domingo, 28 de fevereiro de 2010

Oscar 2010


No próximo dia 07 de março acontece a 82ª edição do Oscar, a festa mais famosa do cinema, a premiação que muitos acusam de politiqueira, mas que, queiram ou não, é muito importante, nem que seja para a vida comercial dos filmes. Neste ano são 10 os indicados na categoria de Melhor Filme. Alguns são somente figurantes nesta lista, outros coadjuvantes que podem roubar a cena, e ainda há os protagonistas declarados da festa do Kodak Theatre, os que estão verdadeiramente no páreo. Resolvemos fazer breves comentários a respeito dos indicados a Melhor Filme, desta festa marcada por muito glamour, vestidos e tapetes estendidos.
Clique no título para ver o trailer do filme.

________________________________


AMOR SEM ESCALAS (ler crítica)

Conrado: Talvez “Amor sem escalas” se torne outro azarão do Oscar. Alardeado como um dos favoritos, é um filme que pode sair sem qualquer prêmio – mas não deveria. A criação elogiável de Jason Reitman merece crédito pela dura crítica que abraça, assim como pelas mensagens extremamente pontuais – tudo isso encoberto no ar de comédia romântica leve que o filme carrega. O ótimo termo da língua inglesa, bittersweet, cabe bem para definir o filme.
Marcelo: O maior trunfo deste filme é o personagem interpretado com classicismo por George Clooney e suas ambiguidades. O roteiro, exemplar de um cinema mais falado, é também digno de elogios, bem como a, cada vez mais apurada, capacidade de Jason Reitman de fazer muito com pouco. O grande problema são as concessões que o filme faz do meio para o final, resultando na diminuição de sua força e originalidade.
Rafael: Um belo filme, com atuações excelentes, roteiro inteligente e um diretor promissor em seu comando. A atitude que toma o personagem interpretado por George Clooney em determinado ponto do filme, à muitos toma característica de erro, ou falha que, sob vista de minha opinião, tal episódio auxilia na humanização do ficcional, dada uma inserção de “aventura”, da busca do até então negado, em certas ocasiões inerente ao homem, mesmo o mais racional.

_________

AVATAR (ler crítica)

Conrado: “Avatar” proporciona um momento cinematográfico único e o filme merece todos os elogios e adjetivos que vem recebendo, como o mais recorrente, que o classifica como “revolucionário”. Se o roteiro falha pela obviedade e por retomar situações já utilizadas no cinema de aventura, seus problemas são superados pela riqueza visual do filme e destreza técnica de James Cameron. Ver o filme em 3D é uma experiência arrebatadora.
Marcelo: Visualmente é uma revolução. Comercialmente é um êxito sem precedentes. Como filme, apesar de certas inconsistências e obviedades é um exemplar muito empolgante, seja pela estética tão alardeada ou mesmo pela trama e seu desenrolar, que se não cativam pela originalidade, mostram a habilidade de James Cameron de contar uma boa, divertida e, porque não, reflexiva história.
Rafael: Lindíssimo. Produção que mostra, acima de tudo, que um estouro econômico pode ser cônjuge de mérito artístico. Peca no roteiro, mas Cameron, magistralmente, nos mantém em focos diferentes, semelhante ao sucedido em Titanic.

_________

BASTARDOS INGLÓRIOS (ler crítica)

Conrado: Tarantino continua ótimo nessa nova homenagem a um cinema que lhe é caro, e entrega uma obra singular dotada de maestria em seus mais diversos aspectos, com destaque para sua fotografia e elenco excepcional (Christopher Waltz e Mélanie Laurent merecem todas as láureas possíveis). Um dos melhores filmes do ano de 2009 é, sem dúvida, o maior e mais completo dentre seus concorrentes no Oscar.
Marcelo: Se o mundo e o Oscar fossem justos, este filme ganharia todas as mais importantes categorias do prêmio, com o pé nas costas. “Bastardos Inglórios“ é um poço de referências cinematográficas, representa a maturidade de Quentin Tarantino como realizador, traz um elenco afinadíssimo, é divertido, violento, trágico, faz bem para os ouvidos e ainda mostra, mesmo que diegeticamente, a vingança dos judeus contra Hitler! É o único grande filme dentre os dez concorrentes.
Rafael: O melhor, com corpos e corpos de distância dos demais. A estética do diretor norte-americano Quentin Tarantino funciona e como (!) no meio da guerra. Importante destacar que, apesar de basear sua estrutura no real, é ficcção e, como tal, tem a licença de contar uma história diferente da que o fato histórico escreveu. Estupendo.

