sexta-feira, 30 de abril de 2010

Opinião: Viva a burrocracia!

Tentarei fazer um texto breve, não reacionário ou irado, pois isso tiraria qualquer sensatez ou mesmo a completa validade de minhas palavras. Embora seja uma tarefa difícil e delicada, a de não se inflamar um discurso quando o tema provoca imensamente o autor, farei o possível. O assunto da vez foge da proposta principal desse espaço – embora se relacione diretamente com ela. Então peço licença aos leitores desse blog para falar sobre a burrocracia dos censores de projetos artísticos de Caxias do Sul que intencionam ser financiados pelo município.
A burocracia (abrindo mão temporariamente do neologismo), intransigência e irredutibilidade desses censores e daqueles que ditam as regras para a apresentação dos projetos é, sem dúvidas, uma pedra no sapato de qualquer pessoa que queira iniciar uma carreira no meio nessa cidade. Acredito que a realidade deve ser semelhante em outros locais do país, mas posso apenas dizer com certeza que o problema ocorre aqui – e tende a piorar.

Não julgo incorreta a necessidade de mil justificativas, currículos, orçamentos e tudo mais que é necessário para a inscrição de um projeto pelo qual se intenciona financiamento municipal, muito pelo contrário: é assim que se verifica a validade e coerência desses projetos e se diferencia os realizadores e produtores culturais de “artistas” mal intencionados, que procuram no financiamento de um projeto uma forma de remuneração, antes de qualquer coisa.

A necessidade de tais comprovações é essencial, insisto, porém não é no que consiste o projeto, e sim na proposta do mesmo. Isso, porém, é descartado inteiramente de início. O que se avalia primeiramente é a composição de intermináveis três vias do projeto apresentado, devidamente encadernadas, com todas as páginas numeradas e rubricadas. Como na pré-escola, o aluno mais caprichoso e atencioso ganha uma pequena estrela dourada, que aqui é o encaminhamento para a avaliação do projeto em si e ao que o mesmo se propõe. Aquele que comete uma falha, por menor que seja, é repreendido e, diferente da professora da pré-escola supracitada, que permite uma correção e reparação do erro, a intolerante comissão avaliadora inabilita o projeto sem sequer saber qual é a proposta do mesmo – sem chances de quaisquer recursos para que o problema seja resolvido. E nesse momento não há argumentação que seja válida.

Se o leitor se faz agora uma inevitável pergunta, respondo de antemão: sim, era proponente em um projeto cultural que foi inabilitado. O motivo? Em uma das três intermináveis vias do meu projeto um erro foi encontrado, onde um orçamento estava incorreto e diferente das outras duas vias. Não peço perdão pelo meu erro, por ter imprimido um orçamento errado. Pelo contrário, assumo-o! O que espero, e efetivamente solicitei quando soube da inabilitação, é a possibilidade de corrigir o problema, de substituir uma simples folha por outra onde o problema inexistisse. Mas esta não era uma opção – embora tenha sido nos editais de outros anos.

E assim como no caso acima relatado, outros vários projetos recusados esperavam por seus proponentes, que se desolariam assim que chegassem à Secretaria Municipal da Cultura e recebessem a péssima notícia da inabilitação. Por informação recebida dentro do próprio local, mais de 25 outros projetos seriam devolvidos – por erros tão simples quanto ou ainda menos que o descrito previamente.

E então a intenção que se aproxima do altruísmo, de trabalhar para promover a cultura através de diferentes meios dentro de nossa cidade - que ainda engatinha nesse aspecto – se acaba para muitos. Mas não para mim e para aqueles que aceitaram promover a primeira mostra de cinema e debates de Caxias do Sul, incluindo os outros dois editores desse blog, Marcelo e Rafael Müller. O projeto segue em frente, seja com ou sem financiamento, com ou sem o apoio daqueles que deveriam fomentar a produção cultural feita por cidadãos da cidade - fomento que se torne cada vez mais curioso, começando pelo fato da cidade ter doado sem quaisquer explicações concretas R$ 100 mil para uma produção da capital gaúcha.


