quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cinema norte-americano = blockbuster?

Toda generalização é uma forma burra de redução. Tirando o fato de a frase anterior ser uma crítica dela própria, pretendo articular questionamentos a respeito do comportamento e o pensar generalista de alguns perante o cinema norte-americano. Na realidade, não é somente o cinema da terra do Tio Sam que sofre com este tipo de situação, estas marcas inerentes a determinadas cinematografias e que, nem sempre, correspondem a verdade. Cinema iraniano é taxado de lento, o francês de ser empolado demais, o brasileiro de ser pobre de linguagem e só mostrar favela e sexo, o espanhol de ser excêntrico, e por aí vai. Se você é um cinéfilo, alguém que acompanha com curiosidade as diversas expressões cinematográficas pelo mundo, pode, muito bem, escapar destas generalizações, afinal de contas, não é preciso ir muito longe, - com um pouco de pesquisa já se consegue - para identificar mais camadas a respeito das temáticas e formas narrativas de cada região. Pois bem, então estou dizendo que o preconceito, neste caso específico, é fruto de um não interesse, fomentado por uma parcela da população para quem o cinema é só diversão, pipoca e, agora, projeções em 3D? Sim, de certa forma, sim. Os estereótipos só se reforçam porque, ou não se procura por mais fontes, ou pelo fato de as fontes só propagarem o que é de fácil identificação para platéias estrangeiras (este, aliás, acredito, seja o problema da visão que os gringos têm do cinema da terra brasilis). O que me intriga, e que fez a interrogação se transformar na motivação para este texto, é o porquê de o cinema norte-americano sofrer tanto preconceito, até mesmo da chamada comunidade cinéfila. As possibilidades de resposta são muitas e, mesmo não querendo, por não ter competência para tal, tecer uma tese que encerre o assunto, me disponho a tentar entender um pouco melhor esta visão estreita que muitos amantes de cinema (e agora viro o canhão para o lado contrário) têm a respeito do cinema feito nos EUA.

O primeiro fator que identifico é uma espécie de síndrome de imunodeficiência dos mercados pequenos e/ou emergentes. Por conta da grande quantidade de filmes lançados, e levando em consideração que nos Estados Unidos se concentra a maior indústria do cinema (indústria=dinheiro), a imagem que o cinema de lá passa à maioria é de que seus blockbusters espremem a produção local, catequizando o público com seus temas e desenvolvimentos de gosto duvidoso. Eu concordo com esta visão, afinal de contas os grandes filmes, os que são somente grandes em termos de espaço que ocupam numa cadeia de negócios, fazem minguar a distribuição dos cinemas locais, isto em quase todo o restante do mundo. É uma atividade agressiva e predatória, sem sombra de dúvidas. Mas quem disse que nos EUA só se faz cinemão comercial? Aí os cinéfilos se equiparam aos que encaram o cinema somente como diversão, pois preferem propagar o que é comumente veiculado, sem a preocupação de relativizar qualquer julgamento de valor. Outro fator é, acredito eu, também de ordem patológica: o esquecimento. Não tenho dúvidas de que o cinema norte-americano, até pela quantidade de produções e valor histórico na área, seja o mais importante, artisticamente falando, do mundo. Ou alguém aí duvida da contribuição inigualável dos EUA para o desenvolvimento do cinema?

Aí chegamos na generalização, aquela senhora burra que teima em nos perseguir. O maior erro é julgar um tipo de cinema pelo que mais se propaga, ou por sua herança recente. Há algo mais estúpido do que colocar num mesmo balaio Transformers e O Vistante, por exemplo? São diferentes, feitos com intuitos diferentes, para públicos diferentes, ou seja, há muita diversidade no cinema norte-americano e é, perdoem-me a dureza, inadmissível que se estereotipe uma cinematografia tão importante e densa, por conta de mesquinharias, ou mesmo complexos de inferioridade. Ah, quase ia esquecendo, e isto é importante que se ressalte. Outro fator que joga contra o cinema norte-americano é que ele não é considerado “cult”, ou seja, não te dá o mesmo status naquela roda de amigos letrados, do que se você disser que só ama as cinematografias emergentes e oprimidas pelo “monstro capitalista que veste vermelho, azul e branco”. É legal falar mal dos EUA, e isso também é um reflexo da imagem de tirania que a nação nos passa, e que foi reforçada na era Bush.