_________

DISTRITO 9 (ler crítica)

Conrado: O único que não vi - ainda! Perdi no cinema e não pude pegar na locadora, mas não me prolongarei muito mais. Curiosidade pelo filme, ao menos, não me falta.
Marcelo: A ficção científica, tantas vezes vista como gênero menor, tem um ótimo representante entre os dez postulantes a melhor filme. Utilizando muito bem uma linguagem estruturalmente documental, e a segregação racial vista como reflexo pela maneira animalesca como os humanos tratam extraterrestres encalhados na Terra, o estreante Neill Blomkamp fez um dos filmes mais instigantes do ano, não livre de falhas, mas um ótimo exemplar de cinema, que se equilibra entre o texto e os subtextos, desde os mais óbvios indo até algumas sutilezas interessantes.
Rafael: Não vi, mas tenho muita curiosidade.

_________

EDUCAÇÃO

Conrado: Um drama bonito e agradável, com direção competente, atuações corretas (por vezes acima da média) e a descoberta de uma promissora estrela: Carey Mulligan. O roteiro, no entanto, se limita a reproduzir dilemas de tantos outros filmes semelhantes, tornando a produção uma bela história que, infelizmente, não possui a grandeza alardeada ou o pouco que seria necessário para torná-la memorável.
Marcelo: Um belo drama sobre o amadurecimento, sobre um tipo de educação sentimental que não se aprende na escola, e que até subverte alguns valores assimilados nela. Carey Mulligan (jóia descoberta) e Alfred Molina encabeçam um elenco afiado. O problema é que aqui tudo é muito certo, reto, faltam curvas, saliências no filme de Lone Scherfig. A diretora merece elogios pelo esmero em adicionar camadas aos seus personagens, mas peca pelo excesso de cálculo.
Rafael: Assisti os primeiros 50 minutos do filme, depois o cansaço aliado ao sono venceram minha resistência que se fazia presente, pois gostava do que até então via, apesar de algumas ressalvas.

_________

GUERRA AO TERROR (ler crítica)

Conrado: Kathryn Bigelow abdica de roteiro e direção convencionais para abordar a rotina de um esquadrão antibombas no Iraque. Pela inventividade e tensão que insere em seu filme, de tema atualmente comum a tantas outras produções, Bigelow merece toda a premiação e atenção que vem recebendo - e não me surpreenderia com vários carequinhas em suas mãos nas principais categorias do Oscar.
Marcelo: Alardeado como a oitava maravilha, como uma obra guia, no que tange o cinema, a respeito da guerra do Iraque, este filme tens seus méritos, mas não me cativou tanto quanto eu imaginava, ainda mais sendo eu um fã de filmes de guerra. As discussões ideológicas da diretora meio que se esvaem num desenvolvimento que limita nossa percepção, que nos coloca frente a um conflito que pouco se caracteriza. É um bom filme, está longe de ser ruim, mas falta-lhe um pouco de visão periférica.
Rafael: Não assisti, mas tenho certa curiosidade.

