terça-feira, 29 de junho de 2010

Eclipse e as vuvuzelas das salas de cinema


Na próxima sexta-feira estreia Eclipse, a terceira parte da série Crepúsculo, aquela que encanta jovens e acaba por os levar às livrarias, em busca da obra original, e ao cinema à procura do Robert Pattinson e do Taylor Lautner sem camisa. Só pelo fato de eles, os jovens, cada vez mais arredios e desinteressados, frequentarem estes dois locais, a febre originada pela escritora Stephenie Meyer já valeu à pena. Não assisti a nenhum dos filmes, e dos livros só conheço aquelas capas estranhas que apinham as livrarias e que por puro oportunismo são copiadas por outras editoras que só querem uma lasca do público cativado por Crepúsculo. Já ouvi que os livros são uma bomba, que os filmes são mela-calcinha de menina sonhadora (desculpem os termos, mas é assim que as pessoas falam). Sei lá, pode ser que esteja me deixando levar por opiniões alheias. Pode ser que minha curiosidade não tenha surgido por encarar toda esta febre somente como um caça-níquel poderoso, que conseguiu trazer para si a fatia do mercado que mais interessa hoje aos exibidores de cinema, para falar só da sétima arte, que é dos 12 aos 18 anos.

Não é despeito, por meus filmes queridos não virarem febre e não encherem os cinemas, mas uma espécie de irritação com a banalização do cinema frente a celebridade e o furor adolescente sem critério. Não queria generalizar, mas está difícil. O que me enche o saco é que, salvo uma que outra alma mais atenta, a maioria dos que já garantiram uma bilheteria monstro para Eclipse é composta por pessoas que pouca bola dão para o cinema. Aliás, tente falar mal da saga para uma crepusculete (sim, elas ganharam até uma alcunha que as designa como grupo), tentando argumentar as fragilidades da história, o paralelismo fraco e inevitável com Romeu e Julieta, os múltiplos motivos para não se levar tãããoooo a sério assim esta onda toda, e verá que ela pode virar uma arma mortal, de uma hora para outra. É uma reação passional, compreensível, afinal protegemos, ou queremos proteger, aquilo que amamos. Com esta posição de desagravo pretendo proteger, pelo menos para minha própria integridade, meus conceitos de cinema.

Pode até ser preconceito, concordo que não tenho como conceitualizar algo com o qual nunca tive contato, mas é que estas ondas, estes fenômenos adolescentes que não evoluem com o tempo são mais velhos que andar para frente, e o que incomoda é esta previsibilidade. Porque assistir algo que já se sabe, nem que seja mais ou menos, por quais caminhos vai trilhar? Por isso parei de ver novelas, que eram tão interessantes no passado, e que agora são tão óbvias e insossas. Nem para conto de fadas servem. Ah, quase ia esquecendo, tem outro motivo que não me faz ir ao cinema conferir esta onda: odeio barulho e conversas paralelas durante a audiência de um filme. Pelas opiniões coletadas e relatos de amigos que tiveram a coragem de ir numa sessão com centenas de crepusculetes, imagino que assistir aos filmes com elas seja como estar num estádio barulhento, só que sem o futebol. É isso aí, as crepusculetes são uma espécie de vuvuzela das salas de cinema. No futebol até que são legais aquelas cornetas todas, mas não venha me dizer que no cinema se consegue atenção com alguém gritando “lindooooooo”, “que amoorrrrrr”,”que fofooooo”, do seu lado, porque daí não cola.

Ps.: Refiro-me às crepusculetes sempre no gênero feminino, na onda da maioria, mas tenho consciência que os vampiros que viram purpurina ao sol e a mocinha que não sabe se transa com um lobo ou um morcego também fazem a cabeça de alguns meninos.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

