sábado, 31 de dezembro de 2011

Melhores de 2011


Listas foram feitas para que nos arrependêssemos logo após sua divulgação. Sobrepor filmes anualmente está mais para uma brincadeira hierárquica, que não necessariamente faz justiça aos melhores do ano. A relatividade destas classificações cresce, ainda, quando compreendida a relação mutante entre espectador e filmes. Brincadeiras ou não, úteis ou descartáveis, seguem nossas listagens - nunca definitivas - dos melhores do ano, e algumas menções honrosas que se fizeram necessárias.

___________________________________

CONRADO HEOLI 

Melhores

1. Namorados Para Sempre 
2. Meia-Noite em Paris 
3. Cisne Negro 
4. Riscado 
5. Melancolia
6. O Garoto da Bicicleta
7. Cópia Fiel 
8. Poesia 
9. Incêndios 
10. Inverno da Alma

___________________________________

MARCELO MÜLLER 

Melhores

1. Cópia Fiel 
2. Melancolia 
3. O Garoto da Bicicleta
4. A Árvore da Vida 
5. Tetro 
6. Singularidades de uma Rapariga Loura
7. Super 8 
8. Transeunte 
9. Meia-Noite em Paris 
10. Cisne Negro 


Menções Honrosas 

Um Lugar Qualquer 
Margin Call - o Dia Antes do Fim 
Tudo pelo Poder


Publicado originalmente em Papo de Cinema

___________________________________


RAFA MÜLLER 

Melhores

1. A Árvore da Vida 
2. Morro do Céu 
3. Cópia Fiel 
4. Cisne Negro 
5. O Palhaço
6. Melancolia 
7. Chuva
8. O Discurso do Rei 


Obs.: Caro-amigo leitor, minha lista é menor do que a dos meus colegas e amigos de blog, pois assisti apenas a esses 8 filmes lançados de forma oficial aqui no Brasil. Assim sendo, apenas os organizei, conforme grau de preferência no momento presente.

No mundo nada se perde, tudo se anuncia.





Olá, caro amigo-leitor!

Passados meses sem linhas escritas por minha pessoa aqui neste espaço, com exceção das que estão represadas nas janelas de comentários, sufocadas pelo deslocamento e pelo tom coadjuvante de participação, volto pela obrigação imposta por obra literária de primeira.

O último livro do ano, Crônica de Uma Morte Anunciada, do mestre Gabriel Garcia Márquez (Cem Anos de Solidão), foi apreciado pelo Marcelo, irmão e colega de blog, há alguns anos, indicado/obrigado por uma disciplina na universidade. Lembro que na época teceu vários comentários, todos bastante positivos. Hoje, posso atestar que a tenra idade lhe foi suficiente para lhe guiar a um discernimento adequado.

A história aborda a morte de Santiago Nasar, suas conseqüências e reflexos, num povoado rural de tempos já idos. O jovem é assassinado pelos gêmeos Vicário, cujo objetivo é restabelecer a honra perdida da irmã, supostamente tomada pelo protagonista brutalmente retalhado, tal qual um suíno em mãos cruéis.

O autor colombiano já condecorado com o prêmio Nobel, arquiteta de maneira habilidosa as relações dos moradores/personagens com a tragédia, anunciada muito antes de ocorrer. Interessante notar como as tradições impulsionam engrenagens, mesmo enferrujadas ou sem a intenção, por parte dos envolvidos, de colocá-las em movimento.

Os homicidas utilizam da fala para transmitir o que os tornará aptos ao título da palavra segunda deste parágrafo. Não buscam a notoriedade, antes, que alguém creia que, mesmo embriagados e donos de temperamentos destoantes do que se anuncia, impeça e ainda testemunhe a reação e tentativa dos consanguíneos. Sem crime e acerto de contas promovido. Perfeito. Seria perfeito. Pena que logo nas primeiras frases do pequeno livro o autor já nos garante a morte do jovem. Aos poucos tudo se encaixa, de maneiras imprevisíveis, feito na vida. 