_________

PRECIOSA (ler crítica)

Conrado: Tyler Perry e Oprah Winfrey, dois dos maiores responsáveis pela produção melodramática realizada nos Estados Unidos (ele no cinema, ela na televisão), produzem este filme cheio de boas intenções aparentes e rios de lágrimas. Vale muito pelas atuações de Gabourey Sidibe e Mo’Nique, mas no geral é excessivo, pretensioso e tão melodramático quanto os demais trabalhos de Winfrey e Perry.
Marcelo: Senti certo distanciamento deste filme que vem causando furor por terras estrangeiras. A maneira com a qual o diretor Lee Daniel resolveu tirar um pouco o peso dos inúmeros problemas sofridos por sua protagonista, é ate engenhoso, mas não original, como muitos o estão celebrando. A trama, que fala sobre os problemas desta mulher, é de um exagero estilístico que beira o brega e de um artificialismo que faz dele um exemplar raso e galgado em lágrimas de crocodilo.
Rafael: Também não assisti, contudo, diferente dos anteriores, não pretendo o fazer em outra oportunidade. Sei lá, algo me diz e alguns me disseram, que não passa muito de um dramalhão.

_________

UM HOMEM SÉRIO

Conrado: O novo filme dos Coen impressiona com grandes personagens e momentos excepcionais, além de possuir um roteiro bastante inteligente - algo recorrente na filmografia dos irmãos. Mesmo assim a conexão com o universo em que a história se insere é difícil, já que o mesmo é imposto e não apresentado - o que, particularmente, me distanciou do filme. Todos os seus méritos não são suficientes para tornar o filme inteiramente bom.
Marcelo: Ótimos personagens, uma ambientação riquíssima e tudo para que os novos queridinhos da América, os irmãos Coen, entregassem mais um sucesso de crítica pós “Onde os Fracos Não Têm Vez”. O problema é que os Coen, às vezes, parecem ininteligíveis, e aqui eles são, afundando tudo de bom que eles conseguem construir como base. Os diretores relativizam o peso de tudo, e parecem criar um jogo meio insosso de dizer metafórico, pegando seu protagonista para Cristo numa tentativa de algo que eu, sinceramente, ou não captei direito ou não me disse muita coisa.
Rafael: Pessoal, estou me especializando na modalidade “Reduza um filme à 50 minutos”. Pois é, também assisti apenas as cinco dezenas iniciais dessa produção que se mostrou interessante, porém pouco ocorre. Talvez, veja, então inteiro, no futuro.

_________

UP - ALTAS AVENTURAS

Conrado: A grandeza da Pixar apenas se confirma com o espaço que “Up – Altas aventuras” conseguiu no Oscar: a melhor animação do ano também está entre os maiores filmes do ano. Personagens cativantes, uma história emocionante e o máximo de qualidade na animação tridimensional são os maiores ingredientes do filme (e cada vez mais parece que qualquer elogio para uma animação da Pixar é repetitivo). E que venha Toy Story 3!
Marcelo: A Pixar e suas criações. Parece impossível pensar em algum filme deles que não seja, no mínimo, ótimo. Neste, um início arrebatador, que fez com que este que vos escreve vertesse lágrimas, dada a profundidade da narração, a melancolia de uma história de amor que a morte interrompeu. A animação é de primeira, os personagens são ótimos e a aventura deveras empolgante. É para crianças, adultos, quem quiser. A Pixar e sua fantástica fábrica de filmes.
Rafael: Classifico como minha maior mancada do ano. Adoro a Pixar e não conferi seu filme lançado em 2009. Pior, ainda não conferi. Alguém disse que vai à locadora? Peraí...

_________

UM SONHO POSSÍVEL

Conrado: O azarão do Oscar parece ganhar cada vez mais espaço entre a crítica, já que o público foi conquistado pela produção – de apelo óbvio e fácil – há tempos. “Um Sonho Possível” é uma sucessão de convenções e lugares-comuns com uma mensagem de superação que extrapola no teor de auto-ajuda. Sandra Bullock, deslumbrante, apresenta uma atuação louvável, mas que não chega a ser uma das melhores do ano.
Marcelo: Não vi e, confesso, não tenho muito interesse, já que me parece mais do mesmo, ou seja, desperdício de tempo e dinheiro.
Rafael: Quase não tenho informações sobre, então, o interesse não se torna ainda possível. Sem chances de ganhar, bem como a maioria desta lista. As exceções? "Guerra ao Terror" e "Avatar".

