quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ir ao cinema ou não ir, eis a questão.

É uma dúvida cruel esta que me assola: vou amanhã ao cinema assistir Thor, ou fico em casa e vejo algo com mais, digamos, consistência? Constatação primeira para tentar dissipar a dúvida: ainda não vi Thor e nem qualquer outro filme que eventualmente vá assistir em casa (a menos que seja uma revisão, o que não creio ser o caso de amanhã), portanto não tenho como saber antecipadamente. De qualquer maneira é pagar para ver, e arcar com o valor no final das contas. Deixo claro que gosto de filmes de heróis como divertimento e, curioso que sou, confesso que me é sedutora a ideia de ir ver o que Kenneth Branagh fez com o Deus do Trovão. Mas sabem quando há uma voz interna que diz “não se desloca ao shopping, vai para casa e vê algo por lá mesmo, o trailer de Thor nem é tão empolgante assim e a roupa do Anthony Hopkins está mais para figurino dos Power Rangers do que para bom cinema de entretenimento”

Pois é, mas ouvir esta voz não significa segui-la, até por que posso ser bastante teimoso quanto às opiniões oriundas de minha intuição, às vezes numa espécie de auto boicote. Legal poder ver a evolução dos heróis da Marvel nas telas, ainda mais após filmes divertidos como Homem de Ferro, por exemplo, e, queria ou não, tudo vai convergir em Os Vingadores, projeto que pela grandiosidade aguça também minha curiosidade. Sigo até com certo entusiasmo as transposições cinematográficas destas figuras emblemáticas que povoaram a infância e/ou adolescência da maioria dos que são de minha faixa etária. Mas será que quero mesmo sair de casa, correr até o cinema, entrar na fila, comprar meu ingresso com desconto (afinal, lembrando, ainda sou estudante) e certamente me indispor com uma trupe adolescente que vai berrar cada vez que Thor e seu martelo aparecerem na tela? Ou seria melhor, após estafante dia de trabalho, ir direto para casa, tomar banho, comer tranquilamente alguma coisa, escolher dentre os filmes à disposição e me entocar sozinho na sala, onde o máximo de intervenção que possa me irritar serão os latidos do cachorro do vizinho? Pronto, pesando prós e contras, resolvi: amanhã eu decido.

ATUALIZAÇÃO (29.04 - 21h51): Resolvi vir para casa, ler, e assistir a série The Borgias.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Permanências e a rebeldia da inércia

 
Há algo de muito intenso em Permanências, filme mineiro recém selecionado para integrar a competição de médias e curtas na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Nele, um conjunto habitacional é cenário e protagonista, e um quê de abandono permeia tanto este monte de concreto, como seus habitantes, justos e indispensáveis coadjuvantes desta experiência poética. A câmera não se move e, neste mundo retratado pelo cinema contemporâneo, sua opção pela inércia, permanecendo fiel aos objetos e/ou às suas gentes, soa quase como um ato de rebeldia, um grito silencioso que busca a liberdade sem alardes. Permanências suscita ainda questionamentos internos quanto a real oscilação das coisas: a cena inicial, com um homem se movendo inconstante ao som de Beethoven, apresenta movimento associado à música ou ambos sobrepostos induzindo o espectador a uma construção própria, independente das verdades do diretor?

Um senhor fala brevemente sobre namoros do passado, uma mulher espera, outra divaga sobre algo esparso enquanto fuma, dando ainda mais ares de decrepitude a seu já cadavérico corpo, e a câmera ali, corajosa e solidária com a imobilidade dos seres. Cansa, às vezes cansa mesmo olhar inadvertidamente para uma mesma cena, um mesmo semblante, sem que quase nada se mexa, sem que algo aconteça, guiados apenas pelas variações sonoras. Mas se o filme nos traz para si, mesmo sendo detentor de momentos que beirem o enfado, é por que nele reside algo substancial, justamente este encantamento pela contemplação, pela observação feita não apenas com os olhos, já que muito da ação de Permanências ocorre fora do quadro, através de sons. O forte do filme de Ricardo Alves Junior está, então, nesta relação entre o que vemos e o que não vemos, entre o que sabemos previamente e o que decidimos submeter, ou à nossa imaginação ou à capacidade de aproximação e envolvimento com o desconhecido.

