram notas mais melodiosas do que eu poderia, me deter na problemática apontada sobre os diretores, estes profissionais catapultados à instância de artistas supremos do filme, por conta da política de autores dos críticos da Cahiers du Cinéma, através da revolução que foi a Nouvelle Vague.

Comparar a atual safra de cineastas com as de idos anos é uma covardia, não somente em nível nacional. Não há como colocar lado a lado os gênios que povoavam nas telas, fazendo um recorte específico, da década de 50 até o final dos anos 70, com os bravos que fazem cinema nos tempos de hoje. Há grandes diretores na ativa, e muita gente boa aparecendo, mas na quantidade e profusão vistas outrora, de fato não. Então, objetivamente, de pouco adianta comparar o Cinema Novo e o Marginal com o contemporâneo da produção nacional, pois aí, para ser justo, precisaria comparar a atual cinematografia americana com os saudosos tempos em que Hollywood era composta por nomes como Billy Wilder, Orson Welles, Alfred Hitchcock, entre outros. Covardia. O passado é primordial, imprescindível para que se entenda o presente e, porque não, o futuro, mas vamos nos ater ao momento atual. 


Telão e telinha

No Brasil, e isto acontece em outras partes do mundo também, há alguns diretores que veem na comunicação entre televisão e cinema, uma maneira de aproximar o espectador. Jorge Furtado é um deles. Sucesso estrondoso de crítica com seu curta-metragem Ilha das Flores, o gaúcho fez alguns longas, uns ótimos, outros nem tanto, o que é normal, mas ele não consegue esconder um veio televisivo, ou um meio termo, já que as produções que dirige para a televisão têm um pouco de cinema também. Não questiono o talento de Furtado, gosto muito de alguns filmes dele e de suas produções de TV. Até dos filmes dos quais desgosto consigo tirar algo que me agrade. Mas não há como negar que suas imagens são como híbridos, que sua linguagem, não sei se por buscar uma homogeneização como forma de acostumar o olhar do público que é viciado em TV, é uma quimera entre a telona e a telinha. É uma linguagem, uma via, e não há porque defenestrá-la.


Cidade de Deus e a arte para as massas

Temos muitos autores no Brasil, poucos devidamente reconhecidos. A maioria é formada por figuras carimbadas de festivais, de cineclubes, de redutos de crítica mais apurada, ou seja, de guetos. É a velha dicotomia: popular vs alternativo. Alguns diretores conseguem se equilibrar bem entre o comercial e a arte, mas esta não é uma característica dominante, ou pelo menos, não são muitos os que conseguem contrapesar estas duas frentes. Mas há alguns que conseguiram a mistura perfeita: filme excelente que foi bem de público, como Fernando Meirelles, com Cidade de Deus. Meirelles, aliás, é um caso curioso. Fez um dos melhores filmes brasileiros das últimas décadas. Cidade de Deus é um relato poderoso, o cinema atingindo níveis excitantes em terras brasilis. Tanto é que o sucesso internacional do filme fez com que ele, o diretor, fosse alçado à categoria dos artistas emergentes no cenário internacional, o que lhe possibilitou, entre outras coisas, entrar no mercado internacional. Dirigiu filmes como O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. Entusiasta que sou de Cidade de Deus, tinha muita expectativa quanto aos projetos internacionais de Fernando, mas devo dizer que me decepcionei, com ambos. Jardineiro Fiel arrebatou prêmios, fez relativo sucesso, mas a meu ver é um filme que peca pela esterilidade, tanto da história como de seus personagens. Já em Ensaio Sobre a Cegueira, Meirelles construiu um filme distante, frio no sentido de não permitir que nos aproximemos dos personagens, um filme quase gélido, meio estéril também para falar a verdade. As recentes declarações de Meirelles de que filmará no Brasil apenas obras televisivas, deixando sua carreira no cinema para o exterior, fazem com que eu não tenha muita fé no diretor. Não é nacionalismo da minha parte, mas um entendimento de que Meirelles tende a se transformar mais em artesão, trabalhando em projetos menos pessoais de exportação, do que confirmar a veia autoral exposta em Cidade de Deus. Fernando tem qualidades, sem dúvidas, mas meu medo é de que já tenha feito seu grande filme e seja, mesmo que inconscientemente, acomodado por isto.


Walter Salles, o espelho de uma geração

Um grande diretor brasileiro, em minha opinião o melhor deles atualmente, que não goza de muito apelo frente ao grande público, é Walter Salles. Dono de um conhecimento enciclopédico sobre cinema, Walter, que é irmão do excelente documentarista João Moreira Salles, vem, ao longo dos últimos vinte anos, construindo uma carreira sólida, composta por filmes, sejam eles premiados ou não, de comprovado valor artístico para a cinematografia brasileira. Filmes como Central do Brasil, Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta, só para citar alguns, são obras inspiradoras, maravilhosos estudos de personagem. É claro que Walter teve incursões erráticas pelo cinema internacional, como em Água Negra, mas seu prestígio continua de tal forma intacto, que foi o escolhido por Francis Ford Coppola para levar às telas um dos livros mais importantes da cultura americana, a bíblia beatnik Pé Na Estrada (On Te Road), com filmagens previstas para iniciarem em agosto. Portanto, seu próximo filme é, desde já, cercado de muita expectativa. Além de seu olhar como diretor, Walter Salles é ainda muito respeitado por sua atuação, por meio de VideoFilmes, como produtor (incluídos aí os filmes mais recentes do excelente argentino Pablo Trapero). Aliás, a VideoFilmes ainda presta serviços inestimáveis à memória cinematográfica do país por meio da restauração e do lançamento em DVD de obras seminais, como os filmes de Leon Hirszman, por exemplo.


Um certo olhar brasileiro

Na verdade, são muitos os cineastas brasileiros que merecem destaque e deferência por seus trabalhos. Vários deles, e isso é um problema que também acomete os nomes mais badalados, têm dificuldades para emendar um projeto atrás do outro. Sempre o velho problema do financiamento, das burocracias. No entanto, estes cineastas superam as dificuldades, remam contra a maré do conformismo. Nominar é sempre difícil, pois no recorte sempre faltam nomes que mereceriam citação. Mas não temos como falar de produção cinematográfica brasileira contemporânea sem citar nomes como: Claudio Assis, Hector Babenco, Philippe Barcinski, Selton Mello, Beto Brant, Karim Aïnouz, José Padilha, Marcelo Gomes, Lais Bodanzky. Tampouco dá para esquecer que nomes muito ativos e celebrados em outros tempos ainda fazem cinema. Nelson Pereira dos Santos, Andrea Tonacci, Júlio Bressane e Eduardo Coutinho são alguns destes velhos lobos do mar, que encararam as mudanças do tempo, a ditadura, o fim da Embrafilme, a retomada, e mesmo que de maneira menos profílica, tocam seus projetos, alguns bastante celebrados quando submetidos a público e crítica, inclusive. Até Arnaldo Jabor promete lançamento este ano, depois de décadas longe das câmeras.