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Vento do Leste

Direção: Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Gian Maria Volonté, Anne Wiazemsky, Cristiana Tullio-Altan, Allen Midgette, José Valéra, Paolo Pozzes, Götz George, Glauber Rocha, Fabio Garriba, Vincenzo Porcelli, Milvia Deanna Frosini, Mario Jannilli, Federico Boido, Aldo Bixio, Daniel Cohn-Bendit

“Atenção! É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / Atenção! é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte.”

Assim, cantando quase que solenemente numa encruzilhada, lá pela metade de Vento do Leste, filme dirigido por Jean Luc-Godard e Jean-Pierre Gorin, Glauber Rocha começa o que será uma sequência de menos de três minutos, na qual o diretor brasileiro dá sua versão de que caminhos o cinema pode tomar. A encruzilhada de Glauber reflete suas preocupações quanto ao cinema a se fazer no terceiro mundo, quais caminhos tomar. Godard e Gorin estão mais preocupados em criar uma cena emblemática, que sirva de apoio a mensagem política que percorre este que eu não classificaria como filme e sim como ensaio. Vento do Leste é de uma fase política e ferrenhamente engajada de Godard, num período em que criou o grupo Dziga Vertov, unindo-se a militantes intelectuais de esquerda com o propósito de realizar filmes experimentais que funcionariam como panfleto de sua luta ideológica. As idéias do Dziga Vertov eram reflexo das turbulências políticas que modificavam a Europa, resquícios do perídio pós 68 e sua efervescência.

Vento do Leste soa hoje (não posso saber, por motivos óbvios, como seria minha reação ao vê-lo na época de seu lançamento) como um ensaio de auto-ajuda política, um panfleto descarado que se mostra pretenso a dar direções absolutistas quanto a realização do cinema, quanto a captação de imagens e suas “obrigações sociais”. É um filme extremista, que se utiliza dos elementos do western, não por acaso gênero americano por excelência, para ridicularizar as formas do cinema dito dominante. É interessante, no entanto, ver como Godard e Gorin se auto criticam, refletindo sobre a própria forma de cinema na qual acreditam, mas se há em Vento do Leste algo que me incomoda bastante, é a prepotência em acreditar que há somente um caminho para o cinema, numa visão claramente apocalíptica e, porque não, egocêntrica. A mensagem a priori importante do filme se dilui numa verborragia que lembra uma lavagem cerebral, uma tentativa de mudar radicalmente o pensamento ao romper com os elos da narrativa clássica. Para eles não é clássica, é revisionista. As imagens de Vento do Leste são um tanto quanto estéreis, perdem brilho frente a falácia dos narradores. O texto subjuga o visual. A exceção é justamente a encruzilhada de Glauber, na qual o brasileiro se assemelha a um Cristo terceiro-mundista, sequência em que há convergência de sons e imagens, numa belíssima montagem que amplifica a mensagem. É isto que falta, em linhas gerais, a Vento do Leste, uma imagem tão claramente engajada e bem construída como seu texto, mesmo que este peque pelo excesso.

Vai ver me falta consciência político/social para conseguir uma fruição melhor de Vento do Leste e de toda verborragia de Godard e Gorin. Como espectador e apreciador de cinema, devo dizer que a alegoria pela alegoria não me satisfaz, que o ensaio de imagens ocas, recheado por um texto sem sutilezas, direto, incessante e por vezes enfadonho, me pareceu muito mais uma experiência audiovisual do que cinema. Tem seus méritos, claro que tem, afinal de contas Godard, principalmente, não é burro ou simplório. Mas o caráter panfletário e a petulância em apontar o “caminho ideal para o cinema”, fazem com que sua intenção seja implodida, fazem o espectador clamar em silêncio por uma imagem verdadeiramente significativa, que se liberte do texto opressor. Ela vem, somente com Glauber Rocha. Mas é pouco.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cinema norte-americano = blockbuster?