sábado, 23 de abril de 2011

A trilogia De Volta para o Futuro


Feriado prolongado, e nada melhor do que um mergulho cinematográfico num dos responsáveis pela minha formação cinéfila: a trilogia De Volta para Futuro. Quantas tardes passei em frente a TV, nos saudosos momentos áureos da Sessão da Tarde, assistindo as desventuras de Marty McFly pelas variações do tempo. Como havia muitos anos que não via os filmes, e muita água rolou debaixo da ponte desde a última vez, resolvi fazer uma sabática imersão nas fantasias produzidas por Steven Spielberg e dirigidas por Robert Zemeckis.

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De Volta para o Futuro
O primeiro filme da trilogia De Volta para o Futuro é o mais divertido exemplar que o cinema já criou sobre o complexo tema da viagem no tempo. Marty McFly, no grande papel de Michael J. Fox, volta aos anos cinquenta, após acidente que vitimou o doutor Emmett L. Brown, cientista idealizador da máquina do tempo. Ele então conhece seus pais na juventude e, precisamente por ter interagido com eles e com outras pessoas que conhecerá futuramente, McFly, além de buscar alternativa viável para seu retorno, precisará recolocar as coisas nos eixos para que ele não deixe de existir. Bons tempos em que Robert Zemeckis não era obcecado pela tecnologia furada e artificial da captura de movimentos que pautou seus últimos filmes, pois aqui ele dirige um filme dinâmico, para lá de divertido, um representante legítimo e dos mais representativos de uma época em que as palavras “blockbuster” e “franquia” não eram, como hoje, quase sempre sinônimas de porcaria. Marty voltando no tempo, percebendo que sua mãe carola na verdade tinha sido uma adolescente bem saliente, entendendo o porquê do fracasso de seu pai, tudo a ver com a juventude acovardada dele, e a subversão do final, do futuro drasticamente alterado por conta da participação de Marty no passado, inclusive mostrando a herança que a nova realidade dos progenitores trouxe aos seus rebentos, são elementos que habitam meu imaginário cinéfilo, certamente.


De Volta para o Futuro II
Objetivamente, lembrava pouca coisa de De Volta para o Futuro II, mas sabem quando se assiste algo e as imagens soam familiares? Nesta segunda parte da trilogia, que começa logo após o término de sua antecessora, Dr. Emmet vem buscar McFly e sua namorada para que eles ajudem a mudar o futuro, no qual seus filhos vão presos, decretando posteriormente o fim da família. Se no primeiro filme o objetivo era não mudar nada do passado, para não influenciar negativamente o futuro, aqui a consumação da mudança, da alteração do andamento natural das coisas, de fato provoca uma série de transtornos em cadeia ao longo das eras, e cabe a Marty novamente tentar recolocar tudo nos eixos. Embora seja menos icônica que a parte I, a parte II mantém o nível da narrativa e expande a mitologia, considerando algumas colocações sobre o tempo, as alterações e tudo o que diz respeito à viagem cronológica. E como é divertido acompanhar o que se idealizava no final da década de oitenta como sendo o futuro após 2010, mais precisamente 2015, com carros voadores, e um inconfundível porvir mais neo-retrô do que futurista. Longe de ser um caça-níquel, esta é uma sequência bem honesta do sucesso que alavancou a carreira de Michael J. Fox, um ótimo entretenimento que mantém o nível estabelecido pelo original.