É claro que este texto é uma tentativa, não de explicar, de apontar caminhos e soluções. Os destaques e recortes feitos foram pautados pela subjetividade e dotados de inevitáveis omissões, seja por falta de conhecimento ou esquecimento mesmo. Também devo dizer que foquei mais na produção de longas ficcionais por não conhecer a fundo a produção nacional de filmes curtos e dos documentários. Não tenho dúvidas de que o Brasil tem muitos talentos guiando filmes, muitas contribuições à pluralidade da cinematografia brasileira. Se peguei Furtado, Meirelles e Salles como “Cristos”, cada qual dentro de um perfil de trabalho, poderia tê-lo feito com outros diretores, pois há muitos que dialogam com a televisão, poucos que agregam sucesso de crítica e público (mas estes tendem a, com o tempo, enveredar por campos que busquem somente agradar o público, fazendo à ele concessões) e os que se dedicam com toques de poeta ao ofício da escrita cinematográfica mas que, infelizmente, criam obras pouco vistas pela massa. Estas não são as únicas definições, há muitas mais, muitas nuances que me fogem e/ou que me pareceram, de certa forma, dispensáveis para a linha de pensamento que se fez presente no texto. Então se temos bons diretores, qual é o problema? Dizem muitos que o problema é a falta de roteiristas. Matéria para uma próxima reflexão. É como disse no início, as discussões sobre os rumos do cinema brasileiro são muitas, até saturam às vezes, mas uma das maneiras de enriquecimento do meio, principalmente quando olhamos a sétima das artes como forma de modificação, como agente transformador dos indivíduos de uma sociedade, se dá pela discussão, troca de idéias e, porque não, pela teorização das problemáticas como busca das soluções. Diálogo nunca é demais. A busca por respostas continua.

Como sequência da refexão, indico o ótimo texto de Luiz Zanin sobre os Impasses do Cinema Brasileiro.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Entrevista: Woody Allen










Woody Allen em Tudo Pode dar Certo, O Sentido da Vida (ou a falta dele) e a Atração pelas Mulheres Jovens
Scott Foundas, 18 de junho de 200 (Village Voice)
Tradução: Conrado Heoli

O novo filme de Woody Allen, “Tudo Pode dar Certo” – seu 40º para aqueles que continuam contando – marca um retorno para o cineasta em mais de um sentido. Para começar, é seu primeiro filme a ser filmado em Nova York desde Melinda e Melinda, de 2004, interrompendo meia década de férias européias das quais o septuagenário Allen dirigiu três filmes em Londres e um na Espanha. Ele também marca a realização de um projeto concebido inicialmente em 1970 como veículo para Zero Mostel, posteriormente deixado de lado após a morte precoce do ator. O resultado é uma comédia burlesca leve – um trabalho menor, mas emitentemente prazeroso de Allen – estrelado pelo gênio de “Seinfeld” e “Curb Your Enthusiasm” Larry David como Boris Yellnikoff, um professor de física ateu, egocêntrico e misantropo que tem seu desprezo pela raça humana diminuído quando conhece uma bela e avoada sulista (Evan Rachel Wood), que ele encontra quando está engatinhando em baixo das escadas do fundo de seu apartamento.

Allen está atrasado numa tarde de verão de maio, quando eu apareço em sua sala de edição no Upper East Side [em Nova York], escondida modestamente atrás de uma porta nomeada como “Manhattan Film Center” no subsolo de um prédio residencial. É aqui que Allen monta todos os seus filmes, os exibe (e exibe outros) em uma sala verde de veludo à prova de som, audiciona atores para seus próximos projetos (e sempre há um próximo projeto), e de vez em quando recebe alguém. Nas duas outras ocasiões em que eu vim até aqui para entrevistá-lo os resultados nunca foram menos que surpreendentes, com Allen dialogando com sinceridade e leveza sobre seus filmes e sobre a matéria cósmica que pesa sobre sua alma. E hoje não é exceção, enquanto Allen aparece em sua habitual blusa de botões em tom pastel, sua calça caqui e um sapato bem usado, pede desculpas por seu atraso, e começa a falar lentamente sobre o sentido da vida (ou a falta dele), o problema com atores e a atração pelas mulheres jovens.

Village Voice: O título “O Que Quer que Funcione” [tradução literal de Whatever Works, lançado no Brasil como “Tudo Pode dar Certo”] sugestiona uma filosofia de vida, mas também uma ética de trabalho. Em outras palavras, se você fizer um filme por ano, como você faz, você não pode se permitir sentar e esperar pela chegada das musas.

Woody Allen: Eu nunca fui alguém que esperou pelas musas, pois meu pano de fundo é a televisão. Quando eu comecei, nós costumávamos escrever shows, e se você estiver escrevendo para Gary Moore ou Sid Caesar – independente de quem for – você tinha que ter um show. Era ao vivo. Quando você chegava em uma segunda de manhã, você tinha que pensar em algo. Você não podia esperar por inspiração, você apenas tinha que fazer. Então eu me acostumei com isso, e posso continuar fazendo isso até hoje. Eu posso entrar em um quarto e, ainda que não surja sempre algo bom, eu posso produzir algo. Eu penso sim que é uma ética. Ela mantém você longe do prejuízo. Se você trabalha, isso mantém você distraído. Isso faz com que você não pense em si mesmo muito, sobre quão terrível você é, sobre quão bom você é. Isso é certamente depressivo.

Eu tenho utilizado muito esta comparação: com deficientes mentais em uma instituição, eles dão para eles serviços de tecelagem, pinturas com o dedo e coisas assim para se fazer, porque o ato de trabalhar com suas mãos é sadio e terapêutico. É a mesma coisa com o ato de se fazer um filme, que é um produto artesanal. Você tem que escrevê-lo, você deve sair e filmá-lo, então nós viemos até aqui e montamos o filme e inserimos música nele. Por um período de tempo, você tem duas recompensas: você tem a recompensa da distração – você não pensa sobre o mundo externo, e você está direcionado para problemas solucionáveis, e se eles não são solucionáveis, você não morre por conta deles. E então, se é o filme correto, você poderá viver em uma falsa realidade por alguns meses. Então se eu estou fazendo um filme como “A Rosa Púrpura do Cairo” ou “Tiros na Broadway” ou “Todos Dizem Eu Te Amo”, por vários meses eu passo a viver com mulheres lindas e homens brilhantes e eles têm trajes, e os sets são bonitos. É uma forma muito agradável de desperdiçar sua vida.

VV: É engraçado que você menciona esses filmes em particular pois, como eles, “Tudo Pode Dar Certo” parece uma fantasia. Os personagens e a história possuem sentimentos pesados e exagerados.

Allen: Certo, é um conto caricato. A mãe, o pai – todo mundo nesse filme é caricato.

VV: Eu também me lembrei de dois de seus filmes mais recentes, “Match Point” e “O Sonho de Cassandra”, ambos que também relacionam sorte, chances e a aleatoriedade da vida, além de “Tudo Pode Dar Certo” ser um roteiro que você escreveu há mais de 30 anos. Quando nós conversamos na época de lançamento de “Match Point”, você disse, “Você está sempre procurando por controle e, no final, você está em baixo de um piano suspenso implorando para que ele não caia na sua cabeça.”. E aqui há uma cena em que uma pessoa cai de uma janela na cabeça de outra pessoa!