Toda generalização é uma forma burra de redução. Tirando o fato de a frase anterior ser uma crítica dela própria, pretendo articular questionamentos a respeito do comportamento e o pensar generalista de alguns perante o cinema norte-americano. Na realidade, não é somente o cinema da terra do Tio Sam que sofre com este tipo de situação, estas marcas inerentes a determinadas cinematografias e que, nem sempre, correspondem a verdade. Cinema iraniano é taxado de lento, o francês de ser empolado demais, o brasileiro de ser pobre de linguagem e só mostrar favela e sexo, o espanhol de ser excêntrico, e por aí vai. Se você é um cinéfilo, alguém que acompanha com curiosidade as diversas expressões cinematográficas pelo mundo, pode, muito bem, escapar destas generalizações, afinal de contas, não é preciso ir muito longe, - com um pouco de pesquisa já se consegue - para identificar mais camadas a respeito das temáticas e formas narrativas de cada região. Pois bem, então estou dizendo que o preconceito, neste caso específico, é fruto de um não interesse, fomentado por uma parcela da população para quem o cinema é só diversão, pipoca e, agora, projeções em 3D? Sim, de certa forma, sim. Os estereótipos só se reforçam porque, ou não se procura por mais fontes, ou pelo fato de as fontes só propagarem o que é de fácil identificação para platéias estrangeiras (este, aliás, acredito, seja o problema da visão que os gringos têm do cinema da terra brasilis). O que me intriga, e que fez a interrogação se transformar na motivação para este texto, é o porquê de o cinema norte-americano sofrer tanto preconceito, até mesmo da chamada comunidade cinéfila. As possibilidades de resposta são muitas e, mesmo não querendo, por não ter competência para tal, tecer uma tese que encerre o assunto, me disponho a tentar entender um pouco melhor esta visão estreita que muitos amantes de cinema (e agora viro o canhão para o lado contrário) têm a respeito do cinema feito nos EUA.

O primeiro fator que identifico é uma espécie de síndrome de imunodeficiência dos mercados pequenos e/ou emergentes. Por conta da grande quantidade de filmes lançados, e levando em consideração que nos Estados Unidos se concentra a maior indústria do cinema (indústria=dinheiro), a imagem que o cinema de lá passa à maioria é de que seus blockbusters espremem a produção local, catequizando o público com seus temas e desenvolvimentos de gosto duvidoso. Eu concordo com esta visão, afinal de contas os grandes filmes, os que são somente grandes em termos de espaço que ocupam numa cadeia de negócios, fazem minguar a distribuição dos cinemas locais, isto em quase todo o restante do mundo. É uma atividade agressiva e predatória, sem sombra de dúvidas. Mas quem disse que nos EUA só se faz cinemão comercial? Aí os cinéfilos se equiparam aos que encaram o cinema somente como diversão, pois preferem propagar o que é comumente veiculado, sem a preocupação de relativizar qualquer julgamento de valor. Outro fator é, acredito eu, também de ordem patológica: o esquecimento. Não tenho dúvidas de que o cinema norte-americano, até pela quantidade de produções e valor histórico na área, seja o mais importante, artisticamente falando, do mundo. Ou alguém aí duvida da contribuição inigualável dos EUA para o desenvolvimento do cinema?

Aí chegamos na generalização, aquela senhora burra que teima em nos perseguir. O maior erro é julgar um tipo de cinema pelo que mais se propaga, ou por sua herança recente. Há algo mais estúpido do que colocar num mesmo balaio Transformers e O Vistante, por exemplo? São diferentes, feitos com intuitos diferentes, para públicos diferentes, ou seja, há muita diversidade no cinema norte-americano e é, perdoem-me a dureza, inadmissível que se estereotipe uma cinematografia tão importante e densa, por conta de mesquinharias, ou mesmo complexos de inferioridade. Ah, quase ia esquecendo, e isto é importante que se ressalte. Outro fator que joga contra o cinema norte-americano é que ele não é considerado “cult”, ou seja, não te dá o mesmo status naquela roda de amigos letrados, do que se você disser que só ama as cinematografias emergentes e oprimidas pelo “monstro capitalista que veste vermelho, azul e branco”. É legal falar mal dos EUA, e isso também é um reflexo da imagem de tirania que a nação nos passa, e que foi reforçada na era Bush.