E viva a incoerência, viva a burrocracia!

domingo, 25 de abril de 2010

O Terceiro Tiro

Olá, caro amigo-leitor.

Bom, hoje visitei paragens que poucas vezes sentiram minha presença em anos, devido a minha ausência sem motivo específico para existir. De forma mais objetiva, assisti ao filme de 1955, apesar de não datado, O Terceiro Tiro (The Trouble with Harry), do mestre inglês Alfred Hitchcock, do qual pequeníssima parte de sua filmografia assisti.

O filme traça a história peculiar de quatro personagens ligados pelo confronto com o acaso: um corpo, estendido no bosque às margens de um pequeno vilarejo. Mescla genial de suspense e comédia, caracterizando como heterogêneo um produto final estupendo. Comove pela destreza utilizada em todo o detalhe de sua realização. Hitchcock têm movimentos elegantes de câmera, os quais capturam imagens de um colorido outonal com perda de saturação. O roteiro é excêntrico à princípio, tom que a película toma de assalto como eixo para sua narrativa, não só no tocante às palavras, mas também ao visual e sonoro.

Nada é por acaso na produção. Há momentos em que o diretor inglês suspende nossa atenção, curiosidade e apreensão de maneira que presenciei em oportunidades escassas. Certas cenas que despertam tais sentimentos e reações divertem o cineasta diante da ingenuidade dos que apreciam a sucessão dos acontecimentos, quando estes são plenamente banais para o incrível cozer sinuoso e peralta do artista.

E parto em busca de visitais mais rotineiras à sua famigerada obra. Acredito que não hoje, mas ontem, como talvez afirmaria o carismático Arnie.


sábado, 24 de abril de 2010

O cinema, a sociedade e seus personagens

Você já assistiu algum filme finlandês? Se sua resposta for negativa, não se sinta culpado, até porque são filmes que não chegam facilmente ao Brasil, e a Finlândia não é bem um país referencial no quesito cinema. Mesmo assim, e baseado na qualidade dos filmes de lá a que tive a oportunidade de ver, não resisti em fazer um comentário sobre a forma como eles parecem refletir bem a sociedade onde estão inseridos. Cada filme, ao menos aqueles feitos com um pouco de esmero e talento, carregam um pouco da sociedade em que nasceram. Mesmo que seja um exemplar de perfil internacional, geralmente alguma coisa o caracteriza como sendo de uma localidade, algo o coloca em simbiose com a cultura que o gestou e o pariu. E assistir a filmes de diversos países pode nos trazer este conhecimento, mesmo que limitado pela visão do diretor e da equipe, sobre as culturas, os povos e as formas como se estruturam seus sistemas sociais.

Assisti, não há muito tempo, alguns filmes de Aki Kaurismäki, um dos mais célebres realizadores da Finlândia. Pois bem, os filmes de Kaurismäki são ótimos, urbanos e movidos pelos personagens, que são sempre pessoas simples, sem um aparente elemento de interesse destacado. São pessoas comuns, buscando coisas simples, procurando a felicidade em coisas banais que as farão, de fato, felizes. É a tal máxima de que a felicidade está nas pequenas coisas. O que chama atenção, são as reações destes personagens do diretor, aparentemente distanciadas, frias mesmo. É como se eles pouco se importassem com a desgraça, ou mesmo pouco comemorassem as alegrias. Meu irmão, o Rafa, até brinca que ver um filme de Kaurismäki é como “comer chocolate diet”. Preciso discordar dele neste sentido. Os personagens dos filmes e Kaurismäki são frios, pois a sociedade finlandesa é assim (deduzi pelo que li e por conta destes filmes), muito diferente da passionalidade que nos domina, dos rompantes e exteriorização de sentimentos que são próprios de nossa sociedade. Dentro deste contexto, e utilizando o expediente de analisar com afinco o sofrimento e os dilemas dos personagens, penso que não tendo estas reações catárticas que a maioria dos filmes nos mostram (porque a maioria das sociedades é assim) os finlandeses, aqui representados pelas personas de Kaurismäki, sofrem angustiados, represam suas emoções. A agonia de não demonstrar sentimentos, de passar quase que de forma plácida pelas adversidades e seus vilões cotidianos, fazem dos personagens de Kaurismäki uma lição, não somente do ponto de vista da diversidade cinematográfica, mas como representantes diegéticos da sociedade onde foram concebidos.