De Volta para o Futuro III
Ainda não tinha assistido De Volta para o Futuro III. Na última parte da trilogia, Marty precisa voltar ao Velho Oeste para buscar o Dr. Emmet, antes que ele seja morto com um tiro nas costas pelo antepassado de Biff. De Volta para o Futuro III se utiliza pouco de alguns elementos muito característicos de seus antecessores, como, por exemplo, a interação determinante entre McFly e seus antepassados ou descendentes através das eras. Por certo, é uma aventura impregnada dos signos edificados nas duas primeiras partes, uma legítima sequência, mas o que chama atenção é a maneira pela qual dá este prosseguimento, com reverência rasgada aos westerns. Neste tocante, são ótimas as menções a este que é o gênero cinematográfico americano por excelência, mas que, ironicamente, aqui é lembrado por meio de signos e personagens mais próximos do western spaghetti, e de Sérgio Leone, italiano que elevou os faroestes italianos ao panteão de arte. Além de Marty se alcunhar Clint Eastwood durante a permanência no tempo das diligências, e se trajar como Clint aparecia nos mais célebres filmes de Leone, o diretor Robert Zemeckis dá outras piscadelas ao público mais atento, seja pela maneira como retrata os vilões, sempre sujos e repugnantes, ou mesmo algumas passagens da trilha sonora, bem ao estilo Ennio Morricone, colaborador contumaz de Leone. Reverências ao spaghetti western à parte (presentes também em uma cena do segundo filme, diga-se), De Volta para o Futuro III encerra dignamente a trilogia mais bacana do cinema.

Corra, Amélie, Corra


Pausa para uma historieta que mistura comédia, tragédia, cinema e ensino superior. Estudo comunicação há um bom tempo (logo certamente farão uma estátua na universidade em homenagem aos meus anos de permanência na instituição). Uma das disciplinas eletivas que cursei, quase no meio do curso, foi a de cinema, certamente por mim a mais aguardada. Salivava só de pensar em ir para a aula. Pois bem, aqueles momentos que poderiam ter sido os mais divertidos da minha passagem acadêmica até então, se mostraram tempos de tortura medieval em sala de aula, pois descobri que um professor pode falar muita porcaria para alunos não iniciados nos assuntos que eles, os professores, deveriam dominar, mas dos quais às vezes pouco ou nada sabem. Ah, os colegas também não ajudavam em nada.

Depois de ouvir todo tipo de besteira vinda de minha professora (teoricamente uma expert em cinema), como, por exemplo, que um filme de 120 minutos não era um longa-metragem, que Chaplin teria morrido há coisa de cinco anos (será que ela não sabia mesmo e chutou, ou teria ela uma disfunção que faz seu cérebro operar como se estivesse no fim da década de 70?), que um filme com fantasma era impressionista por que impressionava (simples assim) e uma bobagem tão sem tamanho sobre Corra, Lola, Corra que acabei deletando da memória, eis que uma colega em especial coroou o mais decepcionante semestre que tive na universidade. Lembrei desta história não sei bem por que, mas nunca esqueci o rosto desta camarada de aula, durante aquela conversa, num fim de noite. 

Finda uma das aulas, me dirigia com esta colega para o terminal do ônibus, conversando sobre o andamento da disciplina e sobre filmes, quando ela perguntou se eu já tinha assistido Velocidade Máxima de Amélie Poulain. É sério. Meu fluxo sanguineo parou por um segundo, respirei fundo, e disse, muito calmamente (quando minha vontade era jogar ela debaixo do próximo veículo que se fizesse presente), que ela havia feito a junção de dois filmes, bem distintos por sinal. Naquele momento, e me valendo também de memórias das pífias aulas que a professora ministrava, juro que se eu achasse a lâmpada de Aladim, pediria ao gênio para colocar minha “mestra” e esta colega num ônibus desgovernado, mas sem o Keanu Reeves, e sem a Audrey Tautou, é claro.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Os tempos modernos do cinema

Embalagem é tudo. Estudos interessantes apontam que a decisão de compra do consumidor é influenciada, e muito, pela comunicação emitida pela embalagem. Considerando um universo onde cinema é comércio e filmes são meros produtos, suas embalagens devem ser extremamente atrativas, dadas as devidas ameaças de um mercado com muita competição entre empresas rivais. Para a felicidade da indústria, continuamente proclamam novidades tecnológicas que prometem transformar produtos cinematográficos em artigos extremamente sedutores. No entanto, independentemente do segmento comercial, o problema é o mesmo: dão atenção em excesso à embalagem e importância insuficiente ao seu conteúdo.