O cinema é uma arte diversa, e quando não é arte é comércio dos mais lucrativos, vide Avatar e sua revolução estética/comercial. Quem sabe o maior problema que alguns têm em admitir a importância artística do cinema norte-americano, resida na inveja de um país que consegue fazer fortunas, à custa de muita porcaria, é verdade, mas que é auto-sustentável. Os oprimidos só choram porque não podem oprimir, é a tal da lei da selva, sabem? Só que por este prisma mercadológico e levando em conta fatores menores, alguns caem no pecado de esquecer um passado glorioso, de tantos gênios e contribuições para a evolução de uma linguagem tão complexa, e de relegar às sombras filmes tão ricos e instigantes, que não o deixam de ser pelo inglês de suas falas, sem sotaque. Cinema bom é cinema bom, o ruim é ruim, independente da língua e do país de origem. (...) a César o que é de César. Por isso tudo, vincular "cinema norte-americano" com "cinema ruim, comercial, sem alma" é uma burrice, e das grandes.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Voyeur

Direção: Tinto Brass
Roteiro: Tinto Brass
Elenco: Katarina Vasilissa, Francesco Casale, Cristina Garavaglia, Raffaella Offidani, Antonio Salines, Eleonora De Grassi, Gabri Crea, Martine Brochard, Franco Branciaroli, Erika Savastani, Paolo Murano, Ted Rusoff, Maria La Rosa

O sexo. Sempre tive uma posição um tanto quanto dogmática em relação a utilização do sexo no cinema. Não, não sou nenhum tipo de puritano, somente acho que adentrar profundamente nesta temática, o sexo, é viver no “fio da navalha”, numa linha muito tênue entre o bom e o mau gosto. Não dá para negar que o sexo é um tema fortíssimo, suas implicações, suas nuances, suas variações, e a maneira como ele influencia a vida das pessoas. Fazer, portanto, um filme que utilize o sexo como condutor, como maneira de pontuar a ação dos personagens é, a grosso modo, como utilizar o amor como catalisador em uma comédia romântica, só que numa esfera mais primitiva, menos racional, digamos assim.

Tinto Brass é um diretor italiano que ganhou fama com seu cinema erótico, usando o sexo como farol para suas produções. Instigado por uma amiga, que inclusive me mandou alguns de seus filmes, e a quem agradeço publicamente, resolvi adentrar no cinema de Tinto Brass, afinal de contas um cinéfilo que se preze precisa trafegar por diversas vias, abandonando preconceitos e estudando de maneira atenta as diversas linguagens. Pois bem, comecei minha incursão pelo cinema erótico de Brass com O Voyeur, um filme que fala sobre o prazer que certas pessoas têm de olhar e, de certa forma, dos exibicionistas, dos que gostam de ser olhados. Dodo é o protagonista, vive com o pai num apartamento grande, acabou de perder a mulher, com quem ainda tem devaneios eróticos e desejos de retorno. A narrativa toda se desenrola pela obsessão voyeur de Dodo e pelas/pelos diversos exibicionistas que ele encontra. Isto pelo menos aparentemente, já que o filme realmente fala sobre outra coisa, a qual comentarei mais adiante.

Confesso que de início achei que estava assistindo simplesmente a um filme erótico, daqueles que na tenra adolescência me faziam acordado até altas horas. A câmera de Tinto Brass é extremamente fetichista, explorando corpos com uma volúpia pulsante. Vaginas, pêlos pubianos, calcinhas transparentes, seios, olhares famintos, o sexo gritando na tela, é um tipo de cinema da “paudurescência”, se me permitem a criação de um vocábulo que exprima as sensações que o filme a priori provoca, não somente nos homens, acredito. A trama se desenrola num registro nada realista, o sexo é visto não como um tabu, não há implicações verossímeis na maioria das relações e tanta vergonha como no “mundo real”. O prazer sublima a vergonha. Tateando o cinema de Tinto Brass, ainda se percebe uma aura kistch, nos figurinos, na mise-en-scène e na música, geralmente com a predominância do saxofone, como que num clichê de música sobre sexo.