De tanto bater, o coração de Saramago parou


José Saramago morreu. Triste sim, mas não surpresa se levarmos em conta a saúde debilitada que lhe era peculiar nos últimos tempos (e que o luso teimava em não demonstrar), e sua idade avançada, 87 anos. Dizem por aí, e com sua morte os elogios se intensificarão, que Saramago era o maior escritor vivo da língua portuguesa. Não posso afirmar com tanta certeza, afinal em termos de literatura sou um iniciante, alguém que ainda tateia à meia-luz em busca de referências, de experiência no mundo das letras. O que do “alto” de minha ciência, que se não é lá estas coisas para os outros, para sim serve de algo, posso dizer é que Saramago era polarizador, difícil era ficar no meio termo diante de sua prosa ou mesmo de suas opiniões, que iam de polêmica em polêmica, geralmente em ataques à religião (era ateu) e ao neoliberalismo (era comunista), angariando, em semelhante número, detratores e admiradores. Não entro no mérito religioso e político, detenho-me em suas palavras, ofício que lhe trouxe tardiamente sucesso, reconhecimento e um Prêmio Nobel de Literatura, o único a um escritor de língua portuguesa. Não é pouco. 

Saramago escrevia de maneira muito peculiar, com raros pontos finais e longas frases cadenciadas por vírgulas. Ele evitava parágrafos, o que torna suas páginas monoblocos de texto, afugentadores daquele leitor que busca constante respiro nas alíneas. Sua narração não raro é interrompida por uma divagação que parece alheia ao principal, uma digressão que, conforme vai se tomando contato com sua obra, constata-se recorrente, parte de seu estilo. Não é literatura fácil, muitos o acusam de ininteligibilidade, mas certamente tem recompensa certa os que apreciam seu estilo. A perda de Saramago não somente será sentida pela impossibilidade de novas obras, pelo encerramento do ciclo de um artífice da palavra, mas também porque, independente de concordarmos ou não com suas posturas sociais radicais, perdemos um pensador, algo que rareia cada vez mais.

sábado, 19 de junho de 2010

Toy Story 3: Como se encerra um ciclo?


Esta parece a pergunta crucial de Toy Story 3 que, se não exclui a possibilidade de sequências, promove uma mudança drástica na mitologia criada há mais de 15 anos por John Lasseter e todas as mentes criativas que compõe a Pixar, possivelmente a casa das melhores ideias do atual cinema americano.

Andy, o menino dono dos brinquedos, aquele que adora Woody, mas que é encantado também por Buzz, está indo para a faculdade, mudando, crescendo, deixando de ser criança, fazendo o que qualquer ser humano, pelo menos em tese, deveria fazer: evoluir. E é aí que os brinquedos perdem o chão, já que seu dono, ou melhor, amigo, ao virar um adulto, em tese também, não precisará mais deles. Doação? Sótão? Deserção? Alguns deles já passaram por isso, pela situação de não serem mais importantes, isto porque a criança que outrora os adorava não existe mais, pois geralmente deu lugar a um adulto ocupado demais para brincar com vaqueiros que salvam o dia ou homens do espaço que lutam contra porquinhos-cofre. É difícil ver um filme que aborde com tanta clareza temas como solidão, o peso da passagem do tempo, a dor da perda e da rejeição, amizade, arquétipos e estereótipos. Ainda mais se pensarmos que este filme é uma animação, gênero que no senso comum é atrelado às crianças. Como seus antecessores, Toy Story 3 ainda é um filme para todas as idades, nem soando abestalhado aos adultos ou fechado ao puro e lúdico olhar das crianças. É certo que esta terceira parte tem mais elementos só compreensíveis aos mais velhos, como quando se pega no pé de Ken, por conta de sua metrossexualidade, termo que imagino não fazer parte do vocabulário de uma criança de três anos, que mesmo assim ainda fica grudada na poltrona, como a maioria delas na sessão em que eu estava, aliás, dando uma aula de comportamento a adolescentes e adultos cada vez mais barulhentos.