O paralelo acima e diversos outros questionamentos me surgiram ao ler sobre aquela que foi nomeada a nova revolução tecnológica do cinema, que diz respeito à captação e reprodução de imagens com 48 quadros por segundo e não mais 24 - formatação utilizada no cinema há quase um século. James Cameron, responsável também pela contínua agitação da indústria hollywoodiana em relação ao cinema 3D, é o principal entusiasta e defensor da novidade. A Variety, um dos mais importantes veículos norte-americanos na área do entretenimento, vai além e diz que tal evolução no cinema é equiparável às alterações proporcionadas pela entrada do som, cor e – novamente – do 3D.

A vindoura duologia O Hobbit, dirigida por Peter Jackson, já está sendo rodada com câmeras que captam 48 quadros por segundo. Cameron, que promete para 2014 e 2015 duas sequências para Avatar, diz que os filmes serão rodados com equipamentos digitais que captam 48 e 60 quadros por segundo. O único impasse, no presente momento, é que apenas 10 mil salas no mundo suportam este tipo de projeção. Jackson espera que até dezembro de 2012, quando lança o primeiro de seus dois filmes, o cenário seja outro e ainda indica: “se nós lançarmos mesmo em 48 quadros por segundo estes serão os cinemas em que você deverá assistir ao filme. Será inacreditável!”.

A incensada mudança, que segundo Peter Jackson já alterou a percepção de muitos puristas, está no senso de “realidade” que a tecnologia permite. James Cameron, que defende o 3D como forma de levar o espectador para dentro da narrativa, apoia o amigo cineasta no discurso. Independente do avanço, seja ele mais marketing que efetivamente tecnologia, tal necessidade por novidades sinaliza uma indústria temerosa frente às novas ferramentas disponíveis, que ainda dispersam o público das salas de projeção. O 3D aumentou e muito o faturamento dos estúdios, porém isso é sinal da elevação dos custos de ingresso e não necessariamente de uma adesão maior de espectadores.

Tento não encarar com ceticismo essas novas tecnologias. Apenas em imaginar uma repulsa imediata, anterior a qualquer experiência com alguma novidade, lembro-me de Platão e do mito da caverna. Acredito na validade de tais inovações como recursos cinematográficos interessantes, mas não essenciais ou merecedoras de mérito por revolucionarem uma arte. Avatar é excepcional quando o que se analisa é seu ineditismo tecnológico, porém até onde ele inova em outros quesitos? Até onde ele vai além de ser outra narrativa desenvolvida em cima do monomito? Existe algum filme lançado em 3D que não seria tão bom (ou tão ruim, como muito acontece) caso fosse realizado sem tal artifício?

Essas e outras questões me inquietam nos últimos dias. Amo o cinema em sua essência e tento não encarar às supracitadas novas tecnologias através de uma ótica simplista e paradoxal, como se o avanço tecnológico implicasse na carência de conteúdo, mas é difícil. Afinal, embalagem é tudo?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Bonequinha de Luxo e o glamour das máscaras cotidianas


A menina que toma café em frente à Tiffany, em Bonequinha de Luxo, é mais do que uma insone excêntrica, ou mesmo uma ricaça esnobe. Ela é Holly, garota de programa chique, bem vestida, sempre maquiada, fêmea fashion que desfila um sem fim de figurinos belíssimos, que caem muito bem a seu corpo esbelto. Seu novo vizinho é um escritor em permanente crise criativa, sustentado por uma mulher insatisfeita sexualmente (ou afetivamente), e que não se importa em deixar trezentos dólares em sua cômoda sempre que volta para casa pela manhã. Ou seja, tanto Holly como seu vizinho Paul vendem seus corpos, ela em busca de glamour, este só possível por meio do dinheiro, e ele para obter a subsistência que seu outrora festejado talento não lhe garante mais. Blake Edwards, diretor famoso pela comédia, não centraliza a prostituição, evitando que uma eventual discussão acerca da polêmica função tome de assalto a narrativa que, a bem da verdade, não se propõe a isto. Bonequinha de Luxo é um legítimo filme de amor, de encontros e desencontros.

