domingo, 5 de dezembro de 2010

A Vida dos Peixes

E se...? Talvez não exista uma interjeição mais infeliz tão utilizada quanto esta. Três letras que, quando combinadas, geram uma infinidade de sensações. Um misto de incerteza, nostalgia, aflição e indefinições nasce quando a questão é o que poderia ter sido se nossas escolhas fossem outras. As suposições intrínsecas ao “e se...?” são o tema no novo drama de Matías Bize, “A Vida dos Peixes”, onde um casal desfeito há anos se reencontra e toda a complexa teia de sentimentos que um possuía pelo outro volta a tona.

Começamos “A Vida dos Peixes” ao lado de Andrés e alguns amigos em uma festa de aniversário. As piadas e o clima de descontração são abandonados quando se revela ao espectador que Andrés está voltando para a Alemanha, e que sua rápida visita após 10 anos afastado está no fim. Andrés então é informado que Bea, uma antiga namorada, chegará logo. Decidido a evitar o possível conflito emocional do encontro, decide ir embora - quando já é tarde demais.

A partir daí acompanhamos o passado de Andrés sendo remontado em pequenas ações, diálogos pouco esclarecedores e muitas suposições por parte do espectador. Seu encontro com antigos amigos e todas as pessoas que habitaram seu universo há tanto tempo, assim como as vivências de um passado que não poderia estar mais presente, tornam a experiência com “A Vida dos Peixes” um exercício triste e nostálgico para com um mundo que não é o de quem assiste, mas que inevitavelmente passa a ser.

Não se deve revelar muito - ou o pouco que é dito - sobre Bea e Andrés. É um sôfrego prazer acompanhar como voyeur a complicada trama de relações que são ressuscitadas nesse reencontro. Eles são como os peixes que observam em um aquário, numa das mais belas cenas do filme. São expostos em uma redoma e seguem ocupando os espaços vazios do ambiente, nitidamente emanando o mistério que os mantêm absortos no local e em suas funções.

Enquanto revela cada pedaço da vida de seu protagonista, Bize e sua competente diretora de fotografia, Bárbara Álvarez (a mesma de “A Mulher sem Cabeça”), inserem em seus enquadramentos elementos sobrepostos em planos distintos – ora são luzes, objetos e até mesmo pessoas. Tal artifício passa a se justificar cada vez que ele se torna menos recorrente, quando se entende seu tom simbólico, que representa a história de Andrés ficando clara para o espectador – assim como a bela mise-en-scène do filme.

Filmes de retorno são comuns, mas poucos atingem a densidade e melancolia deste “A Vida dos Peixes”. Os recentes “Tudo Acontece em Elizabethtown” e “Hora de Voltar” rivalizam em tema com o filme de Matías Bize, mas ambos seguem através de uma perspectiva mais leve e cômica. No drama chileno, cada sequência é necessária para se construir uma imagem sobre seu protagonista, para que se entenda o motivo pelo qual sua volta é tão pesada e incômoda para si, ainda que agrade todos à sua volta.

Fica evidente a maturidade de Matías Bize como diretor e roteirista, capaz do difícil feito de substituir uma verborragia explicativa em diálogos excessivos por longos silêncios. Um realizador competente, como Bize aqui se mostra, tem a capacidade de escrever com a câmera, de mostrar que a contenção de recursos, simplicidade e naturalidade podem ser melhores que quaisquer aparatos técnicos e artifícios megalomaníacos. Bize ainda deve muito ao seu duo de protagonistas, dois maravilhosos atores que encontram na expressão e controle o tom certo para seus difíceis personagens. São eles: Blanca Lewin, que já trabalhou com o diretor no inferior “Na Cama”, e Santiago Cabrera, que é conhecido internacionalmente pelo personagem Isaac Mendez, da série “Heroes”.

E em dado momento do filme percebe-se que Andrés não consegue ir embora. São inúmeras as vezes que ele se aproxima da saída, ou que se despede de alguém dizendo que está indo, e que um magnetismo invisível o mantém preso ao lugar. Nesse ponto, “A Vida dos Peixes” lembra o magnífico “Os Famosos e os Duendes da Morte” - sensação reforçada por sua cena final. Há uma redenção, ou a libertação do personagem? Assim como em todo o filme, apenas a suposição pode nos fornecer as respostas – exatamente como acontece com Andrés e Bea.


2 comentários:

  1. Belíssimo texto, Kon, parabéns. Se já tinha grande curiosidade para assistir a este filme chileno, que a tantos encantou desde sua estreia, agora com esta sua análise profundamente emocional (sem perder o racional de vista) da maneira como os relacionamentos se constroem durante o filme, esta se agigantou. Provavelmente verei logo. É incrível como o cinema latino americano atingiu (ou está atingindo)maturidade, tanto no que tange a dramaturgia de suas histórias, como em suas qualidades técnicas.

    Mais uma vez, valeu pelo ótimo texto.
    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Olá, Kon!
    Parabéns pelo texto, muito bem escrito. Fiquei com curiosidade, mais um à lista.

    Abraçossss

    ResponderExcluir