Decálogo (1989) é uma minissérie televisiva polonesa, concebida e
dirigida por Krzysztof Kieślowski, cineasta responsável, entre outras
realizações, pela igualmente incontornável Trilogia das Cores. Composta de dez
filmes, com cerca de uma hora cada, aborda os mandamentos bíblicos registrados
no Antigo Testamento. Propus uma espécie de desafio à amiga Bianca Siqueira, de
ela assistir a todos os episódios e escrever algo para o The Tramps. Desafio aceito, portanto publico aqui, em duas partes,
sua visão a respeito de Decálogo.
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Amar a Deus sobre
todas as coisas
O primeiro episódio faz um paralelo entre a alma e o espírito. Somos levados, por um professor e seu filho, a pensar o intangível, o imponderável e, na possibilidade deste se materializar na concretude dos equipamentos eletrônicos, nas premissas científicas ou tão somente na prática religiosa da irmã/tia. A alegria com que esta família se relaciona com a lógica extrapola a frieza dos cálculos e Amar a “Deus” sobre todas as coisas parece estar na prática cotidiana, no espírito da “coisa” e não em sua defesa cartesiana personificada pela igreja. Mas, quis o “destino” lhes apresentar uma tragédia e, a alma atordoada desta família pode ter perdido o seu link com o Amor.
Não invocarás o
nome de Deus em vão
A medicina, ciência capaz de “negociar” com a vida e a morte, aparece no segundo episódio (mandamento) representada por um homem comum que vive sua vida solitária, serenamente. As urgências ou temores dos seus pacientes (parentes destes) não encontram ressonância nas suas emoções. Mas, observando a sua clinica reparamos que a sua conduta prevê cuidados com a alma e que seu(s) diagnóstico(s) médico tende(m) a salvaguardar o direito a vida antes de qualquer outro direito. Quando ele mente sobre o diagnóstico clínico do seu paciente está com certeza aliviando a culpa da gestante (esposa deste paciente). Este procedimento resulta na possibilidade do nascimento de um bebê e conseqüentemente no “milagre” da vida.
Guardar domingos e
feriados
O Natal (festa religiosa) se anuncia pela tradição e com ele os ritos, reuniões familiares encontros religiosos, onde a noção do certo e errado, bom e mau, etc, se estruturam ou se alimentam. Valores são compartilhados desde os mais velhos até os mais jovens. Os desejos, as paixões, os medos e as traições são experimentados sob a chancela desta tradição. Os papéis desvinculantes são marginalizados. A perversão está posta, mas somente para a experimentarmos como uma sacudida nas estruturas enferrujadas da tradição. A retomada da engrenagem estrutural (lubrificadas pelas paixões) pode ser um prazer ainda maior (pós excitação). Oh,Oh Oh!
Honrar pai e mãe
Pai e filha se relacionam e se divertem como um casal sem
se darem conta desta particular afinidade, mas esta atração fica cada vez mais
evidente. A “descoberta” de que não é filha natural deste pai vai acarretar em
uma exposição dos sentimentos (de ambos os lados) reveladores deste afeto que
se traduzirá em atração sexual. A simples dissociação do vínculo parental
liberava-os do pecado (incesto) e permitia o encontro desejado. Mas o
constrangimento moral ainda os rondava... Então, pai e filha destroem a possível liberação dos desejos carnais e
continuam a traçar sua relação parental com o mesmo afeto filial que haviam
construído até então.
Não matarás
Jovem entediado e sem rumo
comete pequenos delitos em busca de algum sentido (prazer) nas ruas e bares da
cidade. Está determinado a quebrar valores, pelos quais, não se encontra
refletido (representado). Observa um taxi e a possibilidade de roubá-lo lhe parece
interessante. Mas, para a execução deste roubo deveria matar o taxista. A
banalidade com que este jovem executa este pensamento /crime sem nenhum
proveito próprio ou social revela muito sobre as circunstâncias culturais em
que vive. A própria justiça reflete sobre suas penalidades e da inutilidade
destas para com os apenados e a sociedade. Mas é com esta mesma banalidade que
tratarão a vida daqueles que estão sob o julgo do ESTADO. Os valores humanos
estão muito aquém dos valores sociais, econômicos... Etc. Um jovem advogado
tenta sublinhar esta condição em que estamos inseridos.
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