Em busca de contrastes, o diretor
John Sullivam parte numa jornada de conhecimento, despindo-se de vestes caras
para enrolar-se em panos velhos que denotam pobreza. O filme de Preston
Sturges, Contrastes Humanos, tem,
então, como figura central esse diretor de cinema, homem à procura da realidade
moradora longe dos palacetes aos quais está habituado. Ele quer fazer um filme
engajado que mostre todas as mazelas do povo americano atingido pela grande
depressão. Claro, consegue aval do estúdio empregador apenas com a condição de
revestir tal jornada com a lona do circo midiático.
Não demora e notamos a
“dificuldade” de levar tal intento a cabo, justo porque ele é seguido de perto
pela caravana que documenta a viagem lhe oferecendo conforto quando bem
entender. Numa lanchonete, com apenas 10 centavos no bolso, Sullivam recebe
ajuda de uma desgostosa aspirante a atriz, que, tão logo ciente do segredo
daquele falso mendigo, passa a o acompanhar, igualmente maltrapilha. Por mais
que o casal tente continuar seu périplo quase franciscano pelo interior estadunidense,
sempre acabam no trailer ou mesmo na mansão dele. Há algo os tragando para fora
de toda encenação empreendida, o que acaba trazendo inevitável artificialismo à
experiência. Os pobres de verdade não têm escape, já os ricos passando-se por
eles podem parar quando cansarem da brincadeira.
Chegamos quase à seara do
filme-tese em Contrastes Humanos, pois
ele é conduzido por um viés crítico específico, julgamento não tão velado assim
de artistas pseudo-engajados sem vivências que fundamentem e legitimem eventuais
investigações das classes menos favorecidas. Essa “hipocrisia” emerge nas
voltas de Sullivam ao aconchego e na “verdade” que alcançará tão e somente
depois de viver situação limite, daquelas definidoras de uma vida. Ali ocorre a
edificação do novo homem e, por que não, de um entendedor dos inúmeros caminhos
percorridos por sua arte para alcançar relevância. O final solar não é apenas
convenção, mas, sobretudo, recompensa ao protagonista por transpassar a fase
essencial de aprendizado.
Relativamente bem-humorado (algumas
gags soam desajeitadas), Contrastes
Humanos propõe-se ilustrar uma visão ofertada pelo posicionamento nada
indulgente de Sturges frente a seu próprio ofício e colegas de profissão. Como
todo bom cinema, apresenta ideias, ainda que peque pela falta de sutileza ao
induzir o desfecho feliz. Fica a cargo do espectador mais ligado estabelecer ou
não concordância com as opiniões defendidas no filme. Mesmo assim, Contrastes Humanos traz relevante
contribuição para o diálogo entre artistas e formas de construção
cinematográfica, bem como às possibilidades de ressonância do cinema no público,
tudo isso embalado numa narrativa clássica, ritmada bem à moda das boas tramas
do cinemão americano de antigamente.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Celito!
ResponderExcluirSem dúvida, um assunto bastante delicado, que traz à tona diversas indagações pertinentes ao ser humano.
Grande abraço.
Isso, mesmo, Rafa. E os bons filmes são esses que nos fazem ir além, que nos modificam de alguma maneira.
ResponderExcluirRecomendo. Assista quando puder.
Abraços