Logo, Paul ama Holly, que ama as joias e o dinheiro que fogem de sua posse. A jovem segue sua busca por um par afortunado, por alguém que se permita entrar numa loja e desembolsar bem mais do que os dez dólares de que Paul dispõe. Ela luta contra seus sentimentos, apela ao radicalismo como subterfúgio, concomitantemente busca enterrar Lula Mae, seu “eu” anterior a vida de prostituição e glamour na Big Apple. Sua ambição é quase pueril, e um dos méritos, tanto da intérprete como do diretor que a guia, é o de trabalhar na elaboração de um personagem que, de tão humano e facetado, não se presta a enquadramentos morais. Ela sabe que ama Paul, mas prefere sofrer na riqueza a ser feliz na pobreza. É uma ambiciosa incorrigível esta Holly, ou quase, e nós embarcamos na dela.

Mesmo que, no frigir dos ovos, se valha do famigerado final feliz (que, diga-se, até cabe bem na história desta Cinderela moderna), Bonequinha de Luxo conserva um olhar amargo, principalmente nas observações que faz da alta sociedade nova-iorquina da época, alvo dos anseios de Holly. A festa em seu apartamento é a melhor prova deste olhar agridoce que o filme reserva à burguesia, com tipos fúteis divertindo-se a esmo, rindo e chorando com a mesma intensidade em frente ao espelho, embriagados por uma atmosfera que celebra a aparência e o que se pode maquiar. Edwards não nega sua graça, ao habilmente inserir alívios cômicos, elementos que trazem interessante lividez à narrativa. Audrey Hepburn, por sua vez, brilha com a intensidade das grandes estrelas, agarra com paixão o papel da menina que busca a felicidade na lista dos homens mais ricos. Adaptado da obra do célebre Truman Capote, aliás pelo próprio, Bonequinha de Luxo é mais do que desfile de moda ou farol para fashionistas, como se convencionou colocar em relevo, é um exemplar bem bonito sobre aparências, máscaras e a busca pela realização.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Minha semana "Guido Anselmi" e Cannes


Semana de crise criativa. Não consegui escrever nada que prestasse para o blog (há os que dizem que nunca consegui, mas tudo bem). Tentei, em vão, rascunhar alguma coisa sobre os filmes assistidos no fim de semana passado, os excelentes Cópia Fiel e Animal Kingdom. Não saiu nada que merecesse a leitura dos que nos acompanham. Os três (TRÊS) textos que fiz sobre o filme de Kiarostami ficaram horríveis, um por pura falta de conteúdo, outro por seus excessos, e o terceiro, que me levou a desistir momentaneamente de escrever algo mais elaborado sobre a obra, por ser uma tentativa falha de teorizar sobre como o filme me parece uma discussão rica sobre a potência da encenação no cinema, e sua relação com a vida real. Crise criativa é a treva, como diria uma conhecida minha. Mas se os grandes artistas as tiveram, têm ou ainda terão, por que esta sensação de vazio não acometeria, às vezes, um blogueiro cinéfilo como eu? Confesso que lembrei de Fellini, e seu 8 e ½ que, aliás, já está pedindo uma segunda audiência.