Passada toda esta excitação de início, onde ainda me acostumava com aquela lascívia vibrante, com os closes íntimos, com as mulheres e homens desavergonhados, comecei a notar que O Voyeur não é simplesmente um filme sobre gente que gosta de observar e os que gostam de ser observados. O voyerismo é uma cortina de fumaça, sendo ele proposto por Brass como maneira de mostrar ao espectador sua condição de voyeur, a inclinação que todos temos pelo olhar com prazer. Alguns subtextos interessantes são mais fortemente desenvolvidos gradativamente, e o filme ganha em profundidade, nunca deixando de explorar o erótico, num paralelismo interessante. O verdadeiro foco de O Voyeur é a disputa geralmente velada entre pai e filho, numa espécie de guerra por território, que tem origem no Complexo de Édipo, e que utiliza o sexo como arma, como meio primitivo de dominação, tal qual no reino animal.

O que parecia então só um filme tarado, sobre gente tarada, assume um viés psicológico bem interessante. O Voyeur tem em sua narrativa algumas passagens oníricas e, em certo ponto, já nem conseguimos distinguir o que realmente acontece do que é idealizado pelos personagens. Aparentemente linear e simples, O Voyeur mostra uma estrutura até complexa, na qual o tema muda gradativamente, o verdadeiro, o da disputa entre pai e filho, se sobrepondo e passando a dar uma dimensão mais rica a um filme que, no início, cativa pelo clima. Em suma, em O Voyeur, Tinto Brass consegue, através do sexo, mesmo que sem grandes interpretações ou algo que o valha, não só mostrar ao espectador o prazer do seu olhar, como também criar um clima de erotismo pulsante, intercalando temas em prol de uma história que vive da imagem erótica, mas que se alimenta da psicologia de seus personagens.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Aconteceu em Woodstock

Direção: Ang Lee
Roteiro: James Schamus, baseado no romance escrito por Elliot Tiber e Tom Monte
Elenco: Demetri Martin, Dan Fogler, Henry Goodman, Jonathan Groff, Eugene Levy, Jeffrey Dean Morgan, Imelda Staunton, Paul Dano, Kelli Garner, Mamie Gummer, Emile Hirsch, Liev Schreiber, Adam LeFevre.

O festival de Woodstock foi um acontecimento sem precedentes na história americana. Em torno de um palco, onde se desenvolveu artisticamente o festival que se exaltou posteriormente como “Uma Exposição Aquariana: 3 Dias de Paz & Música", transitavam hippies, pessoas sob o efeito de todo tipo de drogas ou alucinógenos, gente celebrando a vida da sua maneira, curtindo ao som da música as maravilhas e as agruras de ser jovem numa época politicamente muito importante. Uma parcela dos EUA não via na guerra do Vietnã qualquer propósito, não entendia o porquê de jovens serem sacrificados em nome de nada, e clamava pelo fim do embate bélico. Eram tempos de paz e amor, e muito desta identidade que o período tem, se deve a Woodstock, ao simbolismo da contracultura. Fazer um filme sobre o período, evocando figuras como Janes Joplin, Jimi Hendrix, por exemplo, além de oneroso do ponto de vista financeiro, por ventura dos direitos autorais das canções destes artistas, seria dar ao público o esperado. Usar o palco e personas tão icônicas como os citados acima, seria fazer um filme sobre Woodstock, mas Ang Lee, famoso cineasta que, ultimamente, vem se revezando entre produções taiwanesas e americanas, não fez um filme sobre o festival, por mais estranha que pareça esta afirmação, ele fez um filme a respeito do espírito do festival, sobre as mudanças que a juventude clamava, sobre uma encruzilhada na qual a América se meteu e da qual tinha urgência em sair. E fez um filme ótimo, pulsante, cheio de vida.