E os tais ritos de passagem, as mudanças provocadas pelo transcorrer inexorável do tempo, são a tônica deste terceiro episódio, ainda mais belo em sua técnica apurada, ainda mais ambicioso e exitoso no que diz respeito a discutir, com a mesma narrativa fluida dos episódios anteriores, é verdade, os temas supracitados que, queiramos ou não, nos afetam, de alguma maneira, em algum momento. A Pixar mostra que encerrar um ciclo, como acontece com Toy Story 3, não significa fechar portas, guiar-se pala cartilha da mesmice, ou mesmo contentar-se em manter o sucesso à custa do passado. Se fosse um time de futebol, e a comparação me parece válida pela ocasião, a Pixar não se guiaria pela máxima de que “em time que está ganhando não se mexe”. Seria ela no futebol, como parece idealizada no mundo do cinema, um time que certamente mantém o que está certo, sem abdicar de jogar para frente, de criar e expandir seu repertório. E como  a Pixar joga bonito. Toy Story 3 é um gol de placa, um ponto e vírgula magnífico nas adoráveis histórias de Woddy, Buzz, Slinky, Sr. e Sra. Cabeça de Batata, Porquinho, Rex....

Ps.: Já saudoso dos personagens...
Ps²: Sim, fui às lágrimas. Vejam e me digam se é possível contê-las.
Ps³: A participação especial que faz alusão às referências dos profissionais da Pixar é sensacional.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Melhorias no The Tramps


Depois de quase dois anos com o mesmo layout (em parte porque somos uma negação com esta coisa de editar em HTML) o The Tramps está de cara nova. A mudança não é tão drástica assim, está mais a serviço de melhorar a navegação e dar certo estilo ao blog, com espaços mais delimitados e uma imagem de fundo, que pode ser facilmente cambiável. Coisas das novas formatações do blogger, muito mais práticas e dinâmicas, diga-se de passagem. Outra novidade é a criação do twitter do The Tramps. Relutamos um pouco em entrar na onda, pois não queríamos perder o foco de atualizações do blog, mas chegamos à conclusão que seria legal ter um espaço para textos curtos, indicações, ou qualquer outra coisa que não renderia, de qualquer forma, um post mais longo. O twitter andará, é claro, por suas próprias pernas, mas foi concebido, principalmente, como um canal de informação dentro do espaço principal, por meio da caixa localizada à direita, logo abaixo da descrição do The Tramps. Para quem quiser nos seguir, o endereço é http://twitter.com/thetramps

Desde que instalamos um sistema que nos possibilita identificar as leituras ao blog, constatamos que um número considerável de não conhecidos nos acompanha, inclusive de outros países, principalmente EUA e Portugal. Sentimos falta, porém, de uma maior participação destes leitores por meio de comentários, que além de motivadores do nosso trabalho, são maneira de expandir as discussões. Então pedimos que comentem, conversem conosco, discordem, critiquem e elogiem, caso achem que devam.

Então, agradecemos pela leitura e prometemos que vem coisa boa por aí, como, por exemplo, uma cobertura, maior que a do ano passado, do Festival de Cinema do Rio de Janeiro.

Equipe The Tramps

domingo, 13 de junho de 2010

Central do Brasil

A tour de force de Fernanda Montenegro em Central do Brasil poderia muito bem ser o grande motivo de sucesso cinematográfico deste que é um dos maiores filmes brasileiros, pelos menos das últimas décadas, indiscutivelmente. A entrega física de Fernanda, que se despe de qualquer vaidade para dar lugar a Dora, é emocionante. Dora é humana, e isso faz com que o trabalho de Fernanda seja impressionante, pois não é fácil para uma atriz com a exposição que ela tem, sumir, dando pleno lugar à personagem. Cremos em Dora, só depois lembramos que ela é Fernanda. A simbiose com o então estreante Vinícius de Oliveira é total, e a dependência mútua de seus personagens só poderia ser tão bem evidenciada como foi, tendo em cena uma atriz como Fernanda Montenegro, e um diretor tão hábil e sensível quanto Walter Salles, para mim, o maior motivo (e sua grandeza não diminui os outros fatores) pelo qual Central do Brasil é grande.

Filmado com extrema perícia, o filme que foi amplamente discutido e premiado, não somente no Brasil, mas, e, principalmente fora dele, demonstra o esmero de Salles com a técnica e a forma. Walter preocupa-se, porém, mais claramente com os personagens, com sua evolução durante a jornada, que toma como caminho principal as estradas entre o sudeste e o nordeste, numa espécie de volta ao sertão, o caminho inverso do que, por exemplo, muitos migrantes nordestinos fizeram, ao buscar melhores oportunidades no centro do país. É como se o retorno fosse necessário para sublinhar a necessidade de se buscar a raiz, como forma de estabilidade emocional, não somente para Josué que almeja o pai que nunca conheceu, mas também para Dora, que se não volta ao lugar de concepção, projeta na busca do menino sua chance de humanizar as próprias emoções, de tatear seus sentimentos em busca de um reencontro consigo mesma.