Não digo que todos tenham de gostar, entrar na onda, até porque, às vezes, o mistério de nosso envolvimento com um filme é, como eu mesmo nominei, um mistério, que transcende as teorias ou nossa racionalização. Do outro lado, fica a dica de reflexão, para que não fiquemos alheios ao resto do mundo, bitolados a apenas o que nos é próximo, familiar. Os personagens de Aki Kaurismäki não são como eu e, provavelmente, não como você, mas são o recheio ideal para que entendamos uma sociedade tão diferente da nossa, com valores, crenças, anseios e dificuldades tão distintos mas que, de alguma forma, podem encontrar eco em nossos próprios problemas, ou em nossas pequenas felicidades.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um Poderoso Cinema


Uma das coisas que se espera de um cinéfilo é que ele tenha visto todos os filmes conhecidos, todas as obras seminais, os blockbusters, os filmes de arte, enfim, todos os perfis, além de artistas, linhas narrativas, e ainda que tenha todos os nomes na ponta da língua. Acredito que um cinéfilo mesmo, daquele interessado no cinema como arte de modificar o ser humano por meio de sua sucessão de quadros por segundo (e sempre que posso faço mesmo esta diferenciação, pois os anseios deste perfil de apreciador de cinema são muito distintos, muito específicos, mais profundos, eu diria), tenha como meta esta abrangência toda, este conhecimento. O problema é que este conhecimento leva muito tempo para ser construído, muito estudo em torno do cinema, suas ferramentas e linguagens, e mesmo a absorção destes conhecimentos, ou mesmo dos nomes dos profissionais que com o cinema trabalham, leva tempo. Então, se você é reconhecido por muitos amigos como “aquele cara que sabe tudo de cinema”, apronte-se para ser sabatinado de pouco em pouco sobre o tema. Sempre terá um espírito-de-porco que colocará à prova seu saber, seu domínio acerca da sétima arte. Este perfil de inquisidor (faça-se jus, nem sempre de todo mal intencionado) parece nascido para propor testes que mostrem aos outros que você “não é tudo isto”, que “não sabe tanto assim”.

Falo isto pois, um dos filmes que me pediam, com frequência, se já tinha sido por mim visto era O Poderoso Chefão, a obra máxima de Francis Ford Coppola. Quando minha resposta iniciava-se com um “não”, muitos demonstravam perplexidade - “como você ainda não viu?”, e a vergonha, confesso, tomava conta de mim. Não por causa da minha falha de conhecimento ou mesmo pelo medo de não ser reconhecido como “alguém que entende de cinema”, mas pela falta que sabia estar cometendo comigo mesmo em não ter visto o filme e, por conseguinte, suas sequências. Deixo claro, não é o ego que faz com que me coloque na figura de alguém em quem as pessoas veem um referencial de conhecimento sobre cinema, até porque nem acho que isto me traria alguma vantagem, pelo menos não uma substancial. É que num meio cheio de pessoas que enxergam no cinema apenas a magia do entreter, qualquer um que buscar ter um olhar mais apurado, transpor algumas camadas em busca da complexidade da arte cinematográfica, será visto como um ET que “entende tudo de cinema”. Acontece com você também, certo?

