quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Cinema Brasileiro e seus Diretores

O cinema brasileiro vive uma crise de identidade. Não sabe se tem de ser hermético, se tem de ser chanchada, se tem de ser televisão. Alguns dizem: “falta roteirista bom neste país de novelistas”. Outros rebatem: “o Brasil só sabe falar de favela”. Já alguns levantam a questão: “o problema é que não temos diretores bons, como antigamente”. A discussão é batida, eu sei, e esta profusão de questionamentos, por vezes repetidos, deve ser reflexo desta busca por respostas, por um norte, um rumo para o cinema feito por aqui. Vou, por enquanto, e para não ficar batendo em teclas através das quais muitos já tiraram notas mais melodiosas do que eu poderia, me deter na problemática apontada sobre os diretores, estes profissionais catapultados à instância de artistas supremos do filme, por conta da política de autores dos críticos da Cahiers du Cinéma, através da revolução que foi a Nouvelle Vague.

Comparar a atual safra de cineastas com as de idos anos é uma covardia, não somente em nível nacional. Não há como colocar lado a lado os gênios que povoavam nas telas, fazendo um recorte específico, da década de 50 até o final dos anos 70, com os bravos que fazem cinema nos tempos de hoje. Há grandes diretores na ativa, e muita gente boa aparecendo, mas na quantidade e profusão vistas outrora, de fato não. Então, objetivamente, de pouco adianta comparar o Cinema Novo e o Marginal com o contemporâneo da produção nacional, pois aí, para ser justo, precisaria comparar a atual cinematografia americana com os saudosos tempos em que Hollywood era composta por nomes como Billy Wilder, Orson Welles, Alfred Hitchcock, entre outros. Covardia. O passado é primordial, imprescindível para que se entenda o presente e, porque não, o futuro, mas vamos nos ater ao momento atual. 


Telão e telinha

No Brasil, e isto acontece em outras partes do mundo também, há alguns diretores que veem na comunicação entre televisão e cinema, uma maneira de aproximar o espectador. Jorge Furtado é um deles. Sucesso estrondoso de crítica com seu curta-metragem Ilha das Flores, o gaúcho fez alguns longas, uns ótimos, outros nem tanto, o que é normal, mas ele não consegue esconder um veio televisivo, ou um meio termo, já que as produções que dirige para a televisão têm um pouco de cinema também. Não questiono o talento de Furtado, gosto muito de alguns filmes dele e de suas produções de TV. Até dos filmes dos quais desgosto consigo tirar algo que me agrade. Mas não há como negar que suas imagens são como híbridos, que sua linguagem, não sei se por buscar uma homogeneização como forma de acostumar o olhar do público que é viciado em TV, é uma quimera entre a telona e a telinha. É uma linguagem, uma via, e não há porque defenestrá-la.


Cidade de Deus e a arte para as massas

Temos muitos autores no Brasil, poucos devidamente reconhecidos. A maioria é formada por figuras carimbadas de festivais, de cineclubes, de redutos de crítica mais apurada, ou seja, de guetos. É a velha dicotomia: popular vs alternativo. Alguns diretores conseguem se equilibrar bem entre o comercial e a arte, mas esta não é uma característica dominante, ou pelo menos, não são muitos os que conseguem contrapesar estas duas frentes. Mas há alguns que conseguiram a mistura perfeita: filme excelente que foi bem de público, como Fernando Meirelles, com Cidade de Deus. Meirelles, aliás, é um caso curioso. Fez um dos melhores filmes brasileiros das últimas décadas. Cidade de Deus é um relato poderoso, o cinema atingindo níveis excitantes em terras brasilis. Tanto é que o sucesso internacional do filme fez com que ele, o diretor, fosse alçado à categoria dos artistas emergentes no cenário internacional, o que lhe possibilitou, entre outras coisas, entrar no mercado internacional. Dirigiu filmes como O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. Entusiasta que sou de Cidade de Deus, tinha muita expectativa quanto aos projetos internacionais de Fernando, mas devo dizer que me decepcionei, com ambos. Jardineiro Fiel arrebatou prêmios, fez relativo sucesso, mas a meu ver é um filme que peca pela esterilidade, tanto da história como de seus personagens. Já em Ensaio Sobre a Cegueira, Meirelles construiu um filme distante, frio no sentido de não permitir que nos aproximemos dos personagens, um filme quase gélido, meio estéril também para falar a verdade. As recentes declarações de Meirelles de que filmará no Brasil apenas obras televisivas, deixando sua carreira no cinema para o exterior, fazem com que eu não tenha muita fé no diretor. Não é nacionalismo da minha parte, mas um entendimento de que Meirelles tende a se transformar mais em artesão, trabalhando em projetos menos pessoais de exportação, do que confirmar a veia autoral exposta em Cidade de Deus. Fernando tem qualidades, sem dúvidas, mas meu medo é de que já tenha feito seu grande filme e seja, mesmo que inconscientemente, acomodado por isto.


