Difícil descrever a
montanha-russa de sensações experimentadas durante a sessão de A Árvore da
Vida. Envolto na aura de mistério e expectativa inerentes aos trabalhos
bissextos do cineasta Terence Malick , o filme, vencedor da Palma de Ouro no
último Festival de Cannes, parece suscitar seguidores e inimigos com a mesma
intensidade. Pretensioso, auto-importante, genial e genioso, são alguns dos
adjetivos que grudam na percepção de quem o vê, é claro, dependendo de como ele
bate. Minha relação com A Árvore da Vida foi bastante atípica. Deu-se,
inicialmente, num misto de espanto e deslumbramento, caiu vez ou outra num
marasmo, voltou ao campo do deslumbre e ainda continua seu processo de
expansão. O filme ficou, e isto já é sinal que de banal ele não tem nada.
Terence Malick certamente é
ambicioso e pretensioso. Mas quem disse que estas são duas características
negativas, desde que se justifique a ambição e se alcance a pretensão? Recorrer
a uma narrativa grandiloqüente para apequenar o homem diante dos mistérios do
universo, certamente não é expediente inovador, mas há muito não se via no
cinema uma reflexão tão aberta neste nível. Alguns vêem na história (e na
tragédia) familiar americana dos anos 50, e sua relação de significados com o
Big Bang, originário da vida, uma meditação acerca da existência de Deus, de
alguém que vela meio displicentemente seus filhos, que manda moscas para
feridas, quando poderia curá-las. Outros entendem o filme como depositário das
intenções de um artista louco para descobrir este Deus. Alguns, ainda, diriam
que A Árvore da Vida se presta a um acúmulo de clichês que funcionam como elo
entre religião e filosofia barata.
Ao discutir quase tudo, Malick
certamente buscou a transcendência. Contudo não me parece que sua intenção vá
muito além de mostrar nossa pequenez ante ao todo que nos abriga, e imbuir de
força divina os processos da natureza violenta e cruel que nos circunda. O Big
Bang, a cachoeira com suas águas turbulentas, o dinossauro que se mostra
dominante, pois evoluído, e o menino que, oprimido pela figura paterna, vê-se
em certo momento tal qual o pai (“Sou tão ruim quanto você”, ele chega a dizer)
demonstram o caminho agudo inerente à natureza, que só é bela e possuidora de
tantas maravilhas quando vista por olhos inferiores como os nossos. Isto
poderia ser uma metáfora para um Deus que, igualmente, só é magnânimo quando
comparado às criaturas menores que somos? Claro que pode, repito, depende do
ponto de vista.
A meu ver, A Árvore da Vida é um
acontecimento cinematográfico difícil de ser amplamente controlado pelo espectador.
Ao relacionar o núcleo familiar, que se presta, com uma variação e outra, a
qualquer família constituída, com os processos que levaram à evolução das
espécies, Malick pode ter errado a mão em algumas partes, esticando demais certos
planos, se perdendo, vez ou outra, na grandiosidade metafísica que gostaria de
exprimir por meio de seu cinema. Certamente que pode, e até acredito que A
Árvore da Vida não seja livre de algumas arestas, de reparações, pois perder-se
na imensidão do cosmos, e na intenção de retratá-lo em sua complexidade, é
humano, demasiadamente humano.
Não me furtaria o direito, porém,
de taxar este novo filme de Terence Malick como grande. O cuidado com a imagem
- que passa ao largo da mesmice a que somos submetidos cotidianamente, o trato de
personagens tão interligados e, por que não, alegóricos, e a abertura às
múltiplas interpretações e entendimentos, tudo respira pelos poros do talento
recluso de Malick. No que alguns veem lampejos de documentário do Discovery
Chanel, percebo uma construção bastante importante para que se entenda o
itinerário do filme. O que muitos teimam em pintar como narrativa truncada, me
parece um claro e impressionante fluxo, composto por elipses que reforçam os
pequenos fragmentos e que transformam as diminutas coisas e gestos em
microeventos interligados.
A Árvore da Vida é uma ampla
experiência sensorial que, sem dúvida, clama por outras incursões, para que nelas
se possa desvendar outras possibilidades. É uma viagem, a meu ver não no
sentido pejorativo, como se fosse obra de alguém sob efeito de qualquer
substância (como já andei lendo por aí), mas sim por carregar o espectador a
outros lugares, por embeber os sentidos com imagens e sons impressionantes, por
instigar o pensamento distante das convenções. Um grande filme que se desdobra,
permanece e, o que é mais impressionante, evolui.
Parabéns pelo belo texto Marcelo!Com certeza à altura da grandiosidade do filme de T. Malick.
ResponderExcluirMas ainda prefiro seu texto, suas impressões sobre "Árvore da Vida", seus argumentos, do que o próprio filme. Não é a primeira vez que isso me acontece aqui.
Eu pessoalmente não gostei de "Árvore da vida". Achei pretensioso,mirabolante, excessivo. Fiquei com a impressão de que o diretor foi colocando elementos que o agradavam, sem pensar muito, sem se preocupar com a sequencia, com a perfomance dos atores, aliás em "Árvore da vida' isso não pareceu muito importante.
Já os fenômenos, os estrondos,os efeitos visuais e sonoros são realmente incríveis e (híper)valorizados.
É um filme para ser visto no cinema.
Não gostei também do apelo religioso.Bem como do argumento final tendendo ao divino novamente.
Uma pena a participação relâmpago do genial Sean Penn.
Uma narrativa lenta, mas que em outras circunstâncias não me desagradaria,efeitos como já disse fantásticos e te parafraseando: um "acontecimento cinematográfico".Sem dúvida!Um filme como "árvore da vida', rico em elementos, recursos visuais,sonoros, onde a temática principal explorada é a vida/morte é para poucos.E vendo por esse prisma, Malick conseguiu impressionar. Mas pra mim faltou alma, calor humano,linguagem propria e um pouco de humildade.
beijos
Olá, Celo!
ResponderExcluirAo meu ver, um dos melhores do ano. Excelente.
Abraçossssss