Digo tudo isto, correndo o risco do enfado que a prolixidade geralmente traz, para externar que há menos de uma hora assisti, finalmente, O Poderoso Chefão, a primeira parte da trilogia. Poderia, como pensei ao final do filme, escrever uma espécie de resenha crítica do mesmo, mas para isto precisaria que ele e seus efeitos decantassem mais, e a absorção de sua excelência como cinema ainda ocorre em mim, portanto tenho medo de ser omisso ou raso em meu texto. Mas também senti a necessidade de escrever algo, pôr no papel (mesmo que ele seja virtual), um pouco do que achei do filme: uma verdadeira obra-prima. Coppola criou, por meio da máfia e tendo como base um best seller, um tratado sobre a família, a vingança, a sobriedade, sobre viver e morrer pelos filhos, a fragilidade da existência, o poder, enfim, sobre tanta coisa. É um dos melhores filmes que já vi, e não atribuo esta euforia à ainda fresca audiência, mas ao espetáculo narrativo que Coppola me proporcionou; às luzes e sombras de Gordon Willis; à música de Nino Rota; à um Al Pacino, em tenra idade, mostrando a transformação de um ser humano por conta das circunstâncias (nada forçado, muito sutil, verossímil); e à Marlon Brando, o maior ator que já se exibiu para uma câmera de cinema, com o qual chorei por duas vezes neste filme, exatamente quando ele se mostra frágil por conta das desgraças dos filhos, quando seu pranto parece romper uma casca, uma carcaça cansada de tanto sangue do seu sangue derramado.

Assistir O Poderoso Chefão foi um pagamento de dívida a mim mesmo e, agora que sei o que as sequências podem me trazer, pelas críticas históricas e por minhas próprias expectativas, não demorarei muito a assistí-las, não por medo de ser taxado como “alguém que não sabe tudo de cinema”, isto não me importa, de verdade, mas porque eu quero saber mais, e as grandes obras fazem isto conosco, alargam nosso saber. E se alguém, algum dia, aceitar a alcunha de “sabe tudo de cinema”, prontamente rechassem, pois ninguém sabe “TUDO” de cinema, nem de qualquer coisa que seja.

domingo, 11 de abril de 2010

Tubarões e Predadores


O blockbuster, este verdadeiro palavrão ofensivo aos cinéfilo mais xiitas, praticamente nasceu sob a forma de um tubarão que buscava sobrevivência, enxotado de seu habitat natural por conta de alguns que queriam apenas ocupar um espaço que não era o seu, pelo menos não de direito. Steven Spielberg é amado, mas também bastante odiado por gerações de gente de cinema, de gente que gosta de cinema, e tudo porque se atreveu a criar um suspense eficiente, divertido, tenso, que arrebatou platéias do mundo todo, fazendo com que ir ao cinema voltasse a ser moda. Também não exageremos, afinal de contas, o jovem Steven foi um dos cineastas da chamada “Nova Hollywood”, que mudou as coisas no cinemão, que trouxe novas formas de se fazer filmes, distribuir filmes, lançar filmes, ou seja, transformou o cinema em negócio novamente, e dos grandes. A diferença é que, enquanto Dennis Hopper, Arthur Penn, Warren Beatty, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola, entre tantos outros, traziam consigo uma forte influência dos europeus e mesmo dos grandes mestres americanos, tendo verdadeira obsessão pela forma artística do cinema, Spielberg vislumbrava números, gostava da indústria, era um nerd no que dizia respeito a fazer filmes, a entreter. Seu Tubarão é, repito, um filme tenso, muito bem construído, um entretenimento assustador, com lampejos de obra maior. É diversão, e isto não pode ser visto como pecado, é uma das faces do negócio. Ah se tivéssemos hoje blockbusters tão inspirados. Ele criou verdadeiramente um mostro, que engoliu facilmente um modo de se fazer cinema, sufocou o autor, o artista, valorizando novamente a bilheteria, as campanhas. Esta foi a parte ruim. Como bem define uma passagem do livro Como a Geração Sexo Drogas e Rock'n'roll salvou Hollywood, de Peter Biskind, "...Spielberg foi o cavalo de tróia através do qual os estúdios recobraram o poder". Começava a volta de Hollywood ao caminho da produção, dos engravatados no poder, em detrimento de uma visão mais poética, como pregavam os diretores que a tinham salvado da derrocada anteriormente. O sistema se aproveitou destes caras, destes diretores que tinham o que dizer e sabiam como, e, quando pôde, os tirou do poder, lentamente, passando a ser novamente seu empregador, retomando o controle.

