domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Voyeur

Direção: Tinto Brass
Roteiro: Tinto Brass
Elenco: Katarina Vasilissa, Francesco Casale, Cristina Garavaglia, Raffaella Offidani, Antonio Salines, Eleonora De Grassi, Gabri Crea, Martine Brochard, Franco Branciaroli, Erika Savastani, Paolo Murano, Ted Rusoff, Maria La Rosa

O sexo. Sempre tive uma posição um tanto quanto dogmática em relação a utilização do sexo no cinema. Não, não sou nenhum tipo de puritano, somente acho que adentrar profundamente nesta temática, o sexo, é viver no “fio da navalha”, numa linha muito tênue entre o bom e o mau gosto. Não dá para negar que o sexo é um tema fortíssimo, suas implicações, suas nuances, suas variações, e a maneira como ele influencia a vida das pessoas. Fazer, portanto, um filme que utilize o sexo como condutor, como maneira de pontuar a ação dos personagens é, a grosso modo, como utilizar o amor como catalisador em uma comédia romântica, só que numa esfera mais primitiva, menos racional, digamos assim.

Tinto Brass é um diretor italiano que ganhou fama com seu cinema erótico, usando o sexo como farol para suas produções. Instigado por uma amiga, que inclusive me mandou alguns de seus filmes, e a quem agradeço publicamente, resolvi adentrar no cinema de Tinto Brass, afinal de contas um cinéfilo que se preze precisa trafegar por diversas vias, abandonando preconceitos e estudando de maneira atenta as diversas linguagens. Pois bem, comecei minha incursão pelo cinema erótico de Brass com O Voyeur, um filme que fala sobre o prazer que certas pessoas têm de olhar e, de certa forma, dos exibicionistas, dos que gostam de ser olhados. Dodo é o protagonista, vive com o pai num apartamento grande, acabou de perder a mulher, com quem ainda tem devaneios eróticos e desejos de retorno. A narrativa toda se desenrola pela obsessão voyeur de Dodo e pelas/pelos diversos exibicionistas que ele encontra. Isto pelo menos aparentemente, já que o filme realmente fala sobre outra coisa, a qual comentarei mais adiante.

Confesso que de início achei que estava assistindo simplesmente a um filme erótico, daqueles que na tenra adolescência me faziam acordado até altas horas. A câmera de Tinto Brass é extremamente fetichista, explorando corpos com uma volúpia pulsante. Vaginas, pêlos pubianos, calcinhas transparentes, seios, olhares famintos, o sexo gritando na tela, é um tipo de cinema da “paudurescência”, se me permitem a criação de um vocábulo que exprima as sensações que o filme a priori provoca, não somente nos homens, acredito. A trama se desenrola num registro nada realista, o sexo é visto não como um tabu, não há implicações verossímeis na maioria das relações e tanta vergonha como no “mundo real”. O prazer sublima a vergonha. Tateando o cinema de Tinto Brass, ainda se percebe uma aura kistch, nos figurinos, na mise-en-scène e na música, geralmente com a predominância do saxofone, como que num clichê de música sobre sexo.

Passada toda esta excitação de início, onde ainda me acostumava com aquela lascívia vibrante, com os closes íntimos, com as mulheres e homens desavergonhados, comecei a notar que O Voyeur não é simplesmente um filme sobre gente que gosta de observar e os que gostam de ser observados. O voyerismo é uma cortina de fumaça, sendo ele proposto por Brass como maneira de mostrar ao espectador sua condição de voyeur, a inclinação que todos temos pelo olhar com prazer. Alguns subtextos interessantes são mais fortemente desenvolvidos gradativamente, e o filme ganha em profundidade, nunca deixando de explorar o erótico, num paralelismo interessante. O verdadeiro foco de O Voyeur é a disputa geralmente velada entre pai e filho, numa espécie de guerra por território, que tem origem no Complexo de Édipo, e que utiliza o sexo como arma, como meio primitivo de dominação, tal qual no reino animal.

O que parecia então só um filme tarado, sobre gente tarada, assume um viés psicológico bem interessante. O Voyeur tem em sua narrativa algumas passagens oníricas e, em certo ponto, já nem conseguimos distinguir o que realmente acontece do que é idealizado pelos personagens. Aparentemente linear e simples, O Voyeur mostra uma estrutura até complexa, na qual o tema muda gradativamente, o verdadeiro, o da disputa entre pai e filho, se sobrepondo e passando a dar uma dimensão mais rica a um filme que, no início, cativa pelo clima. Em suma, em O Voyeur, Tinto Brass consegue, através do sexo, mesmo que sem grandes interpretações ou algo que o valha, não só mostrar ao espectador o prazer do seu olhar, como também criar um clima de erotismo pulsante, intercalando temas em prol de uma história que vive da imagem erótica, mas que se alimenta da psicologia de seus personagens.

3 comentários:

  1. Que bacana esse texto!
    Assim preciso saír do anonimato e perder a vergonha (rs), pois acho que nem Tinto Brass esperaria um comentário desses sobre um filme seu, um texto desse nível =)
    Penso exatamente isso, 1o: que o sexo é tratado sem tabus e 2o: que o prazer sublima toda e qualquer vergonha.
    Tinto Brass denuncia de forma rasgada , primitiva e muitas vezes sarcástica o conteúdo das fantasias sexuais pouco ditas e muito veladas.
    Um erótico genuíno por assim dizer que quebra as "regras" de qualquer tratado cinéfilo. Mas quem disse que Tinto Brass, esse diretor tarado e inveterado se preocupou com regras cinéfilas??
    Nem ele, nem quem apreciou ;)

    Acho muito bacana que vocês comentem com essa diversidade e liberdade.

    Um beijo Marcelo

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  2. Olá, Celo!
    Devo testemunhar o quão difícil é se deter à detalhes psicológicos em meio a tamanho erotismo. Acredito que possa apreciar muito esse tipo de cinema, quando bem feito, como é o caso, mas não nego que me falta um certo treino, treino ao menos para minha atenção. Danada, teima em não se voltar a meandros menos óbvios e, talvez, igualmente interessantes.

    Abraçossss

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  3. Celo!
    Parabéns por ter analisado um filme que, aparentemente, tem tantas camadas que por vezes acabam ignoradas frente ao seu erotismo latente.

    É uma dica no mínimo curiosa, que deve render uma sessão muito interessante... haha

    Abraços!!

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