Além de crise, semana também de anunciados em Cannes. A lista de candidatos este ano me pareceu mais forte, se comparada a do ano passado. Grandes nomes consagrados, promissores diretores estreantes e aquela sensação de que a Palma de Ouro é, indubitavelmente, o mais relevante prêmio do cinema mundial. A lista completa dos concorrentes e das mostras paralelas você pode conferir aqui. Sem delongas, aí vão quatro trailers de filmes que irão à croisette (em competição ou nas mostras), e que me deixaram “chapado” (nada a ver com cannabis ou qualquer outra substância alucinógena, que não o próprio fascínio pelo cinema): Melancholia, de Lars Von Trier, Sleeping Beauty, de Julia Leigh,  o brasileiro Trabalhar Cansa, de Juliana Rojas e Marcos Dutra e A Árvore da Vida, de Terrence Malick.







sábado, 9 de abril de 2011

Adeus Lumet

"O objetivo de todos os filmes é entreter, mas o tipo de filme em que eu acredito vai um passo adiante, compele o espectador a examinar uma faceta ou outra de sua própria consciência"

Sidney Lumet
25/06/1924 – 09/04/2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

The Tramps Entrevista: André Barcinski


Dando sequência às entrevistas com críticos de cinema, exclusivamente concedidas ao The Tramps, conversamos com André Barcinski, dono de uma irreverência textual inconfundível, e a quem aproveitamos para agradecer pela colaboração.

André Barcinski é crítico da Folha de S. Paulo. Trabalhou no Notícias Populares, Jornal do Brasil e Jornal da Tarde. Foi correspondente em Nova York e Los Angeles. Autor de “Barulho”, vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem de 1992, e co-autor de “Maldito – A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão”. Diretor de “Maldito” (2001), documentário vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Sundance.



Acompanhem o blog do André Barcinski em: http://andrebarcinski.folha.blog.uol.com.br/

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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Meus pais sempre gostaram de bons filmes. Quando eu era adolescente, comecei a freqüentar cineclubes no Rio (Macunaíma, MAM, as sessões de filmes franceses na Maison de France). Depois, fui cineclubista, fundei o cineclube da minha escola.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Acho que o mesmo de sempre: tentar separar o joio do trigo; destacar quem merece e atentar para novos nomes.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Eu acredito que qualquer discussão sobre cinema – e arte em geral – é válida, não importa o veículo. Hoje, as pessoas parecem ter menos disposição para ler textos longos, os blogs e sites sobre cinema são bem populares. 

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Eu acho que a crítica, por mais informação que possa transmitir, funciona melhor quando é subjetiva. É a análise que aquela pessoa faz da experiência de ter visto aquele filme. Claro que é importante contextualizar a obra e descrevê-la, até para o leitor ter uma idéia melhor do que vai assistir. Mas eu, como leitor, quero saber como aquele filme afetou a pessoa que está escrevendo. É óbvio que cada pessoa reage diferentemente a um filme. Isso depende de uma série de fatores e gostos pessoais. Mas a crítica que mais me toca é aquela em que a pessoa fala abertamente sobre a obra. Prefiro um texto pessoal e com lacunas de informação a uma crítica fria e “eficiente”.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Sempre volto a Pauline Kael, não tem jeito. Tenho todos os livros dela, é fantástico assistir a um filme e depois conferir o que ela escreveu. Ela escrevia de forma livre, como se estivesse conversando com o leitor, e era muito corajosa. Defendeu diretores execrados por muitos e destruiu alguns filmes “intocáveis”. Mesmo se você não concordasse com ela, era impossível não ver ali uma opinião forte e pessoal. Entre os brasileiros, gostava muito do Salvyano Cavalcanti de Paiva. Dos contemporâneos, gosto do David Denby, da New Yorker. E adorava o Elvis Mitchell, no NY Times, pena que durou tão pouco.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Nenhum, porque os diretores de que mais gosto – Pasolini, Buñuel, Satyajit Ray, Fuller, Mojica, Kurosawa – já tinham feito seus melhores trabalhos antes de eu começar a acompanhar suas obras. Fiquei muito triste com a morte de Kieslowzki, porque gosto muito dos filmes dele e acho que ainda tinha muito a oferecer.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Sinal dos tempos. Tudo é mais rápido e mais curto. Às vezes, me pego relendo textos que fiz para jornais e revistas há 15 anos, e me assusta como tínhamos espaço para escrever. Hoje, o espaço reduzido nos jornais força os críticos à concisão. Fica difícil fazer grandes reflexões ou analogias quando se tem poucas linhas. Além do mais, sempre procuro lembrar que estou escrevendo em um jornal de grande circulação e para um público que, muitas vezes, só quer saber se aquele filme vale duas horas de seu tempo. É muito diferente escrever um livro sobre um cineasta ou um texto para uma revista de cinema.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Claro. Especialmente hoje, quando as fronteiras entre os dois estão tão indefinidas.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Com preocupação. Nossos filmes são muito caros, e a forma de produção é lenta e privilegia o cinemão comercial. Um cineasta leva cinco anos para conseguir dinheiro para um filme. É muito tempo. Acho que a geração mais nova deveria buscar maneiras mais rápidas, baratas e eficientes de filmar. Acho inadmissível que as tecnologias melhorem tanto, com câmeras melhores e mais baratas, e os custos dos filmes continuem subindo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Tinto Brass e o magnetismo sexual