Em Aconteceu em Woodstock, Elliot Tiber abandona sua carreira na cidade grande para ajudar seus pais no pequeno hotel que eles mantém numa cidade interiorana. Há dívidas, o local só pode ser classificado como precário, e Elliot faz o que pode, ainda acumulando o cargo de presidente da câmara do comércio da localidade. Num modelo administrativo quase que baseado no cooperativismo, ele busca alternativas para trazer algum progresso para o local, algum dinheiro para manter viva aquela cidade no meio do nada. Por força de alguns fatores aleatórios, ou por obra do destino, dependendo aí a definição da crença e interpretação de cada leitor, Elliot traz à cidade um festival de música e um bando de hippies. A jogada é arriscada, principalmente quando falamos de um condado extremamente conservador, no qual a maioria dos moradores achava que os hippies iriam saquear de dia e estuprar o gado à noite, como diz um dos personagens em certa altura do filme.

Ang Lee quando do lançamento de Aconteceu em Woodstock foi acusado por alguns de ter feito uma obra menor, como gostam de dizer os que veem no dimensionamento redutor dos filmes, um argumento extremamente poderoso para a compreensão de suas opiniões. Lee foi acusado de edulcorar fatos, de apologia ao consumo de drogas, de negligenciar os shows (epicentro daquele evento histórico), e de mais um monte de coisas. Relativizo todas estas acusações direcionadas ao diretor, em parte porque senti grande empatia pelo filme, o que minimizou, e muito, os efeitos de alguns eventuais probleminhas. Assim, não me detenho nos erros, pois eles, se comparados aos acertos, são mínimos e seus efeitos insignificantes perante a narrativa solar de Ang Lee. Repito, acredito que Lee não fez um filme sobre Woodstock, por mais que tenha em seu preparativo, e nos três dias de sua duração, todo o recheio narrativo. Seu real escopo são os efeitos de Woodstock, e toda uma geração que transformou a cultura americana. Do hippie que está do lado dos promotores do evento, passando por figuras tão díspares quanto um ex-militar travesti e jovens que chegam em comboio ao condado reservado para os três dias de música, chegando ao próprio Elliot e sua vida prosaica, Aconteceu em Woodstock mais do que tentar a profundidade de um estudo macro do movimento, prefere estreitar o foco, lançar luz sobre quem o criou, para quem foi feito e a quem modificou com seus exemplos de liberdade.

Mesmo não sendo transgressor, aliás, do ponto de vista narrativo ele é bem convencional (não me agradam as divisões de Ang Lee, que cobre várias cenas numa mesma tela, tipo de montagem ineficaz que ele resgata de Hulk), Aconteceu em Woodstock consegue de maneira bem eficiente transmitir os sentimentos de um jovem que vive uma transição, por meio da história de um evento que foi de fato uma espécie de rito de passagem para muitos. Outro mérito de Lee é tocar em temas como a Guerra do Vietnã, utilizando mais enfaticamente para isso o personagem de Emile Hirsch, não como um elemento sufocante, e sim como artifício na construção daquela época, em que jovens iam para a guerra e voltavam destruídos, senão fisicamente, com certeza psicologicamente. A “ressurreição” do pai de Elliot serve como alerta ao filho, assim como o comportamento empedernido da mãe, que não se permite momentos de descontração (a não ser com uma ajudinha). Todos estes componentes podem ainda não fazer de Aconteceu em Woodstock um grande filme, ele tem defeitos e omissões que não permitem tal adjetivo mas, não dá para ficar passivo diante de uma obra que utiliza um evento gigantesco, ainda mais um histórico como Woodstock, para, sem julgamentos ou olhares de reprovação, observar, focando mais especificamente a história de Elliot e seus próximos, as mudanças que uma geração promoveu não só na cultura, mas como também na forma americana de encarar certas questões. É um filme “menor” de Lee? Rendo-me, é sim um filme “menor” (afinal ser humano é cair em contradição), mas nem por isso ruim, muito pelo contrário, divertidíssimo e, por que não, profundo.

UPDATE: Clique aqui para ler o texto de Ana Carolina Grether, postado anteriormente no blog por conta da exibição do filme no último Festival do Rio.