Ah, aproveitando a data, que 2012 seja um ano de fervo cultural, seja no público ou no privado.. Abraçosss

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Margin Call - O Dia Antes do Fim


O ano de 2008 foi fatídico para a economia mundial, pois nele eclodiu a famigerada crise econômica que tragou diversas empresas e, num efeito cascata, proliferou para além dos Estados Unidos, onde se originou. A também chamada “crise dos subprimes” germinou com a falência de algumas instituições americanas de crédito que concediam empréstimos hipotecários de alto risco, levando consigo outros tantos estabelecimentos financeiros, em movimento que repercutiu globalmente nas bolsas de valores. O tema surge vívido em Margin Call - O Dia Antes do Fim, estreia em longas-metragens do roteirista e diretor J.C. Chandor, admirável suspense sobre os detonadores da tal crise. 

Evitando qualquer aproximação com visões maniqueístas do mercado financeiro, que pintam os integrantes destas complexas engrenagens como seres desalmados, ávidos por lucratividade, em abordagem que infelizmente encontra eco no senso comum, J.C. Chandor presta-se em Margin Call - O Dia Antes do Fim a uma observação mais angustiada da força humana empregada na movimentação da maquinaria capitalista. A primeira cena evidencia bem a instabilidade deste meio de rentabilidade proporcional aos riscos. Diversos profissionais adentram um escritório para executar demissões em massa. Assemelham-se a um pelotão militarizado de execução. Feitas as devidas contextualizações, não sobram tantas diferenças entre uns e outros. 

Algo precisa ser feito para salvar um gigante capitalista, nem que isto reflita catastroficamente na economia mundial. Vender títulos antes que compradores percebam neles valor ínfimo, como isto transmitindo vírus altamente contagioso, é apenas um procedimento visto com a praticidade característica do mercado. O grande vilão de Margin Call - O Dia Antes do Fim é o próprio sistema financeiro, um abominável disforme que utiliza as pessoas que o manipulam e que dele se utilizam, apenas como hospedeiros. Ninguém é integralmente bom ou mal. Do diretor que ordena ações desafiadoras de básicos preceitos éticos, ao jovem ambicioso que larga a profissão na engenharia por um lugar neste negócio de ganhos mais atraentes, todos são vítimas e algozes, pouco hesitantes ante a possibilidade de aumentar receitas e garantir seu futuro. Alguém poderia condená-los sem hipocrisia? 

Suspense engenhoso, de elenco robusto (como é bom ver dois grandes atores como Kevin Spacey e Jeremy Irons, para citar apenas dois, envergando papeis de extrema relevância novamente no cinema), Margin Call - O Dia Antes do Fim é uma das gratas surpresas da temporada americana, prioritariamente indigesta e anódina, envolta pela arrecadação de filmes que circunscrevem tudo dentro de limites banais ou rasteiros. J.C. Chandor, responsável pelo roteiro e direção, mostra credenciais de quem tem o que dizer, e sabe como fazê-lo de maneira eficiente. O roteiro se prende ao essencial, possui ritmo e aposta num espectador mais antenado em ações e reações, do que propriamente ligado nas minúcias do epicentro capitalista. Ante a dramaturgia sólida e a diretiva inspirada, pode-se perfeitamente prescindir do entendimento de jargões financeiros, sem que haja qualquer perda significativa. No final das contas, ficcionalizar o estopim de uma crise de proporções globais só faz sentido se a resultante espelhar com esta agudeza a relação “homem X dinheiro”. Entre corruptíveis, idealistas e aparentes canalhas, todos são humanos, demasiadamente humanos.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Atoladinha plurisemiótica

Dia destes, navegando sem rumo pela internet, encontrei este vídeo maravilhoso protagonizado por Tom Zé, um dos mais criativos e “estrombólicos” músicos de nosso país. Confesso que não conheço sua sonoridade a ponto de tecer qualquer comentário mais profundo, mas, do que sei, chama a atenção esta busca por tangentes, por lugares e formas negligenciadas na criação ou mesmo no pensamento acerca da música. No vídeo em questão, durante entrevista concedida ao Programa do Jô, ele filosofa sobre o funk Atoladinha, e explica por que ele tem meta-refrão, microtonal e plurisemiótico. Não entendeu? Assista, é uma lição de pensamento satírico bem-humorado em sintonia com a reflexão intelectual.