O cinema de Tinto Brass é kistch até os ossos. Erótico e lascivo são também adjetivos que se pode atribuir às narrativas e mise-en-scènes que brotam da cabeça deste italiano sem pudor. Nem sempre é fácil identificar as camadas que compõe seus desnudos personagens, ou “penetrar” no psicológico e nas motivações de mulheres que exibem sua genitália sob uma calcinha provocante de renda, ou por meio do reflexo no espelho. Tinto brinca com a capacidade de concentração do espectador e regularmente trata de desviar seu olhar, dissociando muitas vezes suas percepções de imagem e som, como nas sequências em que mulheres conversam sobre angústias, dúvidas e temores, enquanto a câmera fica estática em suas (geralmente lindas) bundas. Tinto Brass se vale de personagens que guiam seu comportamento pelas pulsões sexuais, brinca com as taras e impulsos do espectador. 

Ao contrário do que muitos pensam, Tinto não faz filmes para homens, ou só para eles, já que sua intenção não é puramente exibir a mulher, mas sim mostrá-la como meio pelo qual o desejo universal se manifesta. A câmera de Tinto é magnetizada pelo corpo feminino, pela voluptuosidade das curvas, gestos e trejeitos da fêmea, cuja nudez, convenhamos, independente de gostos cores e amores, esteticamente é muito mais atraente que a do homem, este bicho rústico, quase um bípede pré-histórico. Assim como habilidosos cineastas utilizam o terror para fazer comentários políticos, por exemplo, Tinto faz do comportamento quase surrealmente sexual de suas personagens, veículo para discussões que influenciam o particular e, por conseguinte, o entorno social. Nem sempre suas narrativas conseguem transcender esta proposta estética embebida de signos ligados ao sexo. Por vezes a forma sufoca, e ele perde a mão no conteúdo. Erram, porém, os que reduzem o erotismo de Tinto Brass ao soft pornô, ou ao estigma de “filme para tarados”. Pensar assim é amortizar o talento de um autor que, no mínimo, trabalha com habilidade no limite entre o bom e o mau gosto.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

The Tramps Entrevista: Sérgio Alpendre


Continuamos a série de entrevistas com críticos de cinema, exclusivamente concedidas ao The Tramps. Nossa segunda conversa é com Sérgio Alpendre, um profissional que tem nossa admiração e respeito, e a quem aproveitamos para agradecer pela colaboração.

Sérgio Alpendre é crítico de cinema, jornalista e professor. Fundou e editou a Revista Paisà, foi redator da Contracampo durante dez anos e atualmente colabora para o UOL, a Folha SP (guia de livros, discos, filmes) e a FOCO.

