quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um Poderoso Cinema


Uma das coisas que se espera de um cinéfilo é que ele tenha visto todos os filmes conhecidos, todas as obras seminais, os blockbusters, os filmes de arte, enfim, todos os perfis, além de artistas, linhas narrativas, e ainda que tenha todos os nomes na ponta da língua. Acredito que um cinéfilo mesmo, daquele interessado no cinema como arte de modificar o ser humano por meio de sua sucessão de quadros por segundo (e sempre que posso faço mesmo esta diferenciação, pois os anseios deste perfil de apreciador de cinema são muito distintos, muito específicos, mais profundos, eu diria), tenha como meta esta abrangência toda, este conhecimento. O problema é que este conhecimento leva muito tempo para ser construído, muito estudo em torno do cinema, suas ferramentas e linguagens, e mesmo a absorção destes conhecimentos, ou mesmo dos nomes dos profissionais que com o cinema trabalham, leva tempo. Então, se você é reconhecido por muitos amigos como “aquele cara que sabe tudo de cinema”, apronte-se para ser sabatinado de pouco em pouco sobre o tema. Sempre terá um espírito-de-porco que colocará à prova seu saber, seu domínio acerca da sétima arte. Este perfil de inquisidor (faça-se jus, nem sempre de todo mal intencionado) parece nascido para propor testes que mostrem aos outros que você “não é tudo isto”, que “não sabe tanto assim”.

Falo isto pois, um dos filmes que me pediam, com frequência, se já tinha sido por mim visto era O Poderoso Chefão, a obra máxima de Francis Ford Coppola. Quando minha resposta iniciava-se com um “não”, muitos demonstravam perplexidade - “como você ainda não viu?”, e a vergonha, confesso, tomava conta de mim. Não por causa da minha falha de conhecimento ou mesmo pelo medo de não ser reconhecido como “alguém que entende de cinema”, mas pela falta que sabia estar cometendo comigo mesmo em não ter visto o filme e, por conseguinte, suas sequências. Deixo claro, não é o ego que faz com que me coloque na figura de alguém em quem as pessoas veem um referencial de conhecimento sobre cinema, até porque nem acho que isto me traria alguma vantagem, pelo menos não uma substancial. É que num meio cheio de pessoas que enxergam no cinema apenas a magia do entreter, qualquer um que buscar ter um olhar mais apurado, transpor algumas camadas em busca da complexidade da arte cinematográfica, será visto como um ET que “entende tudo de cinema”. Acontece com você também, certo?

Digo tudo isto, correndo o risco do enfado que a prolixidade geralmente traz, para externar que há menos de uma hora assisti, finalmente, O Poderoso Chefão, a primeira parte da trilogia. Poderia, como pensei ao final do filme, escrever uma espécie de resenha crítica do mesmo, mas para isto precisaria que ele e seus efeitos decantassem mais, e a absorção de sua excelência como cinema ainda ocorre em mim, portanto tenho medo de ser omisso ou raso em meu texto. Mas também senti a necessidade de escrever algo, pôr no papel (mesmo que ele seja virtual), um pouco do que achei do filme: uma verdadeira obra-prima. Coppola criou, por meio da máfia e tendo como base um best seller, um tratado sobre a família, a vingança, a sobriedade, sobre viver e morrer pelos filhos, a fragilidade da existência, o poder, enfim, sobre tanta coisa. É um dos melhores filmes que já vi, e não atribuo esta euforia à ainda fresca audiência, mas ao espetáculo narrativo que Coppola me proporcionou; às luzes e sombras de Gordon Willis; à música de Nino Rota; à um Al Pacino, em tenra idade, mostrando a transformação de um ser humano por conta das circunstâncias (nada forçado, muito sutil, verossímil); e à Marlon Brando, o maior ator que já se exibiu para uma câmera de cinema, com o qual chorei por duas vezes neste filme, exatamente quando ele se mostra frágil por conta das desgraças dos filhos, quando seu pranto parece romper uma casca, uma carcaça cansada de tanto sangue do seu sangue derramado.

Assistir O Poderoso Chefão foi um pagamento de dívida a mim mesmo e, agora que sei o que as sequências podem me trazer, pelas críticas históricas e por minhas próprias expectativas, não demorarei muito a assistí-las, não por medo de ser taxado como “alguém que não sabe tudo de cinema”, isto não me importa, de verdade, mas porque eu quero saber mais, e as grandes obras fazem isto conosco, alargam nosso saber. E se alguém, algum dia, aceitar a alcunha de “sabe tudo de cinema”, prontamente rechassem, pois ninguém sabe “TUDO” de cinema, nem de qualquer coisa que seja.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Tenho de concordar com suas palavras, pois o filme é estupendo. Ah, também sigo sua linha de raciocínio: todo o conhecimento tido como completo, perfeito, em momento breve, esbarra na dialética inexistente. Portanto, conhecimento parado que, aos poucos perde seu brilho, sua vida.

    Abraçossss

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  2. Assistir a "O poderoso chefão" é realmente uma experiência única, maior que muitas das sessões que temos como memoráveis. Devo assistir ao filme logo novamente, e sei que me surpreenderei por toda a riqueza que você descreve em seu texto. E ainda permanecemos com as sequências do filme ausentes em nosso currículo cinematográfico, que em breve serão devidamente acrescentadas.

    Abraços Celo!

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