sábado, 31 de outubro de 2009

Mirageman

Direção: Ernesto Dias Espinoza
Roteiro: Ernesto Dias Espinoza
Elenco: Marko Zaror, María Elena Swett, Ariel Mateluna, Mauricio Pesutic, Iván Jara

Desde que se descobriu que os heróis dos quadrinhos eram como uma mina de ouro para os grandes estúdios de Hollywood, nossos anos têm sido pontuados por diversas adaptações das páginas para o celulóide. Uns são filmes muito bons, ao menos fiéis ao espírito de sua matriz, já outros são filmes que não conseguem agradar nem ao menos os fãs de quadrinhos, ou aqueles mais ligados em cultura pop. A maioria destes filmes são detentores de grandes bilheterias, nada mais natural em tempos que o cinema parece feito apenas para os adolescentes ou aos que ainda não saíram desta fase, mesmo após os quarenta. Outra característica forte deste tipo de cinema é o alto custo de suas produções, outra coisa natural dado o incrível número de efeitos especiais e a estrutura necessária para levar um herói a se movimentar em vinte e quatro quadros por segundo. E se eu dissesse que um dos mais originais e interessantes filmes de super-herói que já vi é um exemplar chileno, de baixíssimo orçamento?

Mirageman, dirigido por Ernesto Dias Espinoza, é este filme, que conta a história de Maco, um segurança de casa noturna que é obcecado pelo treinamento em artes marciais e por seu condicionamento físico. Um dia Maco é obrigado a ajudar uma família em apuros, não sem antes mascarar-se para isso. Ele se vê então na condição de herói, de detentor da capacidade de ajudar as pessoas, mesmo que não tenha o dinheiro de um Tony Stark ou Bruce Wayne, ou mesmo um DNA alterado, como o de Peter Parker.

Mirageman começa como uma deliciosa sátira dos filmes de heróis, afinal de contas o passado traumático que motiva Maco é somente um dos elementos que o aproximam dos cânones regentes das narrativas clássicas dos comics. O próprio diretor incorpora o tom satírico ao utilizar enquadramentos próprios do cinema B setentista, o que dá certo charme ao filme, diga-se de passagem. À medida que a história avança, percebemos que a intenção de Espinoza é bem mais do que parodiar. Ele engendra um desenrolar interessante e dinâmico, misturando elementos que casam muito bem dentro de sua proposta estética e narrativa. A eficiência do diretor se mostra também detalhes peculiares, como o de criar um protagonista introspectivo, sem obrigar o ator Marko Zaror a utilizar um recurso dramático que ele visivelmente não tem. Outro ponto curioso fica por conta da personagem Carol Valdivieso, que me lembrou muito Andrea Caracortada, personagem de Victoria Abril no filme Kika, de Pedro Almodóvar. Mesmo que não sejam de fato “parecidas”, a intenção de suas presenças em ambos os filmes é bem semelhante. A crítica ao sensacionalismo da mídia é forte e escancarada na persona de ambas, daí a comparação.

Capaz de alternar um início repleto de passagens engraçadas (ele se vestindo de herói perto de um contêiner de lixo é impagável) com um tom mais sério, que não deixa de estar presente mesmo nestas sequências mais engraçadas, Mirageman é uma gratíssima surpresa vinda do Chile. A impressão que fica é que se qualquer um de nós tivesse o propósito de ser um herói e lutar pela justiça, nossos percalços seriam bem parecidos com os de Maco. Este é um dos maiores méritos do filme, humanizar o herói, mostrando as dificuldades e os problemas que ele enfrenta, como qualquer pessoa, até mais do que qualquer um. Fosse somente um divertido filme sobre artes marciais, Mirageman já valeria a pena, pois as lutas são muito bem encenadas e coreografadas. Mas ele não é somente isso. É um filme vibrante, que de entretenimento de qualidade se transforma em algo mais. Se formos um pouco mais fundo na interpretação, podemos dizer que Mirageman assume sua latinidade, colocando-se como alternativa, pela simplicidade, baixo orçamento e qualidade de sua narrativa, aos heróis cada vez mais pirotécnicos e vazios do cinema americano. Imperdível.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Você já havia comentado comigo que tal filme por certo me agradaria. O seu texto apaixonado e apaixonante, muito bem escrito e estruturado, costurando bem as ideias, fugindo todavia do óbvio, me desperta a vontade de, assim que possível, conferir a produção chilena em questão. Vejo certa semelhante de intenção com o ainda inédito, ao menos comercialmente, "Besouro", filme brasileiro que também promove um herói nacional, que se embrenha num gênero geralmente vinculado à outras nações e, em caso mais particular, versa com o lirismo próprio do cinema oriental.

    Abraçosss

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  2. Dica anotada, estou apenas esperando que o filme chegue até mim! É sempre ótimo conhecer um filme interessante de cinematografias pouco conhecidas, como a chilena, não?

    A produção me interessou, sem dúvida.

    Abraços!!

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