Esta geração que ganhou crédito colocando o dedo na ferida, que chegou botando banca de novos donos da indústria, respaldados por ótimas bilheterias, críticas positivas que ressaltavam a qualidade, o viés político, a juvenil inconsequência, que lhes permitia acertar sem medo de errar, ou mesmo mandar tudo ao inferno caso houvessem críticas negativas, promoveu uma mudança, sem dúvida. E o tubarão - a criatura - de Spielberg, mais do que um êxito, até então sem precedentes, pode ser visto como símbolo, mesmo que apenas na cabeça deste que vos escreve, da “Velha Hollywood”, já que ambos eram os, vamos dizer assim, donos do habitat: produzindo da forma como queriam, caçando para alimentar uma fome de gigante. Feras descomunais, maiores que os naturais de sua espécie. Os novos, esta geração que veio tomar de assalto Hollywood, seriam, segundo esta analogia, como os humanos que triunfaram contra a fera, contra o sistema que quis os engolir, mas que acabou subjugado, explodido. Saindo agora da metáfora, mas não muito, a ironia é que Tubarão foi um dos filmes que, ao abrir os olhos da indústria para a mina de ouro que tinham nas mãos (falamos de muito, muito dinheiro) deu um jeito de ressuscitar, domesticar os predadores, fazendo deles aliados, praticamente sufocando o cinema de autor americano, tonando ele uma exceção. Qual a lição de tudo isto? Não se subestima uma fera, ainda mais quando ela navega em águas que conhece como poucas. Em Tubarão, Spielberg parece profético nesta relação - sim, voltamos fortes à metáfora, pois, em dado momento um dos personagens diz que os tubarões fazem “tubarõenzinhos”. Se a “Velha Hollywood” certa vez explodiu, como o tubarão do jovem Steven, logo vieram seus herdeiros que, como que atraídos por uma mancha de dinheiro no oceano da indústria do cinema, souberam muito bem domesticar os predadores humanos ligados à arte, e os fizeram presas fáceis, utilizando eles mesmos e sua força criativa como mandíbula.

domingo, 4 de abril de 2010

Aprendizagem particular da compreensão artística / cultural


Olá, caro amigo-leitor.

Há cerca de uma semana comecei a leitura de Imagens (Martins Fontes, 2001, 448 páginas), livro em que o cineasta sueco Ingmar Bergman rascunha sobre sua vida e as motivações artísticas e/ou comerciais que o levaram à suas produções. No princípio, semelhante a ocasiões passageiras e, acredito, ainda vindouras, certa dificuldade se apoderou de minha percepção, que claramente sofreu perda de fluidez. Eis o motivo desta reflexão com pretensões inapropriadas ao academicismo.

A leitura não se faz presente e plena em sua totalidade apenas com o conhecimento do alfabeto e suas conexões primárias. Nem mesmo o conhecimento de verbos, interjeições, adjetivos, preposições, a garantem. Afirmo que temos de aprender a ler certa obra ou certo autor. É o que, por motivos que me fogem da exatidão, chamo de aprendizagem particular da compreensão artística / cultural.

Os diversos autores e artistas, aqui procuro me deter no foco literário, apesar de não lhe fornecer exclusividade de fundamentação, produzem diversos estilos e tipos de narrativa. Com as mesmas palavras, dois ou mais artistas podem promover uma discussão por meio da divergência intelectual. No tocante analisado de maneira diminuta e nada satisfatória que compõe a história recente deste texto, há também a formatação (itálico, negrito, recuo de parágrafo...), onde no decorrer da experiência de leitura, compreendemos a lógica empregada por seu realizador.