Atualização: Nossa seguidora no Twitter, Noemia Menezes (@ziguezaguiando) acaba de enviar um link que complementa esta postagem matinal: Funk - Interpretando. Hermenêutica pura. Obrigado Noemia.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Bem-vindos a Twin Peaks


Somos uma geração devidamente acostumada às boas (até mesmo excelentes) séries de televisão, muito pela transformação do meio em terreno fértil para projetos cada vez mais interessantes. Mas, nem sempre foi assim. Twin Peaks, seriado capitaneado pelo cineasta David Lynch, foi uma espécie de divisor de águas neste sentido, quando lançado lá nos idos anos 90. O público certamente não estava acostumado àquele tipo de experiência, possuidora de complexidades inabituais em projetos para a telinha. Mas, para a surpresa de muitos, “Quem Matou Laura Palmer?” virou pergunta recorrente, propriedade do imaginário coletivo, assim como os personagens e situações que movimentaram a pequena cidade do interior dos EUA por duas temporadas. 

A morte da linda Laura Palmer, cujo corpo é encontrado envolto em plástico, boiando no rio da cidade, desencadeia uma série de eventos que mostram a localidade como depositária de segredos, intrigas e mistérios, insociáveis num primeiro momento às suas belas paisagens, repletas de bosques e charme rústico. O agente do FBI Dale Cooper desembarca neste cenário idílico e machucado para investigar a morte da jovem, e acaba se afeiçoando demais às pessoas, ao clima campestre e aos donuts que adoçam os interlúdios do processo investigativos. Cooper, aliás, é um personagem fascinante, visto com o mesmo estranhamento e simpatia fraternal com que encaramos, por exemplo, a senhora que anda para lá e para cá embalando e trocando ideias com um tronco. 

Conduzidos pela magistral trilha de Angelo Badalamenti, repleta de sons estranhos e soturnos, somos levados a desvelar esta coletividade que, a despeito de estar inserida numa pequena comunidade, possui as mesmas pragas cotidianas que tornam enfermas as metrópoles. A mão de David Lynch é evidente, sua verve esquisita (algo entre o surreal e o abstrato) é facilmente percebida, pois impregnada na ambientação atmosférica, nos tipos estranhos, e na maneira cotidiana de lidar com anões que dançam, gigantes mensageiros e entidades maldosas vindas de dimensões desconhecidas. O bizarro é apenas mais um dos convivas de Twin Peaks

É certo que nem tudo são flores. Após a solução principal, ou seja, quando finalmente sabemos quem matou Laura Palmer, a qualidade do programa cai sensivelmente, não propriamente pela falta do mistério, mas por que se insiste no desenvolvimento de tramas paralelas que beiram o banal. Neste momento, Twin Peaks só não fica de todo desinteressante por conta da riqueza de seus personagens, e empatia por eles estabelecida com o público. Porém, com a chegada de Window Earle, o psicopata ex-parceiro de Cooper, e sua vocação assassina, o seriado volta a ganhar fôlego, inclusive no desenvolvimento bastante engenhoso dos elementos que dão conta das dimensões paralelas e polares que explicam, de alguma maneira, fenômenos bizarros que acometem a cidade. Se bem que, ao tentar elucidar este embate metafísico entre bem a mal, tira-se um pouco do instigante mistério da primeira parte, em que tudo estava devidamente envolto na bruma do incompreensível. 