Tudo isto, os solitários se ajudando à procura da felicidade, nem que seja de apenas um deles, evidenciado ainda na participação de Othon Bastos, outro monumento das artes dramáticas, é reforçado pelo deslocamento, pela angústia, pelas provações que Dora e Josué passam para alcançarem seus objetivos. Vemos ecos de De Sica e seu Ladrões de Bicicletas quando Dora rouba, quando sacrifica sua própria figura para que a de Josué fique imaculada. A necessidade faz a ocasião, mas Dora preserva o menino, já que ele possui um futuro. Pelo menos é assim que ela o vê, como alguém que pode ser e ter o que ela não foi capaz de ser e nem ter. Outras referências/reverências aparecem ao longo do filme, e isto não é nada estranho quando temos na direção alguém que além de gostar, entende muito de cinema.

Central do Brasil utiliza ainda elementos regionais, que dão maior personalidade e raiz ao filme, mas que, pelo tratamento aos personagens, não o limita aos rótulos deste regionalismo, que é utilizado como elemento de caracterização, não como entrave para audiências estrangeiras. Esta bem poderia ser uma história passada em qualquer parte do mundo, mas isto não quer dizer que cada quadro não seja genuinamente brasileiro, rememorando, inclusive nas palavras do próprio Salles, o sertão visitado em tempos idos pelos cinemanovistas, em especial por Nelson Pereira dos Santos, no aclamado Vidas Secas. A comparação não diminui em perspectiva o grande Vidas Secas, pois ambos são retratos pungentes e, mesmo que distintos em abordagem e separados pelo tempo, de alguma maneira, complementares ideologicamente.

sábado, 5 de junho de 2010

As Teias de Chabrol

















Erro imperdoável nunca ter assistido a um filme de Claude Chabrol, um dos pilares do cinema francês. Confesso o erro, aproveito para deixá-lo no passado, pois assisti há pouco A Teia de Chocolate, que encontrei num sebo ontem à tarde. Benditos sebos que nos trazem estas pérolas perdidas ou há muito tempo não disponíveis para compra. Feita a grata digressão, devo ressaltar minha empolgação por conta de A Teia de Chocolate e, por conseguinte, pela mise-en-scène de Chabrol. Ao tomar contato com um cineasta pela primeira vez, o ideal seria acompanhar sua evolução, em termos práticos, seguir sua carreira em ordem cronológica, sendo esta a maneira mais límpida pela qual conseguiríamos enxergar o artista em formação e a transmutação de seus olhares, seus pontos de vista. Nem sempre se faz possível respeitar a linha do tempo de um artista, mas me contento em poder, seja em que ordem for, colocar suas obras em perspectiva.

Finda mais esta digressão, A Teia de Chocolate me instigou, claro, pelo suspense criado, pela forma como Chabrol vai engendrando seus personagens, abrindo buracos e os preenchendo lá adiante para criar um clima envolvente e que verdadeiramente nos deixa suspensos. Mas creio que o que mais me chamou a atenção foi o rigor de Chabrol na busca de uma integração ideal entre este clima, os personagens, sejam eles misteriosos ou não, a constância de sua narrativa e a trilha sonora que, segundo o próprio diretor nos extras do DVD, é o que dá ritmo a este filme, muito mais do que qualquer outro elemento. Chabrol é frequentemente comparado a Hitchcock, obviamente por conta da predileção pelo suspense, gênero que o inglês dominou como ninguém, e que, a julgar pela primeira impressão que Chabrol me deixou com este A Teia de Chocolate - onde ainda temos a magnífica interpretação de Isabelle Huppert, também parece campo ideal para a encenação e para os personagens “chabrolianos”. Por ser infindável meio de descobertas e redescobertas, o cinema é tão magicamente indispensável.