Tomemos como exemplo o cinema: a palavra “amor”, proferida por uma personagem de Bergman, geralmente, carrega consigo uma aspereza, uma ilusão, por vezes uma amargura. Já no cinema do coreano Wong Kar-wai, soa como platônico, uma projeção, sentimento verdadeiro e puro almejado.

O blog aqui presente não é uma bolha na realidade tal qual a enxergo e, como acontece nas outras mídias - literatura, cinema, música, pintura, basta analisarmos se devemos nos dispor ao aprendizado de sua leitura como ela se apresenta.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Apenas o Fim

Direção: Matheus Souza
Roteiro: Matheus Souza
Elenco: Érika Mader, Gregório Duvivier, Nathalia Dill, Álamo Faço, Julia Gorman, Marcelo Adnet, Anna Sophia Folch

Apenas o Fim é uma avis rara na atual cinematografia brasileira quase que cem por cento financiada por leis de incentivo à cultura, por subsídios oriundos das verbas públicas. Matheus Souza, então aluno da faculdade de cinema da PUC – RJ, escreveu o roteiro, reuniu amigos, utilizou equipamento de aula e se propôs a filmar, a criar um filme meio que na guerrilha, com quase nada de dinheiro e muita vontade de fazer. Para surpresa de muitos, creio que inclusive de Matheus, o filme foi parar na última edição do Festival do Rio, de onde saiu como vencedor na categoria melhor longa-metragem pelo voto popular e ainda recebeu menção honrosa do júri oficial. Nada mal para um filme amador, feito com grande parte da equipe formada por estudantes, mas, essencialmente, por gente cheia de vontade, e de talento, diga-se de passagem.

A trama é simples, se passa durante uma hora na vida de duas pessoas que estão se separando. Ele escolhe a conversa em detrimento ao sexo da despedida. Ela, não se sente feliz, quer ir embora, sabendo que nem isso a fará plena, lhe falta algo desde a infância, como se um buraco fosse empecilho para uma satisfação integral. Soa como uma inconstância da juventude, um existencialismo do qual só os jovens em sua irresponsabilidade inocente podem se permitir, numa profundidade claudicante. Os dois refletem sobre a situação, sobre as questões primárias do amor e das relações que ele propicia, mas longe dos arroubos dramáticos dos personagens de filmes similares. Até mesmo o tom aponta para um tipo novo de percepção, oriunda de uma geração que leva na bagagem muito mais do que religião e dogmas restritivos.

Por mais que não seja, em si, um filme espetacular, Apenas o Fim merece elogios, alguns rasgados, outros mais no intuito de exaltar a forma como o filme foi feito, como incentivo ao talento e a coragem. As referências a cultura pop, principalmente marcadas na geração do final dos anos oitenta e início dos anos noventa, pululam aos montes durante o filme, principalmente nas falas do protagonista, que deve ser um alterego do diretor. Matheus parece ter utilizado tudo que o formou como pessoa, para caracterizar seu personagem. É particularmente delicioso ouvir sacadas espertas sobre Cavaleiros do Zodíaco, He-Man e Power Rangers, elementos que moldaram a geração que, por coincidência também é a minha. Não sei, sinceramente, como o filme dialoga com quem não foi formado por este período. Paradoxalmente, a quantidade de referências e a forma como elas dão um viés cômico/nostálgico interessante à trama, são elemento nocivo, pois acostumam mal o espectador e fazem falta. Sem este artifício, a narrativa fica um pouco à deriva, gravitando em torno de momentos pouco inspirados, que dão um caráter até repetitivo a certas passagens. Mas aí vem outra tirada inteligente, outra boa sacada sobre relacionamentos e jovens promessas de amor, e parece que a atenção se renova, e isto é um ponto positivo: a peteca até cai, mas logo é alçada novamente.