Feitos os devidos reparos, não há como negar o caráter vanguardista de Twin Peaks, série que, por seu sucesso junto ao público, foi uma das ignições do movimento que hoje nos permite constante renovação nas produções televisivas americanas. Não é pouca coisa. Assim como não são poucos os méritos artísticos desta cria autêntica de David Lynch, artista sui generis, que antes de dedicar-se de corpo e alma às causas da meditação transcendental, nos ofertou diversas obras fascinantes. Twin Peaks está na galeria dos grandes trabalhos de Lynch, seja pela primazia de figuras dramáticas tão interessantes e cheias de camadas, pelas inspiradas construções, fabular e narrativa, ou ainda pela disposição em mostrar, cravado num cenário pouco explorado, o potencial de uma trama que, com raras exceções, recusa veementemente confortar o telespectador.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 3 de dezembro de 2011

Estrangeiro em Meu País


O mote de Meu País, longa-metragem de estreia do diretor André Ristum, não é propriamente novo ou merecedor de relevo pela originalidade: homem volta à terra de origem para sepultar um ente querido, neste caso o pai, retomando então o contato com suas raízes, aproximando-se do que era para então descobrir-se. É bom que não se entenda a originalidade da trama como pressuposto de filme bom ou ruim. Então, aos que clamam por algo novo a cada experiência, recomendo olhar retrospectivo mais atento às semelhanças fabulares que tornam parentes até mesmo incontestes obras-primas. 

Pois bem, Rodrigo Santoro interpreta Marcos, o homem que volta ao seu país para enterrar o pai, e desenterrar (perdoem-me a troça lingüística) uma série de elementos que remetem à sua infância, principalmente o dito pai, aparentemente ausente, a quem chama pelo nome próprio, e o irmão inconseqüente que promete levar a empresa da família à bancarrota pelo vício em jogos de azar. Marcos é estrangeiro no próprio país, um alheio na casa que guarda suas coisas de menino. Sua esposa, uma bela italiana, fica fascinada ao contemplar as imagens familiares do marido, a quem parece conhecer de todo naquele momento. Bela cena, aliás, como também aquela em que os irmãos descobrem o testamento afetivo do pai, impresso num vídeo feito com máquina fotográfica. Difícil conter o marejar dos olhos, semelhante às lágrimas que teimam em brotar no racional Marcos, num dos raros momentos em que ele se entrega à emoção. 

Não há, porém, qualquer intenção de Meu País ser um filme tipo “acerto de contas”, como tantos por aí. Não se trata, também, de manifestar a construção do homem por base naquilo que vivencia enquanto criança. Não obstante, esta ótima estreia de Ristum é feita muito mais de silêncios e sugestões, do que propriamente de palavras e quaisquer rompantes emocionais, mesmo quando insere a irmã bastarda com deficiência intelectual na relação tempestuosa dos dois irmãos. Há os que objetam o isolamento dos personagens, órfãos de uma contextualização social. Não creio ser isto um problema, ainda mais quando se entende Meu País como uma obra voltada aos seres, na qual os entornos apenas os refletem, e bem, é bom que se frise. 

André Ristum demonstra as inconstâncias diretivas naturais de um primeiro trabalho em longa-metragem, mas nada que mine substancialmente o desenrolar de seu drama familiar, aliás, muito bem conduzido. O  não-pertencimento sentido pelo personagem de Santoro o choca contra um país que teima em mantê-lo, seja para que resolva os problemas do irmão (em outra atuação interessante de Cauã Reymond), ou mesmo pela súbita necessidade de cuidar da frágil irmã (construída sobriamente por Débora Falabela). Ao diretor cabe sugerir mais que dizer, confiar plenamente no elenco ao colar a câmera nas expressões, e jogar na tela seu imaginário, que se em pouco reflete socialmente o Brasil (e por que deveria?), certamente espelha o que de mais angustiante habita em seus personagens.