Allen: A mesma obsessão que eu tive quando eu comecei, eu tenho agora. Eu estive em análises, eu fui bem sucedido, eu tive altos e baixos. Eu tive alguns filmes de sucesso, filmes que falharam. Mas com tudo que aconteceu comigo, todas as minhas experiências, eu nunca fui hábil para resolver o real problema da vida que atormenta qualquer escritor desde Eurípides e Aristófanes. Nenhum progresso foi feito nos temas existenciais e na subjetividade das relações pessoais, que ainda são brutas, dolorosas, frágeis e muito difíceis de fazer funcionar, e que causam em todos um gigante sofrimento e pesar. Porque estamos aqui? Qual é o sentido de tudo isso?

Considere a questão de Camus [em “A Pertinácia de Sísifo”] de se cometer ou não suicídio. Agora, mesmo as pessoas mais amargas racionalizam que, no caso de Camus, ele sente como se estivesse empurrando uma pedra morro acima, qual o sentido disso, sua validade e que você não tem que ser bem sucedido. Mas eu sinto – respondendo a questão do porque nós não nos matamos desistindo de uma vida sem sentido, sem a existência de um deus – que é uma questão pré-intelectual, e que seu corpo responde para você. Sua mente nunca será capaz de dar a você uma justificativa convincente para viver sua vida, pois por um ponto de vista lógico, se sua vida é realmente sem significado – o que é – e não há nada lá fora, qual é o sentido disso? Bem, o sentido é simplesmente que você fica com muito medo de terminá-la porque você é duro, está em seu sangue viver e querer viver e querer proteger a si mesmo. Então, enquanto eu estou em casa tagarelando sobre como a vida é sem sentido e cruel, brutal e sem qualquer propósito, se há um incêndio em minha casa, eu tomo medidas extremas para salvar minha vida. E então quando eu tiver salvado minha vida, eu direi a mim mesmo: “Porque você se preocupou em fazer isso?”.

VV: Mesmo com os moldes de personagens antissociais e desagradáveis que você escreveu no passado, incluindo os que você mesmo interpretou em “Igual a Tudo na Vida” e “Desconstruindo Harry”, Boris parece estar um passo à frente.

Allen: Você sabe, em um ponto eu estava pronto para chamar esse filme, quando eu escrevi ele inicialmente, como “Zero, O Pior Homem no Mundo”. Eu pensei que seria um personagem engraçado – um cara que é a quintessência da misantropia e que não pode se encaixar, não quer se encaixar, rejeita tudo, não é apenas alguém que pode lidar com a vida ou que quer lidar com ela. Ele não a aceita: ele acredita que o fato de ser mortal é inaceitável. Ele não pode concordar com as regras da vida. Os personagens que eu interpretei em outros filmes estavam certamente na mesma direção, mas não tão extremamente como eu quis criar o personagem de Boris.

VV: Você, em algum ponto das três décadas passadas, considerou interpretar o personagem?

Allen: Não, pois quando eu pensei em Zero eu pensei nele como um papel para um homem gordo. Eu pensei nele como um físico gordo e agressivo, um russo genial do xadrez que não tem tempo para “micróbios” e “minhocas”. E eu não pude fazer isso. Minha fonte de comédia é mais vítima – eu me encontro assustado quando eu ouço um barulho no outro quarto, esse tipo de coisa. Esse cara era grandioso. Eu estava com dificuldades de encontrar pessoas que poderiam interpretá-lo agora, e então a Juliet Taylor [diretora de elenco] mencionou Larry, com quem eu havia trabalhado de forma breve anteriormente e que conhecia de “Curb Your Enthusiasm”. Mas pareceu para mim que ele não poderia interpretá-lo, porque no seu programa televisivo ele é muito autêntico. Ele não é exagerado ou possui uma postura falsa. É claro, ele me disse várias vezes que não poderia fazê-lo, que ele não era ator, isso e aquilo, então eu soube que ele seria ótimo. Por que ele é do tipo da Diane Keaton, que diz o quão ruim é e que sempre chega lá. São aqueles que dizem a você que são maravilhosos que nunca chegam lá.

Pessoas que podem atuar são naturais. Ao longo dos anos, eu conheci e trabalhei com pessoas que estudaram por todos os lugares, e se eles tivessem talento natural seria ótimo. Se eles não tivessem, o fato deles terem estudado não significa nada. Eu tirei caras das ruas – literalmente das ruas – que vieram trabalhar e, quando eles falavam, eles eram inconscientemente autênticos. Entretanto, com um monte de atores profissionais, eles chegam até mim por um papel e nós conversamos como estamos fazendo agora, e eles são bons. Então, eles estudam o papel e entram no seu modo de atuação, e tudo sobre eles repentinamente deixa de ser autêntico. Eles acreditam que precisam fazer algo para o material ou eles não estão justificando seus pagamentos. Então eles começam a atuar, e você não quer que eles atuem; você apenas quer que eles falem. Se eles supostamente devem ser um vendedor, você quer que eles sejam um vendedor como você reconhece um vendedor. Mas eles não são. Eles passam a imitar um vendedor.

VV: A verdadeira revelação no filme, eu acredito, é Evan Rachel Wood, que teve papeis fortes em um inúmeros filmes mas que não teve uma oportunidade de interpretar essa espécie ingênua e maluca dos anos 30.

Allen: Eu nunca havia ouvido falar nela, e minha esposa disse “você deveria procurar essa garota Evan Rachel Wood, pois eu a vi em um ou dois filmes e ela é apenas incrível!”. Então alguns dias depois, Santo Loquasto [diretor de arte] estava falando comigo e disse exatamente a mesma coisa. Então eu a analisei e percebi que ela era uma atriz memorável – complicada e sombria, realmente excepcional. Eu não sabia se ela poderia fazer comédia ou não. E então ela fez e foi incrivelmente boa. Eu disse a ela, “É uma garota sulista, você deverá fazer um sotaque sulista”, e ela não faria para mim, não me mostraria até filmarmos. Agora, eu me identifico com isso. É arriscado, pois se ela não pudesse fazer eu estaria em sérios problemas. Mas ela fez, e fez incrivelmente.

Por outro lado, Ed Begley Jr. [que interpreta o pai de Wood] não tinha ideia que ele seria solicitado a fazer um sotaque sulista. Ele veio à Nova York, pegou seu figurino, veio ao set. A primeira tomada que filmamos no filme era com ele, e ele não tinha ideia. Eu disse “Você sabe que irá interpretar com sotaque sulista. Você faz um sotaque sulista, certo?”. Ele disse “Bem, eu acho que posso.”. Eu disse “Ok, pois eu acredito que você soubesse isso quando leu [o roteiro].”. Mas ele não sabia, e ele simplesmente fez. Tanto para todo esse meticuloso preparo.

VV: Tanto para O Método.

