domingo, 24 de maio de 2015

CINEMA A DOIS | RICARDO DARÍN – XXY (2007)


Com atuações contundentes que, aos poucos, vão revelando o segredo dos personagens, XXY acerta em cheio, a meu ver, na forma como trata um tema tão delicado e ainda obscuro, até mesmo para os pesquisadores da área. No entanto, muito mais que a síndrome de Klinefelter, a mutação genética da protagonista Alex, o filme coloca em pauta, de maneira profunda, questões biológicas, sociais e culturais, fazendo-nos refletir sobre os rótulos, sobre a relação de pais e filhos e a descoberta da sexualidade em diversas esferas, não só a respeito da decisão de Alex de tomar ou não hormônios para seguir sem características masculinas.

A história prossegue tendo como pano de fundo o romance entre Alex e um adolescente. Ele se apaixona, vivendo um grande conflito primordialmente por não aceitar seu desejo. Por isso, precisa enfrentar os próprios dilemas existenciais. Alex, por sua vez, coloca-o frente às suas maiores questões, com a identidade sexual, sobretudo. Em todos os núcleos podemos observar histórias de amor: entre os casais, dos mesmos para com seus filhos, entre os amigos, entre Alex e o menino. Como se o amor e suas vicissitudes, também pela vida e por suas relações, motivassem essas tramas muitas vezes dramáticas, tensas, mas carregadas de paixão, de vontade de viver.

Creio ter sido de extrema importância para a sociedade, para os interessados, pesquisadores, biólogos, médicos, psicólogos, pacientes, etc, a criação de XXY, praticamente uma intervenção de Lucia Puenzo. No entanto, ressalto aqui o conteúdo dramático, com ótima direção e atuações. Excelente filme!
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Alex se comporta muitas vezes como um animal acuado, arisco ao contato estranho. Também pudera, pois carrega consigo os dois sexos. Ela toma corticoides para que a barba não cresça, para que seu corpo mantenha características femininas, embora tenha um pênis. Como interagir com os demais sem uma identidade de gênero definida? A protagonista de XXY vai se relacionar com um garoto forasteiro. Nesse ponto, a diretora Lucia Puenzo evidencia a dificuldade de enquadrar comportamentos de acordo com o que se espera de um homem e de uma mulher. O pai de Alex, interpretado por Ricardo Darín, é talvez o mais sensível ao drama da filha, aquele que tenta, a todo custo, compreendê-la e defendê-la dos males do entorno.

XXY coloca na mesa a complexidade da definição de gêneros, do que significam o masculino e o feminino, sobretudo quando ambos convivem tempestuosamente num mesmo corpo. O foco vai se estreitando cada vez mais em Alex e seu pai, deixando os demais personagens num segundo plano quase decorativo, exceção feita ao garoto que se apaixona por Alex a despeito dos próprios pré-conceitos. Darín compõe um homem fracionado entre a dúvida (como ajudar a filha, como encaminhá-la à vida adulta?) e a convicção de que ela precisa seguir o caminho que melhor lhe convir. Darín, aliás, é responsável por uma das sequências mais bonitas, na qual diz ter negado a operação da filha logo após seu nascimento, por considera-la perfeita, absolutamente perfeita. 


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