Quem não conhece a história de
João de Santo Cristo? Os quase 10 minutos da canção Faroeste Caboclo, um dos emblemas da Legião Urbana de Renato Russo, gravaram em nosso imaginário a trajetória
desse personagem marginalizado que sai do Nordeste e vai para Brasília
encontrar amor e danação. Era apenas questão de tempo até que alguém
enfrentasse a tarefa de levar às telas essa melodia nascida com vocação cinematográfica.
Portanto, repleto de expectativa, chega ao circuito o primeiro longa do diretor
René Sampaio, prometendo não a ilustração da música, mas a expansão de sua
trama com a adição de novos personagens e fatos.
João de Santo Cristo (Fabrício
Boliveira) parte de sua cidade natal, encontra Pablo (César Troncoso), Maria
Lúcia (Ísis Valverde), Jeremias (Felipe Abib) e mais uma série de tipos que
tornam limítrofe sua experiência no cerrado. Desde o início fica clara a
escolha do amor como conduto do enredo: por ele João lutará, ganhará dinheiro,
deixará o crime e, depois, pegará em armas novamente. Isso não afasta outros
elementos, como o êxodo, a luta social, discriminação, diferença de classes, etc.
Aliás, interessante notar, o roteiro consegue contrapor muito bem as realidades
de Brasília. A periferia empobrecida (feita muito de trabalhadores braçais que
construíram a cidade) invade o ambiente urbano de adolescentes burgueses
embalados pelo díptico drogas/rock.
As inconstâncias e excessos
inerentes ao primeiro trabalho diretivo aparecem vez ou outra, num maneirismo
aqui, outro acolá. A própria referência ao spaghetti
western surge tal fetiche de fã e passa do ponto algumas vezes, sobretudo
na sequência final (logo volto a ela). Por outro lado, René se esmera na
construção de um clima violento, onde também o sexo não é visto com
puritanismo. Faroeste Caboclo passa
longe de ser videoclipe, é realmente filme com ritmo e pegada de cinema. Há tradução
de certas alegorias e liberdades poéticas da música para linguagem próxima do
real, dentre outras adaptações necessárias (e felizes) que dotam o longa de
identidade própria, longe de eventual e perigosa reverência exacerbada à matriz.
No campo das concessões (quase intrínsecas
a projetos dessa envergadura e apelo popular), há pelo menos duas que enfraquecem
ideologicamente Faroeste Caboclo,
porque buscam justificar moralmente atos dúbios dos protagonistas. João mata um
policial a sangue frio, e o ato é seguido pela exposição da motivação “nobre”. Da
mesma maneira, lá para o fim, Maria Lúcia (como todos sabem) casa com Jeremias,
não sem antes ficarmos cientes da dignidade contida na “entrega”. Faroeste
Caboclo tem um pé no risco e outro na facilidade, morde e assopra, pois
visual e dramaturgicamente forte, enquanto ligeiramente paternalista com suas
figuras.
O final, duelo na Ceilândia em
frente ao Lote 14, é homenagem aberta a Três
Homens em Conflito, de Sérgio Leone, tanto no que diz respeito aos
enquadramentos quanto à sua dinâmica triangular. Pena o interesse residir
apenas na alusão, já que como sequência em si é bem menos impactante do que se
poderia esperar (rápida e ligeiramente anticlimática). René Sampaio simplifica
tudo em prol da realidade (excelente opção), excluindo plateia, televisão e
bandeirinhas, mas, a meu ver, peca por quase banalizar o embate. Falta pathos no encerramento desse filme que 9,5
entre 10 fãs da Legião Urbana
quiseram realizado. Faroeste Caboclo
está lá, finalmente na tela, passa e diverte, faz pensar, às vezes, mas pode
soar um tanto decepcionante caso se espere o mesmo impacto causado pela
composição de Renato Russo.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Bom, quando tiver oportunidade, embarcarei numa sessão.
ResponderExcluirGrande abraço.