Allen: Eu estava com uma japonesa ontem, que estava na cidade fazendo entrevistas pois “Vicky Cristina Barcelona” está estreando no Japão. Ela me perguntou de quais filmes recentes eu gostei e eu mencionei “O Casamento de Rachel”, que é um filme do qual eu gostei muito. Ela disse que havia entrevistado Jonathan Demme e que ele disse que era a primeira vez que ele filmava sem ensaio, e claro que todo mundo no filme estava incrível e é um filme incrível. Eu, por outro lado, nunca fiz ensaios. Eu apenas acho que eles não são necessários. E então, há diretores – grandes diretores, como Ingmar Bergman – que ensaiavam e ensaiavam. Eu não saberia o que fazer em um ensaio. Quando eu estava em “Cenas em um Shopping” de Paul Mazursky, ele fez ensaios extensos, e ele era um cara maravilhoso e um diretor maravilhoso, mas eu pensava que aquilo era um saco na época. Eu pensava “Como você tem paciência para isso?”, mas é a forma como ele trabalha. Eu apenas nunca pensei por um minuto nisso antes, até o ponto em que um ator chega ao set sem saber que ele deve fazer um sotaque sulista. E sim, eu poderia ficar muito traumatizado se ele dissesse “Oh, eu não sei fazer um sotaque sulista, Eu apenas posso fazer um. Se você precisar do britânico, ótimo, mas eu não posso fazer o sulista.”. Então eu tive sorte por esse lado, de não ter entrado em uma catástrofe. É a mesma coisa com uma cena que tenha muita ação física. Eu trabalho com o câmera e trago o ator sem ensaio e digo “Comece aqui e vá até lá e pegue um cigarro e então venha para cá”, e 99% do tempo isso é exatamente o que ele faz e fica bom. Em algum momento alguém dirá “Eu não sei o que estou fazendo aqui. Eu me sentiria melhor caminhando para a janela.”. E eu sempre direi “Então caminhe para a janela.”.

VV: O filme sugere que Boris se redime, fica humanizado de certa forma, por seu encontro com esta garota bem mais nova, e você próprio disse que encontrou felicidade com sua esposa, Soon-Yi, e que você nunca imaginara que encontraria isso com uma coreana mais jovem que não tinha relação alguma com a indústria cinematográfica.

Allen: Na ficção, isso era um tema ainda em “Manhattan”, isso com essa pessoa jovem presumivelmente mais inocente – antes que eles fossem estragados pelo mundo – esse alguém pode encontrar certa felicidade. Eu tinha muita boa sorte, pessoalmente, nesse sentido, mas esta sempre foi uma ideia minha voltada ao passado. Mesmo a Annie Hall [de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”], se você pensa dessa forma, era uma espécie de garota ingênua de Chippewa Falls, que era jovem e viera para Nova York e não sabia nada e era uma completa caipira, rude, com todas as expressões coloquiais mas com o pensamento de que ela se tornaria uma mulher madura. Naquele tempo, ela representava para mim o mesmo tipo de vigor.

VV: Quando falamos no ano passado, você estava prestes a vir para Los Angeles para dirigir sua primeira opera, “Gianni Schicchi”, de Puccini, e você brincou dizendo que fugiria da cidade rapidamente antes que alguém tivesse a chance de te acusar e rir de você por causa disso.

Allen: Eu saí no final para que fosse uma experiência agradável, pois eu estava cercado por pessoas talentosas. O elenco era maravilhoso, eu não os escolhi, eles me deram o elenco. O condutor era ótimo. Era simplesmente um prazer. E, obviamente, eu estava trabalhando com um material que era incrível. Era a primeira vez que eu dirigia algo que não era meu, então eu poderia me devotar diretamente com a direção. Eu não tive que escrever e constantemente corrigir problemas de escrita. Isso é o que eu faço todo o tempo em meus próprios filmes. Eles estavam sempre em um roteiro original, e eles estavam cheio de erros. Não é como um show da Broadway, onde eu monto fora da cidade. Com um filme é assim, então eu estou reescrevendo constantemente e corrigindo, ajudando e ajustando. Aqui, Puccini tem uma pequena obra-prima em termos de música e história, então tudo o que eu tinha de fazer era montá-la. Agora, é uma ópera curta, e eu não penso que poderia fazer Aida com os elefantes.

VV: Há algo que você possa dizer sobre o filme que você está preparando para filmar no próximo verão, outro que se passa em Londres novamente e é protagonizado por Naomi Watts?

Allen: Você sabe o elenco completo, certo? Anthony Hopkins, Feida Pinto, Josh Brolin, Antonio Banderas. O elenco é incrível. É uma comédia dramática, eu posso te dizer isso. É um filme cômico, mas no modo de “Vicky Cristina Barcelona” ou “Hannah e Suas Irmãs”. Não é cômico como Bananas. Dessa vez é real, com um lado sério, mas espero que tenha uma grande soma de gargalhadas. Espero que tenha.


A entrevista acima é uma tradução integral da conversa publicada entre Foundas e Allen, e o conteúdo original você encontra
aqui.

sábado, 15 de maio de 2010

Direito de Amar

Direção: Tom Ford
Roteiro: Tom Ford e David Scearce, baseado em livro de Christopher Isherwood
Elenco: Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode, Jon Kortajarena

Os detratores dizem que Tom Ford, estilista renomado que agora resolveu virar diretor de cinema e debuta com este filme, atendendo a um chamado de seu passado como profissional de moda, deu estilo demais à Direito de Amar. A jornada de um homem (interpretado de maneira sublime por Colin Firth) que, oito meses após a morte de seu companheiro, não conseguindo mais vislumbrar um futuro, decide se matar, é retratada com muita classe e estilo. Palavras estas que se aplicam tanto à forma como ele filma, ou seja, como esta história se transporta ao cinema, quanto à execução do ponto de vista fashion, a moda da qual Ford tanto entende. Isto não é ruim, pelo menos não a meu ver. Optar por um registro onde os penteados são perfeitos, os cortes de cabelo devam ter custado uma fortuna, em que tudo é muito bonito, faz parte de uma opção, aliás, como qualquer elemento fílmico e, como visto em algumas opiniões, uma opção arriscada, que pode afastar o espectador mais avesso a esta maquiagem da dita realidade.

Quanto a minha percepção, acredito que Direito de Amar seja beneficiado por toda esta aura de beleza, por esta estilização que flerta com o over. É uma espécie de espelho inverso, onde a beleza surge como couraça para sujeitos destruídos internamente, como se aquilo, aquela estética apurada, servisse, pelos personagens, para amenizar seus dramas internos, suas pequenas tragédias. Isto fica bem explícito numa cena em que Juliane Moore inicia de penteado impecável e, conforme vai se desestabilizando emocionalmente, ele, o penteado, vai desmantelando, deixando ele meio que caricata, como se a beleza construída, vamos dizer assim, artificialmente não fosse páreo para a feiúra de um espírito em pedaços.

Direito de Amar me agradou. Parece-me que Tom Ford tem talento, é um homem de sutilezas e várias delas tornam o filme mais interessante. Não se precisa dizer tudo, pelo menos não diretamente, e é por esta cartilha que o novato diretor se guia, muito bem por sinal. Há cenas de rara beleza emocional, além de diversas homenagens ao cinema, como uma aluna “Briggite Bardou”, um michê “James Dean” e os olhos de Janet Leigh, num imenso cartaz de Psicose, numa das cenas mais poéticas do filme. O único senão, e que, por mais que seja único, acaba diluindo bastante a intensidade do relato introspectivo de George, é a maneira como o diretor, do meio para o final, vai dando ao espectador a noção de que há outras pessoas, próximas a George, que são como ele, que sofrem igualmente. Neste momento do filme, George passa a dividir nossa atenção com outros personagens, o que o enfraquece. Levando em consideração que Direito de Amar é um filme guiado pelo personagem central, digamos que a narrativa toda se perde em essência por conta disso. Não é pouco, tira de Ford a possibilidade de ter estreado com um filme mais coerente, mais poderoso. Não sei ainda se gosto do final. Não consegui captar bem a intenção, mas tendo a achar que a inevitabilidade surge como punição desnecessária a um personagem que não teve chance de se arrepender.