Walter Salles, o espelho de uma geração

Um grande diretor brasileiro, em minha opinião o melhor deles atualmente, que não goza de muito apelo frente ao grande público, é Walter Salles. Dono de um conhecimento enciclopédico sobre cinema, Walter, que é irmão do excelente documentarista João Moreira Salles, vem, ao longo dos últimos vinte anos, construindo uma carreira sólida, composta por filmes, sejam eles premiados ou não, de comprovado valor artístico para a cinematografia brasileira. Filmes como Central do Brasil, Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta, só para citar alguns, são obras inspiradoras, maravilhosos estudos de personagem. É claro que Walter teve incursões erráticas pelo cinema internacional, como em Água Negra, mas seu prestígio continua de tal forma intacto, que foi o escolhido por Francis Ford Coppola para levar às telas um dos livros mais importantes da cultura americana, a bíblia beatnik Pé Na Estrada (On Te Road), com filmagens previstas para iniciarem em agosto. Portanto, seu próximo filme é, desde já, cercado de muita expectativa. Além de seu olhar como diretor, Walter Salles é ainda muito respeitado por sua atuação, por meio de VideoFilmes, como produtor (incluídos aí os filmes mais recentes do excelente argentino Pablo Trapero). Aliás, a VideoFilmes ainda presta serviços inestimáveis à memória cinematográfica do país por meio da restauração e do lançamento em DVD de obras seminais, como os filmes de Leon Hirszman, por exemplo.


Um certo olhar brasileiro

Na verdade, são muitos os cineastas brasileiros que merecem destaque e deferência por seus trabalhos. Vários deles, e isso é um problema que também acomete os nomes mais badalados, têm dificuldades para emendar um projeto atrás do outro. Sempre o velho problema do financiamento, das burocracias. No entanto, estes cineastas superam as dificuldades, remam contra a maré do conformismo. Nominar é sempre difícil, pois no recorte sempre faltam nomes que mereceriam citação. Mas não temos como falar de produção cinematográfica brasileira contemporânea sem citar nomes como: Claudio Assis, Hector Babenco, Philippe Barcinski, Selton Mello, Beto Brant, Karim Aïnouz, José Padilha, Marcelo Gomes, Lais Bodanzky. Tampouco dá para esquecer que nomes muito ativos e celebrados em outros tempos ainda fazem cinema. Nelson Pereira dos Santos, Andrea Tonacci, Júlio Bressane e Eduardo Coutinho são alguns destes velhos lobos do mar, que encararam as mudanças do tempo, a ditadura, o fim da Embrafilme, a retomada, e mesmo que de maneira menos profílica, tocam seus projetos, alguns bastante celebrados quando submetidos a público e crítica, inclusive. Até Arnaldo Jabor promete lançamento este ano, depois de décadas longe das câmeras.

É claro que este texto é uma tentativa, não de explicar, de apontar caminhos e soluções. Os destaques e recortes feitos foram pautados pela subjetividade e dotados de inevitáveis omissões, seja por falta de conhecimento ou esquecimento mesmo. Também devo dizer que foquei mais na produção de longas ficcionais por não conhecer a fundo a produção nacional de filmes curtos e dos documentários. Não tenho dúvidas de que o Brasil tem muitos talentos guiando filmes, muitas contribuições à pluralidade da cinematografia brasileira. Se peguei Furtado, Meirelles e Salles como “Cristos”, cada qual dentro de um perfil de trabalho, poderia tê-lo feito com outros diretores, pois há muitos que dialogam com a televisão, poucos que agregam sucesso de crítica e público (mas estes tendem a, com o tempo, enveredar por campos que busquem somente agradar o público, fazendo à ele concessões) e os que se dedicam com toques de poeta ao ofício da escrita cinematográfica mas que, infelizmente, criam obras pouco vistas pela massa. Estas não são as únicas definições, há muitas mais, muitas nuances que me fogem e/ou que me pareceram, de certa forma, dispensáveis para a linha de pensamento que se fez presente no texto. Então se temos bons diretores, qual é o problema? Dizem muitos que o problema é a falta de roteiristas. Matéria para uma próxima reflexão. É como disse no início, as discussões sobre os rumos do cinema brasileiro são muitas, até saturam às vezes, mas uma das maneiras de enriquecimento do meio, principalmente quando olhamos a sétima das artes como forma de modificação, como agente transformador dos indivíduos de uma sociedade, se dá pela discussão, troca de idéias e, porque não, pela teorização das problemáticas como busca das soluções. Diálogo nunca é demais. A busca por respostas continua.

Como sequência da refexão, indico o ótimo texto de Luiz Zanin sobre os Impasses do Cinema Brasileiro.

2 comentários:

  1. Ao menos continuamos fazendo cinema, não é mesmo?

    Gostei bastante de seu texto Celo, uma pincelada rápida porém bastante abrangente do cinema que muitos ignoram, mas que eu, você e tantos outros botam fé, que é o cinema brasileiro.

    Não é a toa que um dos melhores filmes que vi esse ano, e em outros também, confesso, foi nacional: "Os Famosos e os Duendes da Morte". Temos ótimas peças cinematográficas aqui, sem dúvida, e cabeças ótimas para a sétima das artes.

    Abraços guri!

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  2. Olá, Celo!
    Como um declarado apaixonado pelo cinema nacional, gostei muito de seu texto, o qual nos faz pensar em algo que por vezes deixamos de lado.

    Abraçosssss

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