A Igreja Católica, regida pela
tradição da mordaça, é constantemente acusada de acobertar casos de pedofilia
envolvendo padres. Eis que o premiado cineasta Alex Gibney toma como ponto de
partida a denúncia de quatro homens surdos, decididos a desmascarar Lawrence
Murphy, sacerdote que abusava rotineiramente de meninos matriculados numa
escola para crianças com deficiência auditiva na década de 1960, para
questionar a própria culpa da Igreja. Com requintes de crueldade, Murphy
escolhia os garotos cujos pais não dominavam a linguagem dos sinais,
entrincheirando-os no silêncio e, assim, minimizando o risco de ser delatado.
Foram décadas de impunidade avalizada pelas instâncias mais elevadas do secular
poder sediado no Vaticano.
As acusações, com direito a
processo judicial contra a Igreja Católica, se configuraram no primeiro grande
escândalo sexual envolvendo a mais influente e poderosa das religiões. A
estrutura de Mea Culpa: Silêncio na Casa
de Deus é feita desde a tomada de depoimento dos envolvidos, passando pela
dramatização de alguns acontecimentos capitais e chegando até ao confronto das
vítimas com seu algoz, na ocasião aposentado e no gozo de benefícios ofertados
pela Santa Sé. Alex Gibney expande a abordagem, tomando Lawrence Murphy como
exemplo de uma prática infelizmente corriqueira, como atestam os registros
internos que remontam a épocas em que a informação permanecia ainda mais
encerrada nos muros dos seminários, escolas, e outros locais de educação a
cargo de religiosos.
Tal investigador, o cineasta
revolve histórias do passado, não raro ligadas a figuras episcopais do
presente, para situar a pedofilia como uma das grandes preocupações do alto
escalão da Igreja Católica, sendo, inclusive, alvo até de iniciativa que, em
idos tempos, isolava padres em ilhas, pois se achava que impulsos pedófilos não
poderiam ser contidos. Em meio aos
relatos, surgem questões polêmicas como o celibato, entre outros postulados discutíveis
do catolicismo. As vítimas discorrem sobre os traumas, as artimanhas de líderes
que aproveitavam sua respeitabilidade junto à comunidade e certa aura quase
inumana (a partir da ordenação, padres são vistos quase como anjos) para dar
vazão aos desejos de exploração da inocência alheia.
Mea Culpa: Silêncio na Casa de Deus mostra vocação política ao mostrar
a Igreja Católica enquanto instituição preocupada com a proteção de seus
interesses, ao lançar olhar crítico às condutas direcionadas, sobretudo, à permanência
(a qualquer custo) de peças-chave dentro da organização episcopal. Sobra até
para João Paulo II e Bento XVI, acusados de, em medidas diferentes, passar a
mão na cabeça de figuras ligadas à pedofilia que traziam benefícios financeiros
à Igreja. Alex Gibney ataca frontalmente um dos mais respeitados estandartes da
sociedade ocidental, expondo algumas de suas muitas formas de corrupção,
questionando a santidade desse sistema mais preocupado com a hegemonia do que
propriamente com os fiéis que, sem saber, dizem Amém.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Muito bom o seu texto, Celo. Gostei do tema, deve ser um documentário bastante esclarecedor e, na mesma medida, importante. Grande abraço.
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