sábado, 8 de maio de 2010

A Fita Branca

Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Elenco: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaußner, Steffi Kühnert, Josef Bierbichler

As raízes do mal são estudadas pelo austríaco Michael Haneke em seu mais novo filme, A Fita Branca, vencedor da última edição do Festival de Cannes. Como a narrativa se passa num vilarejo no interior da Áustria, podemos analisar que a diegese de Haneke também versa (objetivando aqui um pouco) sobre a origem do nazismo ou mesmo acerca da gestação de qualquer sistema totalitário. E esta origem se dá, segundo Haneke, por meio da opressão moral e religiosa presente na criação rígida, imposta pelos pais às crianças. Então elas, as crianças, se desenvolvem cheias de dogmas e culpas indevidas. Michael Haneke é um diretor que não opta por caminhos fáceis. Ele não pensa no conforto do espectador na hora de lhe apresentar um filme, uma narrativa como esta, que forma interessante painel com seus filmes anteriores. O austríaco, ciente do poder que o cinema tem, parece querer sempre tirar dos personagens seus lados mais sombrios, mostrando que o mal está constantemente a espreita, que basta uma semente mal regada, um descuido por parte das almas diligentes encarregadas do rebanho de um Deus ausente, para que as piores facetas ganhem a luz. Não se tratam, de maneira alguma, de relatos maniqueístas, de classificações arbitrárias, e sim de mostrar por meio de suas personas apenas o que de fato somos, dúbios, divididos entre bem e mal, sem que estas definições excluam os meios termos, as sombras que ficam entre o claro e o escuro extremos, que cegam com semelhante crueldade.

Utilizando as composições familiares, as relações entre seus integrantes, e relacionando-as com a apreensão generalizada, ocasionanda por uma série de “acidentes” ocorridos no pequeno vilarejo onde transcorre a história, o diretor faz em A Fita Branca um estudo riquíssimo de personagens, de apurado senso ético/estético. O filme causa uma espécie de estranhamento, mesmo aos já iniciados na obra de Haneke e acostumados com seus signos mais caros. É, porém e, sem dúvida, uma obra poderosa, feita por um mestre contemporâneo da arte de filmar, que aqui se apropria de uma belíssima fotografia em preto e branco, além de utilizar brilhantemente o som e os tempos mortos. Há ainda uma gama rica de subtextos e metáforas visuais. Por exemplo, seria o passarinho uma representação nossa, a mercê de um Deus doutrinador que utiliza suas leis para nos aprisionar, para nos admirar em nossa falta de liberdade? Ingmar Bergman me veio à cabeça enquanto via A Fita Branca, pois o sueco parece presente especialmente em instantes nos quais Haneke coloca em cheque a educação cristã, os castigos em nome de um Deus alheio à pureza infantil e, especificamente, numa sequência da humilhação de uma personagem, que se não é copiada, é uma homenagem direta a Luz de Inverno, uma das mais célebres obras de Bergman. Também pensei durante a sessão em Robert Bresson e seu Diário de um Pároco de Aldeia, pelo paralelo possível entre os filmes no que tange a culpabilidade e em como a religiosidade influencia na construção da ideia singular de certo e errado, moral e imoral.

No parágrafo anterior falei de um estranhamento, e ele se dá não bem pela forma como sentimos o tempo passar (afinal de contas num filme de temática tão pesada, construído de maneira tão solene, é normal que sintamos a dolorosa e lenta passagem do tempo) mas pela forma como as histórias familiares se comunicam. Tem-se a impressão, pelo menos eu a tive, de que a força individual de cada núcleo (já que ele é contado quase que de maneira episódica) não se transporta com a mesma intensidade para o todo, ou seja, por vezes ele funciona mais em pedaços. O bom é que estes fragmentos funcionam tanto que a falha na unidade não se sente em demasia, não atrapalha a fruição, deixando apenas um estranhamento que, curiosamente, leva, em seguida, ao sentimento da necessidade de uma segunda visita ao filme. Pois bem, então, mesmo que não seja isento de arestas, A Fita Branca é grande, uma discussão profunda e solene a respeito de temas como o autoritarismo, o questionamento da existência de Deus, entre outros. Repito, imperfeito, mas grande filme.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Entrevista: Terry Gilliam









Com a estreia no país do maravilhoso O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, decidi inaugurar um novo espaço no The Tramps que há algum tempo idealizo. Nossa seção de entrevistas se inicia com a conversa que Todd Gilchrist, jornalista do Cinematical, teve com Terry Gilliam. O ex-Monty Python fala sobre seu novo filme, carreira, futuros projetos e a participação de Heath Ledger neste que foi seu último filme. A entrevista que segue é uma tradução integral da conversa publicada entre Gilchrist e Gilliam, e o conteúdo original você encontra aqui.


Entrevista: Terry Gilliam
Feita por Todd Gilchrist em 14 de janeiro de 2010

“Eu penso que o problema é que nós estamos vivendo em um tempo com muitas escolas de cinema”, diz Terry Gilliam a mim enquanto eu saia após finalizar uma entrevista para “O Imaginário do Dr. Parnassus”. “Muitas pessoas estão tentando intelectualizar e colocar em palavras simples que todos possam entender.”. Por mais que eu apreciasse a sinceridade de Gilliam, eu não pude evitar de pensar que ele estava se referindo ao menos em parte a mim, que passei a maior parte dos 15 minutos anteriores tentando fazer com que ele explicasse detalhadamente como ele desenvolveu essas maravilhosas e estranhas ideias, e então de alguma forma colocou na tela.

Gilliam esteve trabalhando em cinema por mais de 40 anos, criando algumas das mais incríveis, espetaculares e acima de tudo inexplicáveis imagens que o público jamais havia visto. Infelizmente, no entanto, além de oferecer um retorno à boa forma para o diretor visionário, seu último projeto ficou reconhecido primeiramente como uma homenagem para o grande Heath Ledger, que faleceu durante as filmagens e que teve seu papel eventualmente completo com a ajuda de Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, que calçaram os sapatos do personagem para filmar suas cenas finais. O Cinematical falou com Gilliam no final do ano passado durante uma coletiva de imprensa para Parnassus e aproveitou para discutir as ramificações do falecimento de Ledger na produção, o iconoclasta puxar de cortina em seu estilo não convencional, e refletiu as quatro décadas de produção cinematográfica – um pouco das quais, seguindo meus maiores esforços, podem ser explicadas ou analisadas intelectualmente.

Cinematical: Talvez apenas para chegar a mais óbvia questão e tirá-la do caminho, sobre o uso de outros atores no papel de Tony, o quanto alterou ou teve de ser alterado após a morte de Heath Ledger?

Terry Gilliam: Nada. Apenas a ideia de uma face alterada. Existiram certas cenas que eu tive de desistir, mas está exatamente como nós escrevemos exceto em uma cena do lado de cá do espelho. Heath não estava entre nós para fazê-la, então eu o puxei para o outro lado do espelho e Jude [Law] a fez com Andrew [Garfield]. Há uma cena quando ele aparece pela primeira vez com Parnassus que nós excluímos inteiramente, mas você não a perde. E era isso, embora existissem algumas pequenas trapaças durante todo o processo para arrumar certas coisas. Então é basicamente o filme que nós nos preparamos para fazer, mais três pessoas extras (risos).