Os atores Erika Mader e Gregório Duvivier formam um casal simpático, tem química. Gregório faz o tipo neurótico, nerd e que é cheio de manias, medos e outras particularidades. É uma espécie de Woody Allen tupiniquim, classificação esta que se aplica ao próprio ator, que se especializou neste personagem e parece encarná-lo a cada novo papel. Erika Mader tem carisma, mas claramente se apóia em Gregório, em seu personagem mais rico, mais verborrágico. Coisas do roteiro, a atriz sabe desempenhar muito bem o que lhe dão.

Mais do que ser celebrado como um novo talento do cinema brasileiro, ou mesmo como o novo Domingos Oliveira (precoce ainda falar se seu talento suporta as comparações), Matheus Souza merece elogios acalorados pela forma como fez, pelo amadorismo despretensiosamente delicioso com o qual construiu seu filme. Se a câmera registra as imagens com pouca sensação de volume, com uma fotografia chapada e algumas falhas técnicas, logo vem um movimento de câmera inspirado, um enquadramento perspicaz para nos lembrar que o diretor pode ainda estar em formação, mas tem capacidade. Não é questão de ser indulgente, mas frente ao charme de um filme tão sincero e simples, seria injustiça dar peso excessivo a suas falhas e inconstâncias. Um filme muito bom, de um talento a se lapidar.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

FAMA ou Fama?


O remake do filme Fama, que já está nas locadoras, nem chega aos pés do original de 1980, dirigido pelo ótimo Alan Parker, que teve até Madonna na audição para elencar o longa-metragem. Em sua primeira versão, Nova York como pano de fundo, conta a história de estudantes de diversas origens sociais, que comungam o mesmo objetivo, o de viver somente de/para a arte. Numa escola de artes cênicas, Alan Parker faz eles se depararem com seus sonhos e frustrações no decorrer do curso, mas acima de tudo almejar serem amados e reconhecidos artisticamente. O filme ganha força com Irene Cara (Coco Hernandez), que apresenta, durante o longa, a canção principal e que virou antológica para os amantes de musicais quando vários bailarinos param uma das ruas da Big Apple para dançar em cima dos carros (cena esta que foi excluída na versão 2009).

Além de Irene, outros personagens dão cores e movimentos à trama, como Ralphy Garcy, um comediante porto-riquenho de vida sofrida; Leroy Johnson, um jovem negro de família pobre e dançarino de rua em busca de algo melhor; Doris Finsecker, uma tímida garota judia que sonha em se tornar um grande atriz e cantora; Bruno Martelli, um gênio da música cuja a arte é incompreendida; Montgomery McNeil, um sensível aluno de teatro; Lisa Monroe, uma estudante apaixonada pela dança; e Hilary Van Doren, uma bela garota loira de família rica que estuda balé clássico. Já na versão atual, os adolescentes apenas buscam a fama pela fama (como sair em capas de revistas, passear por um tapete vermelho e mostrar que são os melhores da sua geração). Nem mesmo a presença da talentosa Megan Mullally (Will and Grace) dá algum toque especial ao filme. Apesar de estar recheado de coreografias, a trama não se segura e se perde completamente no meio do caminho. Fama por fama, melhor voltar ao passado. Prova mais uma vez que os anos 1980 fizeram história e lançaram moda.

Fama - 1980
Prêmios e indicações

Oscar 1981 (EUA)
• Venceu nas categorias de Melhor Trilha Sonora e Melhor Canção Original (Fame).
• Foi indicado em outras quatro categorias: Melhor Roteiro Original, Melhor Edição, Melhor Som e Melhor Canção Original (Out Here On My Own).

Globo de Ouro 1981 (EUA)
• Venceu na categoria de Melhor Canção Original (Fame).
• Foi indicado em outras três categorias: Melhor Filme - Comédia / Musical, Melhor Atriz - Comédia / Musical (Irene Cara) e Melhor Trilha Sonora.

BAFTA 1981 (Reino Unido)
• Venceu na categoria de Melhor Som.
• Foi indicado também nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora e Melhor Edição.

Prêmio César 1981 (França)
• Indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.



Remake



Raulino Prezzi, especial para o The Tramps