segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Aconteceu em Woodstock

Direção: Ang Lee
Roteiro: James Schamus, baseado no romance escrito por Elliot Tiber e Tom Monte
Elenco: Demetri Martin, Dan Fogler, Henry Goodman, Jonathan Groff, Eugene Levy, Jeffrey Dean Morgan, Imelda Staunton, Paul Dano, Kelli Garner, Mamie Gummer, Emile Hirsch, Liev Schreiber, Adam LeFevre.

O festival de Woodstock foi um acontecimento sem precedentes na história americana. Em torno de um palco, onde se desenvolveu artisticamente o festival que se exaltou posteriormente como “Uma Exposição Aquariana: 3 Dias de Paz & Música", transitavam hippies, pessoas sob o efeito de todo tipo de drogas ou alucinógenos, gente celebrando a vida da sua maneira, curtindo ao som da música as maravilhas e as agruras de ser jovem numa época politicamente muito importante. Uma parcela dos EUA não via na guerra do Vietnã qualquer propósito, não entendia o porquê de jovens serem sacrificados em nome de nada, e clamava pelo fim do embate bélico. Eram tempos de paz e amor, e muito desta identidade que o período tem, se deve a Woodstock, ao simbolismo da contracultura. Fazer um filme sobre o período, evocando figuras como Janes Joplin, Jimi Hendrix, por exemplo, além de oneroso do ponto de vista financeiro, por ventura dos direitos autorais das canções destes artistas, seria dar ao público o esperado. Usar o palco e personas tão icônicas como os citados acima, seria fazer um filme sobre Woodstock, mas Ang Lee, famoso cineasta que, ultimamente, vem se revezando entre produções taiwanesas e americanas, não fez um filme sobre o festival, por mais estranha que pareça esta afirmação, ele fez um filme a respeito do espírito do festival, sobre as mudanças que a juventude clamava, sobre uma encruzilhada na qual a América se meteu e da qual tinha urgência em sair. E fez um filme ótimo, pulsante, cheio de vida.

Em Aconteceu em Woodstock, Elliot Tiber abandona sua carreira na cidade grande para ajudar seus pais no pequeno hotel que eles mantém numa cidade interiorana. Há dívidas, o local só pode ser classificado como precário, e Elliot faz o que pode, ainda acumulando o cargo de presidente da câmara do comércio da localidade. Num modelo administrativo quase que baseado no cooperativismo, ele busca alternativas para trazer algum progresso para o local, algum dinheiro para manter viva aquela cidade no meio do nada. Por força de alguns fatores aleatórios, ou por obra do destino, dependendo aí a definição da crença e interpretação de cada leitor, Elliot traz à cidade um festival de música e um bando de hippies. A jogada é arriscada, principalmente quando falamos de um condado extremamente conservador, no qual a maioria dos moradores achava que os hippies iriam saquear de dia e estuprar o gado à noite, como diz um dos personagens em certa altura do filme.

Ang Lee quando do lançamento de Aconteceu em Woodstock foi acusado por alguns de ter feito uma obra menor, como gostam de dizer os que veem no dimensionamento redutor dos filmes, um argumento extremamente poderoso para a compreensão de suas opiniões. Lee foi acusado de edulcorar fatos, de apologia ao consumo de drogas, de negligenciar os shows (epicentro daquele evento histórico), e de mais um monte de coisas. Relativizo todas estas acusações direcionadas ao diretor, em parte porque senti grande empatia pelo filme, o que minimizou, e muito, os efeitos de alguns eventuais probleminhas. Assim, não me detenho nos erros, pois eles, se comparados aos acertos, são mínimos e seus efeitos insignificantes perante a narrativa solar de Ang Lee. Repito, acredito que Lee não fez um filme sobre Woodstock, por mais que tenha em seu preparativo, e nos três dias de sua duração, todo o recheio narrativo. Seu real escopo são os efeitos de Woodstock, e toda uma geração que transformou a cultura americana. Do hippie que está do lado dos promotores do evento, passando por figuras tão díspares quanto um ex-militar travesti e jovens que chegam em comboio ao condado reservado para os três dias de música, chegando ao próprio Elliot e sua vida prosaica, Aconteceu em Woodstock mais do que tentar a profundidade de um estudo macro do movimento, prefere estreitar o foco, lançar luz sobre quem o criou, para quem foi feito e a quem modificou com seus exemplos de liberdade.

Mesmo não sendo transgressor, aliás, do ponto de vista narrativo ele é bem convencional (não me agradam as divisões de Ang Lee, que cobre várias cenas numa mesma tela, tipo de montagem ineficaz que ele resgata de Hulk), Aconteceu em Woodstock consegue de maneira bem eficiente transmitir os sentimentos de um jovem que vive uma transição, por meio da história de um evento que foi de fato uma espécie de rito de passagem para muitos. Outro mérito de Lee é tocar em temas como a Guerra do Vietnã, utilizando mais enfaticamente para isso o personagem de Emile Hirsch, não como um elemento sufocante, e sim como artifício na construção daquela época, em que jovens iam para a guerra e voltavam destruídos, senão fisicamente, com certeza psicologicamente. A “ressurreição” do pai de Elliot serve como alerta ao filho, assim como o comportamento empedernido da mãe, que não se permite momentos de descontração (a não ser com uma ajudinha). Todos estes componentes podem ainda não fazer de Aconteceu em Woodstock um grande filme, ele tem defeitos e omissões que não permitem tal adjetivo mas, não dá para ficar passivo diante de uma obra que utiliza um evento gigantesco, ainda mais um histórico como Woodstock, para, sem julgamentos ou olhares de reprovação, observar, focando mais especificamente a história de Elliot e seus próximos, as mudanças que uma geração promoveu não só na cultura, mas como também na forma americana de encarar certas questões. É um filme “menor” de Lee? Rendo-me, é sim um filme “menor” (afinal ser humano é cair em contradição), mas nem por isso ruim, muito pelo contrário, divertidíssimo e, por que não, profundo.

UPDATE: Clique aqui para ler o texto de Ana Carolina Grether, postado anteriormente no blog por conta da exibição do filme no último Festival do Rio.


2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Confesso que ao iniciar a leitura de seu texto, despertou em mim um sentimento de "tenho de assistir novamente esse filme, com atenção redobrada". Gostei, mas não tanto quanto poderia, acredito.
    Parabéns pelo texto, normalmente bem embasado e coerente.

    Abraçosss

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  2. Este é um filme que não me cativou! Tanto que, quando me lembro de suas características positivas para listar aqui, fico preso nos problemas de sua narrativa que me incomodaram. Talvez veja novamente, algum dia, com outros olhos.

    Abraços Celo!!

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