Cinematical: Houve algo que você filmou com o Heath que teve de cortar?

Gilliam: Não. Tudo está ali. Nós não desperdiçamos nenhum momento das coisas de Heath (risos).

Cinematical: A abertura do filme parece ser uma resposta para audiências que desconsideram espetáculos. Foi uma escolha deliberada?

Gilliam: Tudo o que eu faço é reativo. É tudo o que eu estou sentindo sobre o estado corrente do mundo, então há muito disso. Eu penso que existem coisas extraordinárias lá fora e as pessoas não estão prestando atenção. Eles estão muito envolvidos no que seja que eles estão fazendo – bebendo, comprando, jogando seus jogos de Playstation. Há um mundo lá fora: acordem pessoal! E Parnassus está lá e eles não podem ficar contrariados. Eles são como Martin bêbado porque ele apenas está sempre vendo alguma coisa boba e algo que ele possa abusar e tirar vantagem. E ele deve pagar um preço (risos). É um filme onde as pessoas pagam o preço, de novo e de novo.

Cinematical: Quão deliberada é a integração de temas que estão em seus filmes? Por exemplo, você pensa “as pessoas não estão apreciando algumas coisas maravilhosas no mundo” e então constrói uma história ao redor disso? Ou você passa a escrever algo e o tema surge naturalmente?

Gilliam: Bem, muitas coisas surgem durante o processo. Eu não tinha uma história em mente quando comecei isso, era apenas um compêndio de coisas que eu fiz antes, independente de significarem algo ou não. E tínhamos este caminhão de outro tempo aparecendo em uma cidade moderna e ninguém prestando atenção. Isso é literalmente tudo o que tínhamos para começar e então nós começamos a construir personagens e impulsionando a transparência neles. Eu acho realmente engraçado que enquanto eu mais tento falar sobre como nós escrevemos isso eu fico sem saber. Eu não posso me lembrar (risos).

Cinematical: Você acha que para descobrir uma estrutura você tem que ter completa liberdade, ou você deve estruturar para si mesmo e então examinar ou explorar as coisas que são importantes para você?

Gilliam: Eu nunca tive um curso de roteiro ou aprendi em uma escola de cinema. Eu apenas faço - Nós estamos contando uma história que me interessa? Eles são pessoas interessantes? Onde eles estão mentindo? Você começa uma história com efetivamente um conto de fadas, dizendo que um cara fez um acordo com O Diabo. Sua filha é o pagamento. O Diabo chegou. Ok, isso é simples, agora nós estamos fugindo e correndo. Mas é engraçado – ok, vamos fazer um filme fora dessa estrutura e ficar muito tensos. Mas eu não quero fazer esse tipo de filme. Eu meio que gosto de rascunhar o espaço, ficar vagando, e então nós começamos a dizer, quem é esse Parnassus? E então nós inventamos um conto imenso sobre ele e seu monastério que talvez encaixe, talvez não. E então você descobre que a filha está vivendo nesse exótico, maravilhoso mundo, mas tudo o que ela quer é a normalidade – uma existência ordinária. Agora, isso é uma relação entre pai e filha. E pouco a pouco você chega a Anton, que está apaixonado por ela e ela não reconhece isso. E então você coloca o pássaro no ninho, Tony, e vê o que acontece. A história eventualmente se expõe enquanto trabalhamos nela, nós nunca temos uma linha de pensamento diretamente no começo. Nós apenas começamos a construir.

Cinematical: Você alude a isso, mas há também um tema no filme examinando o preço que você paga em relações que você tem como resultado de seguir sua visão. Se você vê isso no filme, você sente algum sendo de reconhecimento pessoal nessa ideia?

Gilliam: Tudo tem um preço. Nada é gratuito. Nós dizemos que a vida, é como, se você comprar o papel higiênico certo sua vida será completa. É tanta besteira dizer esse pensamento. Uma das coisas, como colocar o Sr. Nick na história, é como, ok, nós temos o imaginário. Mas então isso não pode seguir eternamente, então há uma escolha. Então há um caminho para você seguir e talvez achar satisfação ou algo mais significativo, e o outro caminho que é o caminho errado, e então é mais engraçado de dizer, ok, vamos colocar O Diabo lá e você paga o preço e é realmente brutal. E não é relativo, apenas está acabado. Isso é meio engraçado. Agora você tem Parnassus e O Diabo, que são igualmente semideuses fazendo o que eles fazem e... Eu gostaria de ter guardado anotações. Um dia, e isso é o tipo de coisa que eu deveria estar fazendo antes de conceder essas entrevistas, é voltar ao passado e olhar para o desenvolvimento do roteiro para poder responder essas perguntar apropriadamente. Mas parece que faz tanto tempo, o processo de fazer esse filme teve uma espécie de drenagem em tantos estágios que exteriorizar o outro final com um filme que nós ficamos realmente orgulhosos e pensamos que é apenas como, bem, eu não ligo realmente como chegamos lá. Nós chegamos lá! Pois houve três anos de cruéis soluções de problemas, mas é o filme que nós escrevemos, e lá está ele.

Eu gostaria de saber como falar de filmes de uma forma intelectual. Eu nunca aprenderei isso. Atualmente, eu estou aprendendo a fazer ainda menos do que eu sei. Você sabe o que é realmente engraçado nesse filme? Eu não consigo me lembrar como Charles [McKeown] e eu o escrevemos. Nós sentamos juntos, nós conversamos, nós viajamos, ele escreveu algumas coisas, eu escrevi outras, nós pegamos algumas coisas de fora, colocamos tudo junto e boom boom boom – pouco a pouco. Nós até estávamos escrevendo enquanto estávamos filmando, e enquanto eu estava filmando nós mudávamos coisas todo o tempo enquanto elas se desenvolviam. Você apenas sente seu caminho através disso.

Cinematical: Como a tecnologia permitiu ou alterou o design ou a facilitação de designs que você criou para o aspecto de seus filmes?

Gilliam: Francamente, é meio o que eu estava fazendo com o [Monty] Python, exceto que eu fazia com pedaços de papel, coisas recicladas, e agora eu posso fazer basicamente com um espaço tridimensional. Essa é a diferença. As ideias, algumas são mais fáceis de desenvolver com CG [gráficos de computador], e algumas são mais fáceis de se fazer com modelos, o modo como eu sempre fiz. Eu apenas os misturo. Eu não tenho alguma teoria sobre qualquer coisa. Você assiste Michel Gondry, ele joga e meio que tem idéias sobre qual é a textura de significação de algo e a importância daquilo, mas eu não. Eu sou apenas uma prostitura quando o assunto é conseguir o que quer que seja que eu quero feito. Quero dizer, eu tenho minha própria empresa de efeitos, então ao longo dos anos nós desenvolvemos de impressoras óticas e coisas simples para o trabalho digital. Quero dizer, eu venho fazendo trabalhos em CG digital por anos e ninguém reparou (risos). Então é por isso que, novamente, eu não penso sobre isso. É apenas “eu tenho aquela ferramenta” e isso resolverá tal problema. Eu pensei que nós poderíamos fazer este filme desenvolvendo uma quantia de sets bem limitados onde a ação pudesse acontecer, e então poderíamos preencher o fundo com CG e ficaria espetacular. Eram coisas bem claras, não haviam criaturas animadas – quero dizer, ok, uma cobra aparece, mas é muito básico. Provavelmente a coisa mais complicada foi o derretimento da água-viva. Nós não temos um Tiranossauro que deve parecer crível, ou algo como isso, então é bastante simples o que fizemos. É apenas a escolha de ideias e o design das mesmas, e também o fato que nós não damos as pessoas tempo suficiente de ver o truque. Nós estamos fora daquilo antes deles verem muito, e nós estamos em outro mundo no próximo momento.

