domingo, 11 de abril de 2010

Tubarões e Predadores


O blockbuster, este verdadeiro palavrão ofensivo aos cinéfilo mais xiitas, praticamente nasceu sob a forma de um tubarão que buscava sobrevivência, enxotado de seu habitat natural por conta de alguns que queriam apenas ocupar um espaço que não era o seu, pelo menos não de direito. Steven Spielberg é amado, mas também bastante odiado por gerações de gente de cinema, de gente que gosta de cinema, e tudo porque se atreveu a criar um suspense eficiente, divertido, tenso, que arrebatou platéias do mundo todo, fazendo com que ir ao cinema voltasse a ser moda. Também não exageremos, afinal de contas, o jovem Steven foi um dos cineastas da chamada “Nova Hollywood”, que mudou as coisas no cinemão, que trouxe novas formas de se fazer filmes, distribuir filmes, lançar filmes, ou seja, transformou o cinema em negócio novamente, e dos grandes. A diferença é que, enquanto Dennis Hopper, Arthur Penn, Warren Beatty, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola, entre tantos outros, traziam consigo uma forte influência dos europeus e mesmo dos grandes mestres americanos, tendo verdadeira obsessão pela forma artística do cinema, Spielberg vislumbrava números, gostava da indústria, era um nerd no que dizia respeito a fazer filmes, a entreter. Seu Tubarão é, repito, um filme tenso, muito bem construído, um entretenimento assustador, com lampejos de obra maior. É diversão, e isto não pode ser visto como pecado, é uma das faces do negócio. Ah se tivéssemos hoje blockbusters tão inspirados. Ele criou verdadeiramente um mostro, que engoliu facilmente um modo de se fazer cinema, sufocou o autor, o artista, valorizando novamente a bilheteria, as campanhas. Esta foi a parte ruim. Como bem define uma passagem do livro Como a Geração Sexo Drogas e Rock'n'roll salvou Hollywood, de Peter Biskind, "...Spielberg foi o cavalo de tróia através do qual os estúdios recobraram o poder". Começava a volta de Hollywood ao caminho da produção, dos engravatados no poder, em detrimento de uma visão mais poética, como pregavam os diretores que a tinham salvado da derrocada anteriormente. O sistema se aproveitou destes caras, destes diretores que tinham o que dizer e sabiam como, e, quando pôde, os tirou do poder, lentamente, passando a ser novamente seu empregador, retomando o controle.

Esta geração que ganhou crédito colocando o dedo na ferida, que chegou botando banca de novos donos da indústria, respaldados por ótimas bilheterias, críticas positivas que ressaltavam a qualidade, o viés político, a juvenil inconsequência, que lhes permitia acertar sem medo de errar, ou mesmo mandar tudo ao inferno caso houvessem críticas negativas, promoveu uma mudança, sem dúvida. E o tubarão - a criatura - de Spielberg, mais do que um êxito, até então sem precedentes, pode ser visto como símbolo, mesmo que apenas na cabeça deste que vos escreve, da “Velha Hollywood”, já que ambos eram os, vamos dizer assim, donos do habitat: produzindo da forma como queriam, caçando para alimentar uma fome de gigante. Feras descomunais, maiores que os naturais de sua espécie. Os novos, esta geração que veio tomar de assalto Hollywood, seriam, segundo esta analogia, como os humanos que triunfaram contra a fera, contra o sistema que quis os engolir, mas que acabou subjugado, explodido. Saindo agora da metáfora, mas não muito, a ironia é que Tubarão foi um dos filmes que, ao abrir os olhos da indústria para a mina de ouro que tinham nas mãos (falamos de muito, muito dinheiro) deu um jeito de ressuscitar, domesticar os predadores, fazendo deles aliados, praticamente sufocando o cinema de autor americano, tonando ele uma exceção. Qual a lição de tudo isto? Não se subestima uma fera, ainda mais quando ela navega em águas que conhece como poucas. Em Tubarão, Spielberg parece profético nesta relação - sim, voltamos fortes à metáfora, pois, em dado momento um dos personagens diz que os tubarões fazem “tubarõenzinhos”. Se a “Velha Hollywood” certa vez explodiu, como o tubarão do jovem Steven, logo vieram seus herdeiros que, como que atraídos por uma mancha de dinheiro no oceano da indústria do cinema, souberam muito bem domesticar os predadores humanos ligados à arte, e os fizeram presas fáceis, utilizando eles mesmos e sua força criativa como mandíbula.

4 comentários:

  1. Oi, Celo!
    "Tubarão" é um excelente filme e mostra exemplar de tensão. Gostei bastante de sua analogia, pertinente segundo minha concepção.
    O cinema de autor segue hoje como algo marginalizado ou iguaria para poucos. O negócio cinema é lucrativo e, para muitos, isso basta. Arte? Se possível se faz, caso contrário, passamos ao mais importante e vejamos os números.

    Abraçosss

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  2. Olá. Descobri seu blog meio que sem querer e achei bem interessante. Gosto do Tubarão. E acho que você tem razão quando diz que "diversão não é pecado". Boa crítica e boa metáfora também! Parabéns!
    Voltarei aqui mais vezes!

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  3. Olá Rafael,

    Que bom que você gostou do nosso blog, do conteúdo. Fico muito feliz por suas palavras e espero que você volte e ajude a aumentar a qualidade do debate acerca das questões propostas.

    Sobre "Tubarão", além de toda esta importãncia histórica do filme, não dá para negar que ele é diversão, das melhores e mais envolventes. E acredito piamente que "divertir-se" vendo um filme não pode ser visto como pecado, como se apenas a reflexão mais profunda fosse válida. Sendo de qualidade, há espaço para tudo, para a diversão e para a reflexão, sem que elas se anulem ou se invalidem.

    Mais uma vez, obrigado pela visita.
    Abraços

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  4. Filmão!

    Não tenho muito a acrescentar Celo... A arte, quando utilizada em benefício da indústria cultural, acaba sendo mal compreendida e antecipadamente vítima de preconceitos. Mas a indústria sequer se preocupa enquanto a fórmula funciona. Enfim, se do meio dessa massa imbecilizante de filmes tivermos ao menos uns dois "Tubarões" por ano, fico feliz. E viva Spielberg and friends!

    Abraçosssss!

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