sábado, 14 de dezembro de 2013

Doses Homeopáticas #11


CINE HOLLIÚDY é um filme joiado, como diriam os cearenses. O diretor Halder Gomes mostra algo verdadeiramente popular, não popularesco tal as globochanchadas. Recheia sua trama de personagens carismáticos e arquetípicos, comenta a própria luta do cinema para sobreviver ante as novas tecnologias (e em 1970, época na qual se passa, a TV era sua grande ameaça), e se apoia no idealismo de Francisgleydisson, exibidor de filmes, apaixonado tanto por artes marciais, quanto por contar histórias. Falado em “cearencês”, com expressões bastante locais (por isso as legendas), CINE HOLLIÚDY faz rir sem apelar tanto e parece repleto da memória afetiva de seu criador. Além disso, Edmilson Filho, intérprete do protagonista, é uma descoberta das boas. CINE HOLLIÚDY aproxima o cinema e o povo nordestino, já que ambos são, antes de tudo, uns fortes.


PAIXÃO E ACASO é precário, para dizer o mínimo. Na trama adaptada de uma peça do e pelo próprio Domingos Oliveira, certa psicanalista recebe visitas de um ente querido morto (vestido como Humphrey Bogart) e, seguindo conselhos do além, acaba se apaixonando por pai e filho ao mesmo tempo. Uma confusão amorosa sem graça, com piadas e situações forçadas, atuações discutíveis e um desleixo estético típico de alguns longas de Domingos, mas aqui sem, pelo menos, o apoio de um bom texto. Fica difícil achar qualquer passagem interessante. Os pacientes da protagonista, e suas respectivas sessões, a intrusão de um narrador inútil e de “fantasmas” idem, tudo soa amontoado e liquefeito em meio a diálogos repletos de auto importância injustificada pelo conteúdo raso. Enfim, esquecível.


Já PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER, do mesmo Domingos Oliveira, merece alguns bons elogios. Pode não estar no nível de SEPARAÇÕES, ou de TODAS AS MULHERES DO MUNDO, (neste caso, se quisermos tornar a comparação quase covarde), mas tem boas passagens sobre aquilo que o cineasta parece mais apreciar: pessoas e os infortúnios de certos relacionamentos. Na história, várias pessoas passam o primeiro dia do ano numa propriedade fluminense afastada do centro. Todos ricos e bem sucedidos, ou quase todos, eles, contudo, não são imunes a desilusões amorosas, decepções, infidelidades, rancores e outros pesares. Por mais que haja exposição de uma boa parcela de problemas, PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER é um filme otimista, que transborda a paixão de seu criador pela complexidade humana, paixão esta tão bem verbalizada em dado momento pelo personagem interpretado por ele próprio.


Lá do início da carreira do argentino Gaspar Noé, vem CARNE, média-metragem com muitos dos elementos recorrentes nos posteriores filmes do cineasta. Abre com a morte e o esquartejamento de um cavalo, evento seguido de parto registrado quase em close da genitália feminina. Morte e vida irmanadas na carne que sangra. O protagonista é um açougueiro irascível e obcecado pela filha. Em dado momento, ele agride violentamente um inocente por suspeitar dele como abusador da menina. A crueza da imagem combina muito bem com a aridez emocional desse personagem principal. A montagem é dinâmica, algumas transições provocam desconforto (proposital) e auxiliam na criação de uma atmosfera muito particular, onde explode a barbárie constatada muito mais nos atos e pensamentos do açougueiro, do que propriamente na sua rotina de abater animais e fazer deles alimento.



Os 179 minutos de AZUL É A COR MAIS QUENTE passam que a gente nem sente. Abdellatif Kechiche mostra, mais uma vez, sua capacidade quase irrepreensível de naturalizar o que o cinema tende a transformar em espetáculo quase por vocação. O amor entre as duas garotas, a jovem Adèle e a calejada Emma, surge à primeira vista e avança como qualquer outro. As cenas de sexo são fortes e bastante excitantes, mas fiquei com a impressão de que a reiteração delas não acrescenta muito ao todo. AZUL É A COR MAIS QUENTE é sobre a educação sentimental de Adèle, seu crescimento pessoal mediado por um grande amor. Antes que eu esqueça, assim como em O SEGREDO DO GRÃO, Kechiche utiliza exemplarmente a comida como alusão à herança familiar. Há muito mais o que falar do filme, inclusive certas relativizações, mas o espaço é curto. Independente dos superlativos utilizados para defini-lo (a meu ver, alguns muito justificados, outros nem tanto), AZUL É A COR MAIS QUENTE é obrigatório dentre os filmes em cartaz. Já dá até vontade de rever.

4 comentários:

  1. Muito obrigado pelos breves, porém enriquecedores comentários.

    Grande abraço.

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  2. Eu que agradeço a constância da leitura e a disposição para comentar cada post.

    Abraços

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  3. Sempre eclético :)
    Sua crítica ainda que breve sobre Cine Holliúdy tá bem legal!!!

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  4. Também agradeço a você, Carol, pela leitura e pelos comentários por aqui.

    beijos

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