Cinematical: Existem lições específicas que você aprendeu na exploração dessas ideias ou temas? Durante este filme ou em outros, você aprendeu coisas que você aplicou em trabalhos futuros ou até mesmo em sua vida? Ou é...

Gilliam: Apenas uma grande tolice. Eu faço filmes que apenas vão de acordo com certas coisas que eu estou interessado ou nervoso sobre ou o que seja, e eu chego lá e, oh, eu fiz um filme? Oh, isso é muito bom. Bem, eu gostei, e a maior parte das coisas saiu da forma com que planejamos. E então você recomeça. Eu nunca penso de forma consciente o que eu estou aprendendo ou deixando de aprender. Eu acredito que fico melhor em algumas coisas, em outras coisas eu provavelmente fico menos bom por talvez não saber muito. Eu nunca intelectualizo o que eu faço, eu não tenho teorias sobre o que estou fazendo. É como quando estávamos montando o filme, os editors com quem eu trabalhei, Leslie Walker em Contraponto e Os Irmãos Grimm ou Mick Audsley nesse, nós não temos teorias. Nós apenas colocamos uma coisa após a outra e essa coisa funciona melhor que aquela. É por isso que eu nunca serei capaz de ir até uma escola de cinema e ser um professor: eu não tenho qualquer teoria, eu apenas faço. Eu meio que sempre fiz isso em minha vida. Eu não intelectualizo, eu apenas aprendo – e então é apenas anos depois que eu me dou conta que eu aprendi muito, mas eu não posso dizer a você o que eu aprendi e como aprendi. Mas eu posso fazer (risos).

Cinematical: Falando sobre essa abordagem ser bastante intuitiva, você acha que isso o liberta ou o limita? Não em termos de desenvolvimento de ideias, mas em achar pessoas que irão investir para trazê-las a vida.

Gilliam: Veja, a coisa é que eu alcancei o estágio onde eu trabalhei o suficiente, filmes suficientes que as pessoas apenas saberão que eu fiz, então eles gostam ou não gostam e então eles vêm trabalhar ou não vêm trabalhar. É realmente estranho, quero dizer, da forma ruim e negligente que eu encaro a vida, as pessoas estão sempre me entregando seus cartões e dizendo “eu faço qualquer coisa para estar em seu filme”, e então eu perco tudo isso. E então chega a hora de fazer um filme e basicamente todo o momento é realmente casual. Quem está disponível agora? Quem entrará pela porta? Eles pegarão o trabalho. E o cara que seria bem melhor que tenta há anos trabalhar comigo não estava disponível no dia e não consegue o trabalho. Eu não sei porque eu fiquei assim, mas eu sou o Sr. Acaso.

Cinematical: Na Comic-Con você mencionou que “The Man From La Mancha” [adaptação de Don Quixote, de Miguel de Cervantes] pode ser a próxima coisa que você estará fazendo. Esse filme parece ter reacendido sua paixão por filmar. Você se sente mais incentivado dessa vez a seguir adiante do que se sentiu antes?

Gilliam: Não, eu estava muito mais incentivado antes. Eu estava muito mais convencido de que nós poderíamos fazer tudo e qualquer coisa e que seria fácil. Agora eu estou bem mais cauteloso, pois esse período em específico é bastante ruim para levantar dinheiro para qualquer coisa maior que dois milhões de dólares. Mas o que eu fiz foi pegar o roteiro de volta após sete anos, o roteiro que estava legalmente em poder do território francês, eu olhei para ele novamente e finalmente o li, e foi uma coisa boa ficar longe dele por tanto tempo. Eu olhei para ele e eu disse, ele apenas não funciona – não é bom o bastante. Estava bastante claro o que estava errado, e rapidamente eu e Tony [Grisoni] o reescrevemos, e muito foi baseado no que aconteceu comigo nos últimos sete anos. Eu apenas incorporei minha própria vida dentro da coisa. Sim, nós fizemos isso, e isso causou um boom e repentinamente nós tivemos um filme onde, vamos dizer, dois terços não mudaram, exceto que tais dois terços foram alterados em significado, por termos alterado o terceiro terço. Isso deixou tudo em uma diferente esfera, então aquilo ficou tão simples como isso ou tão complicado como isso. Eu penso que o problema pe que eu nunca aprenderei nada, eu apenas vivo e sobrevivo e apanho alguns truques em algum lugar ao longo do caminho (risos).

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cinema 3D. Diferente. Deslumbrante. Duvidoso.

3D. Nunca se ouviu falar tanto de uma tecnologia que já existe há mais de meio século, mas que apenas no último ano encontrou seu lugar no cinema – graças, em grande parte, a (ou por culpa de) James Cameron. Já é lugar comum falar da revolução que Avatar causou em seus semelhantes, os blockbusters, e não é minha proposta com o presente texto ressaltar a grande verdade supracitada. O que procuro é tentar expressar em palavras o que acontece com um movimento tão recente para a sétima das artes, que ainda não é inteiramente compreendido pelos que trabalham com ela – realidade evidenciada através do excesso de produções pífias produzidas constantemente – e ainda menos por seus espectadores.

Diferente

Uma arte estagnada, que não evolui ou se diferencia, pode ser dada como morta a qualquer momento. O cinema há tempos procura por meios de se renovar, seja em novas propostas artísticas e técnicas ou em táticas para sempre estar em evidência. O marketing nunca foi tão fundamental para o cinema como hoje, pelo óbvio motivo de que um filme não visto acaba ignorado. Em sua evolução, as ditas grandes revoluções foram com o advento do som e a cor no cinema, e agora o 3D já é reverenciado por ser a mais nova delas – embora seja um tanto precipitado creditar tal mérito a um recurso tão pouco explorado.

O 3D está no cinema há muitos anos, demorou para ser amplamente exaltado e conquistar audiências. Produções como A Casa de Cera (a versão original, de 1953), e até mesmo Disque M para Matar, de Alfred Hitchcock, experimentavam as primeiras reações do grande público, até então bastante céticos com a tecnologia. As produções 3D seguiram e a tecnologia foi evoluindo ao longo dos anos, mais comumente sendo utilizada em filmes de suspense, terror e ficção. Com o surgimento do IMAX em 1985 o 3D passou a ser explorado novamente, mas apenas em 2003 ele entrou no cinema comercial, sendo James Cameron o principal técnico creditado pelo sistema de filmagem digital utilizado a partir deste momento.

O 3D retornou às salas que suportavam a exibição de filmes no formato através de produções de gosto duvidoso direcionadas ao público infanto-juvenil - idade pueril onde a curiosidade e a inocência antecedem o senso crítico. Logo depois passou a ser aplicado novamente em filmes de terror e aventura – e posteriormente Avatar estreou, fez a maior bilheteria do mundo e agora todas as produções do gênero (e de gênero) querem ser como ele.

