quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Decálogo - Krzysztof Kieslowski (Parte I)


Decálogo (1989) é uma minissérie televisiva polonesa, concebida e dirigida por Krzysztof Kieślowski, cineasta responsável, entre outras realizações, pela igualmente incontornável Trilogia das Cores. Composta de dez filmes, com cerca de uma hora cada, aborda os mandamentos bíblicos registrados no Antigo Testamento. Propus uma espécie de desafio à amiga Bianca Siqueira, de ela assistir a todos os episódios e escrever algo para o The Tramps. Desafio aceito, portanto publico aqui, em duas partes, sua visão a respeito de Decálogo.
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Amar a Deus sobre todas as coisas

O primeiro episódio faz um paralelo entre a alma e o espírito.  Somos levados, por um professor e seu filho, a pensar o intangível, o imponderável e, na possibilidade deste se materializar na concretude dos equipamentos eletrônicos, nas premissas científicas ou tão somente na prática religiosa da irmã/tia. A alegria com que esta família se relaciona com a lógica extrapola a frieza dos cálculos e Amar a “Deus” sobre todas as coisas parece estar na prática cotidiana, no espírito da “coisa” e não em sua defesa cartesiana personificada pela igreja. Mas, quis o “destino” lhes apresentar uma tragédia e, a alma atordoada desta família pode ter perdido o seu link com o Amor.


Não invocarás o nome de Deus em vão

A medicina, ciência capaz de “negociar” com a vida e a morte, aparece no segundo episódio (mandamento) representada por um homem comum que vive sua vida solitária, serenamente. As urgências ou temores dos seus pacientes (parentes destes) não encontram ressonância nas suas emoções. Mas, observando a sua clinica reparamos que a sua conduta prevê cuidados  com a alma e que seu(s) diagnóstico(s) médico tende(m) a salvaguardar o direito a vida antes de qualquer outro direito. Quando ele mente sobre o diagnóstico clínico do seu paciente está com certeza aliviando a culpa da gestante (esposa deste paciente). Este procedimento resulta na possibilidade do nascimento de um bebê e conseqüentemente no “milagre” da vida.


Guardar domingos e feriados

O Natal (festa religiosa) se anuncia pela tradição e com ele os ritos, reuniões familiares encontros religiosos, onde a noção do certo e errado, bom e mau, etc, se estruturam ou se alimentam. Valores são compartilhados desde os mais velhos até os mais jovens. Os desejos, as paixões, os medos e as traições são experimentados sob a chancela desta tradição. Os papéis desvinculantes são marginalizados. A perversão está posta, mas somente para a experimentarmos como uma sacudida nas estruturas enferrujadas da tradição. A retomada da engrenagem estrutural (lubrificadas pelas paixões) pode ser um prazer ainda maior (pós excitação). Oh,Oh Oh!


Honrar pai e mãe

Pai e filha se relacionam e se divertem como um casal sem se darem conta desta particular afinidade, mas esta atração fica cada vez mais evidente. A “descoberta” de que não é filha natural deste pai vai acarretar em uma exposição dos sentimentos (de ambos os lados) reveladores deste afeto que se traduzirá em atração sexual. A simples dissociação do vínculo parental liberava-os do pecado (incesto) e permitia o encontro desejado. Mas o constrangimento moral ainda os rondava... Então, pai e filha destroem a possível liberação dos desejos carnais e continuam a traçar sua relação parental com o mesmo afeto filial que haviam construído até então.


Não matarás

Jovem entediado e sem rumo comete pequenos delitos em busca de algum sentido (prazer) nas ruas e bares da cidade. Está determinado a quebrar valores, pelos quais, não se encontra refletido (representado). Observa um taxi e a possibilidade de roubá-lo lhe parece interessante. Mas, para a execução deste roubo deveria matar o taxista. A banalidade com que este jovem executa este pensamento /crime sem nenhum proveito próprio ou social revela muito sobre as circunstâncias culturais em que vive. A própria justiça reflete sobre suas penalidades e da inutilidade destas para com os apenados e a sociedade. Mas é com esta mesma banalidade que tratarão a vida daqueles que estão sob o julgo do ESTADO. Os valores humanos estão muito aquém dos valores sociais, econômicos... Etc. Um jovem advogado tenta sublinhar esta condição em que estamos inseridos.


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Por Bianca Siqueira

Um comentário:

  1. Parabéns aos dois, Marcelo, pela iniciativa, e Bianca, pelo olhar e texto tão afinado. Adoro Decálogo, julgando-o fora das restrições taxativas das nomenclaturas "série", "filme"... É uma obra-prima do audiovisual.

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