Sigam o blog do Sérgio Alpendre: http://chiphazard.zip.net
Confiram também o trabalho da Revista FOCO, uma das mais interessantes publicações sobre cinema da internet: http://focorevistadecinema.com.br/


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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Nasceu aos seis anos, quando meus pais me levaram ao extinto Rio Branco para ver uma animação de Walt Disney, Robin Hood. Depois, passei a atormentá-los todos os dias, porque queria repetir a experiência. Mais tarde, me tornei cinéfilo de locadora (VHS) e de filmes clássicos na TV aberta, já no fim dos anos 80.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Não deixar o espírito crítico, questionador, morrer debaixo da mediocridade reinante. Ou isso ou não faz mesmo sentido. Ainda não sei. Só sei que quero continuar sendo crítico, por algum tipo de masoquismo.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Acho que essa crítica de internet gerou um novo academicismo que acaba fazendo com que esses críticos escrevam para outros críticos, ou para estudantes de cinema. A Contracampo, por exemplo, foi uma revista que fez avançar o pensamento cinematográfico, mas não soube se renovar. Não soube fazer o avanço para uma verdadeira crítica cinematográfica, livre de conceitos acadêmicos e vaidades intelectuais, pronta para amar o cinema e transmitir esse amor aos leitores. As revistas que surgiram depois da Contracampo (Cinética, Moviola, Filmes Polvo, mesmo a Paisà que eu fundei e editei, e muitas outras) também não souberam sair dessa prisão sub-acadêmica

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Na crítica geralmente enfraquece, mas há exceções. Gosto de análise, gosto de muitos trabalhos acadêmicos, mas não gosto de sub-análises e sub-academicismo. Acho nocivo à crítica. Não creio que se possa esconder o gosto ao escrever uma crítica, por exemplo. Vira outra coisa, nunca uma crítica. Também não acredito no "mais objetivo possível".

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Dos de outrora destaco Sganzerla, Jário Ferreira, Jean Douchet, Noel Simsolo, Jacques Lourcelles, Jean-Claude Guiguet, João Bénard da Costa, Truffaut, Rivette, Luc Moullet, Michel Mourlet, Jean Domarchi, Rohmer, Bazin, e diversos outros que leio menos, mas sempre com o maior prazer. Em atividade posso citar o Inácio Araujo, o Luiz Carlos Oliveira Jr. e o Bruno Andrade no Brasil. Juliano Tosi é outro que admiro, mas não escreve há um bom tempo. Chris Fujiwara nos EUA. Sèrge Bozon tem um trabalho interessante na França, tem o Chauvin também. Mas crítica é também momento. Em 2008 outros nomes pintariam. É bem possível que daqui a dois anos outros nomes apareçam, ou os que pintariam em 2008 voltem. Existem fases, respostas às vidas particulares de cada um. São muitas coisas que influenciam.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Recentemente o Rohmer, sem dúvida. Seus últimos filmes foram geniais. Mas tem morrido muita gente boa de cinema. Está assustadora a maré.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho sobretudo um erro estratégico. Querem imitar a internet, mas estão entrando em um jogo que não podem vencer. O jornal devia trazer a reflexão do furo, a notícia aprofundada e a opinião. A crítica é mais uma vítima dessa orientação equivocada, a meu ver.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Não acho muito válido, não. Essa dicotomia nunca foi muito evidente para se estabelecer valores, nunca será. Filmes comerciais podem ser bons, assim como tem uma penca de filmes "de arte" que são horríveis, rasos esteticamente, com humanismo de almanaque.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Vejo com interesse, sempre. Eu sou teimoso, insisto. Há anos me parece que o cinema comercial (para fazer o link com a resposta anterior) é mais feliz que o autoral, ao menos no Brasil. Walter Salles, por exemplo, faz cinema autoral, e raramente acerta. Aquele Budapeste, do Walter Carvalho, é um horror. Insolação, idem. Já os últimos de Daniel Filho, Tempos de Paz e Chico Xavier, são belos exemplos de bom cinema de artesão, com pensamento no grande público. Tropa de Elite (os dois) é outro bom exemplo.