O cinema é uma arte diversa, e quando não é arte é comércio dos mais lucrativos, vide Avatar e sua revolução estética/comercial. Quem sabe o maior problema que alguns têm em admitir a importância artística do cinema norte-americano, resida na inveja de um país que consegue fazer fortunas, à custa de muita porcaria, é verdade, mas que é auto-sustentável. Os oprimidos só choram porque não podem oprimir, é a tal da lei da selva, sabem? Só que por este prisma mercadológico e levando em conta fatores menores, alguns caem no pecado de esquecer um passado glorioso, de tantos gênios e contribuições para a evolução de uma linguagem tão complexa, e de relegar às sombras filmes tão ricos e instigantes, que não o deixam de ser pelo inglês de suas falas, sem sotaque. Cinema bom é cinema bom, o ruim é ruim, independente da língua e do país de origem. (...) a César o que é de César. Por isso tudo, vincular "cinema norte-americano" com "cinema ruim, comercial, sem alma" é uma burrice, e das grandes.

3 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Essa questão da generalização é bem complexa, mas seus apontamentos tem fundamento. Quando pedem que tipo de cinema gosta, logo um cinéfilo solta: "O francês, italiano de décadas já passadas, o espanhol(...)" e para o final arrebatador algo como "(...)o finlandês, norueguês, o cinema da dinamarca e da estônia são pérolas que poucos conhecem, maravilhosos." O velho marketing pessoal, por vezes vazio e sem alicerces.

    Abraçosssss

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  2. Toda gerenalização é burra = fato. Acredito que seja por isso que qualquer discurso reducionista, que toma a parte pelo todo (sinédoque?), acusando o cinema norte-americano de tudo isso que você listou, seja igualmente burro. Também acredito Celo, como você, que a contribuição do cinema norte-americano para o desenvolvimento dessa arte seja inegável - mas não a contribuição mais importante, em aspectos artísticos, do mundo. Penso que a maior contribuição dos EUA para o cinema esteve na formação de público e na exportação de suas produções, muitas vezes grandiosas e muito artísticas. Mas o mundo foi evoluindo (ou regredindo) e essa indústria continuou a atender seu público, que parece ter emburrecido, ou ao menos direcionado seu interesse para obras de apelo óbvio e fácil. Enfim, para tudo isso existem excessões e tudo mais... É um tema difícil, daqueles para se explorar em uma tese gigantesca, pois talvez assim toda sua grandiosidade e complexidade seria abordada.

    Abraços guri!

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  3. Pode ser até que eu tenha exagerado um pouco ao dizer que o cinema americano é responsável pela maior contribuição artística para o desenvolvimento do cinema, mas no fundo até acho que não, sabe porque? Porque geralmente comparamos o cinema dos EUA com o cinema europeu, mas parecemos esquecer que os EUA são um país e a Europa é um continente e que se esta comparação fosse justa, é claro que o cinema europeu venceria de lavada, mas qual país, sozinho, contribui mais para o desenvolvimento da linguagem, a diversidade de abordagens, e do cinema como expressão artística do que os Estados Unidos? Aí podemos relativizar também, pois o país sempre foi mestre na "importação" de gênio de outras praças. Enfim, este é um papo longo e bem produtivo. Concordo contigo, ste tema é tão espinhoso e cheio de nuances, que precisaria de uma tese, de algo mais fundamentado e com uma perseguição mais ferrenha da coerência.

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