Deslumbrante

E então o público se encantou com o 3D. Sedento pela novidade, muitos passaram a creditar inventividade e evolução a cada produção que utilizava o recurso e preenchiam em massa as salas de exibição. Ainda que uma sessão não estivesse lotada, meia sala de espectadores em um filme 3D equivalia a uma sala inteira de público no modelo de projeção convencional, devido ao alto custo dos ingressos. Com isso a tecnologia se propagou e passou a funcionar perfeitamente para as intenções comerciais de estúdios e distribuidoras, assim como dos espaços exibidores.

Ir ao cinema ficou mais parecido com uma visita a um parque de diversões. A falsa interatividade que o 3D proporciona encantou o público, que pretere a qualidade da produção cinematográfica em benefício aos efeitos e alegorias digitais – como um inocente inseto que se aproxima da luz, extasiado.

Assistir a um filme em 3D causa realmente um efeito singular no espectador, que ainda é antecipado por um misto de curiosidade pela novidade e grande evolução. Para alguns, a experiência é mais completa, mais real – o que soa incoerente, já que os filmes que até então fizeram uso da tecnologia estão mais próximos da fantasia que da realidade. O que pode se tirar disso é que a tridimensionalidade aplicada nessas histórias as torna mais críveis, ou mais fáceis de serem experimentadas pelos espectadores.

De qualquer forma, é por essas e outras que o 3D permanece tão em evidência recentemente. Para a indústria cinematográfica, por consequência, o pote de ouro no final do arco-íris finalmente foi encontrado.

Duvidoso

Como tudo o que é novo causa controvérsia, o 3D divide opiniões. Há aqueles que apreciam a técnica, quando bem empregada, e que acreditam que a mesma veio para ficar, enquanto outros julgam que o recurso não durará muito tempo e toda a excitação em torno da tecnologia se dissipará em breve.

O assunto se torna polêmico quando entramos no espectro recente e já recorrente dos filmes que foram desenvolvidos originalmente em duas dimensões e que estão sendo convertidos para o 3D. Com custo mais baixo, a conversão garante aos estúdios, distribuidores e exibidores que o filme ocupará salas que comportam o tipo de projeção, faturando assim muito mais do que se lançassem o filme apenas em salas convencionais.

O problema das produções convertidas, a princípio, é que as mesmas não foram pensadas em 3D durante todo o processo que consiste na feitura de um filme. Mas isso não atrapalha as empresas especializadas nas conversões, que garantiram o lançamento do recente Alice no País das Maravilhas no formato, para citar apenas um exemplo das tantas produções planejadas para o 2D que posteriormente foram (ou serão, no caso de vários filmes) convertidas.

Nesse sentido, podemos exaltar o Avatar de James Cameron. A produção foi pensada e realizada inteiramente em três dimensões, com equipamento desenvolvido especificamente para isso. O processo é difícil e custoso, mas gratificante para realizador e espectador, proporcionando para o segundo a experiência completa do que se propõe o cinema tridimensional.

Ainda é muito cedo para se fazer previsões, acusações e análises mais fundamentadas, mas deve-se esperar um mundo de produções do gênero ocupando as salas do cinema mais próximo de você e, mais cedo do que se imagina, sua casa também. Má notícia para os cinéfilos tradicionais.


domingo, 2 de maio de 2010

Sexo, Drogas e a Revolução do Cinema Americano

Tudo começou com uma viagem de duas motos e seus pilotos pelo interior dos EUA. Em Sem Destino, Dennis Hopper e Peter Fonda simbolizaram uma era, espelharam na tela o sentimento de toda uma geração. O filme a rigor não falava a respeito de nada, era sobre muita coisa, é certo, mas não tinha uma trama guia, não era um exemplar movido pela história, e sim pelos personagens, que, meio sem eira nem beira, desafiaram a mentalidade fechada de uma parcela do povo americano que ainda rezava pela cartilha do conservadorismo. O inesperado sucesso de Sem Destino, até então um exemplar sem precedentes no cinema americano, que vivia uma crise por conta da debandada do público, abriu os olhos das pessoas, mudou as regras do jogo, fez com que a tese do cinema de autor, proposta pela Nouvelle Vague e seus críticos que viraram diretores, fosse a tônica dominante. Jovens diretores americanos queriam ser Godard, Truffaut, Bergman, procuravam a libertação dos grilhões da narrativa convencional, dos finais felizes. O povo americano não queria mais ver finais felizes. A contestação e a contracultura estavam em voga, e os estúdios americanos foram salvos da falência por jovens que queriam fazer do cinema a arte que melhor expressaria o que o povo sentia e/ou queria. Coppola, Scorsese, Schrader, Hopper, Ashby, Friedkin, Bogdanovich, Altman, e tantos outros, ganharam poder de uma hora para outra, foram alçados ao patamar de gênios com seus trabalhos iniciais. Fizeram fortuna, ensaiaram a revolução, pois queriam que o cinema americano fosse mais do que cifras, queriam que a essência da arte prevalecesse.

Os estúdios se adaptaram aos tempos, seguiram a onda financiando os filmes que davam certo, que o povo queria ver, e foram salvos por esta geração que, paradoxalmente, questionou seu poder e que parecia enfadada do velho sistema. Aí veio o declínio, os diretores começaram a afundar em sua própria megalomania, em rompantes de ações descabidas que denotavam que os egos estavam acabando com talentos. As drogas também tiveram importância fundamental neste significativo capítulo da história cinematográfica mundial. Os idealizadores da Nova Hollywood foram aos poucos perdendo poder, sendo suplantados por, entre outras coisas, acreditarem demais na genialidade que lhes atribuíram. Os estúdios retomaram o poder, os profissionais, aos poucos, em sua grande maioria, foram se formatando. Muitos consideram que O Portal do Paraíso de Michael Cimino tenha jogado a última pá de terra em cima de toda esta chamada Nova Hollywood, mas foi por meio da recepção fria, para não dizer gélida, que Touro Indomável (um dos melhores filmes americanos dos últimos cinquenta anos) teve por parte da platéia, que se verificou que algo mudara, que o público não queria mais refletir, pensar, ver algo complexo, tudo por conta de uma transformação social que começou lá, e que ecoa até hoje.

Peter Biskind, em seu livro Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, tece com pouca parcimônia todo o panorama da ascensão e queda da Nova Hollywood, desde que os easy riders cortaram as estradas americanas até o momento em que Jake LaMotta se olha no espelho. O livro é uma leitura delíciosa, indispensável a qualquer cinéfilo, principalmente àqueles que costumam, por puro preconceito, relacionar “cinema americano” com blockbuster, esquecendo que na terra do Tio Sam se faz e, principalmente, se fez muita coisa magnífica em prol do cinema mundial, por meio de filmes que figuram, tranquilamente, na lista dos melhores desta arte já mais do que centenária. Um livro que tem de grandes discussões artísticas a histórias de alcova, e que organiza suas linhas de abordagem tão bem, que nós, leitores que não vivemos o período no olho do furacão, conseguimos ter a dimensão do que a revolução no cinema americano dos anos sessenta foi capaz e também de como ela, já nos anos oitenta, era só uma saudosa lembrança.