segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Festa da Menina Morta

Diretor: Matheus Nachtergaele
Roteirista: Matheus Nachtergaele e Hilton Lacerda
Elenco: Daniel de Oliveira, Juliano Cazarré, Jackson Antunes, Cássia Kiss, Dira Paes

Filme que marca a estreia de Matheus Nachtergaele como diretor de cinema, ele que é um dos mais respeitados e competentes atores brasileiros dos últimos anos, A Festa da Menina Morta se enquadra num tipo de cinema autoral, uma vertente na qual somos, historicamente, muito bem sucedidos e que, de alguma maneira, marca o cinema brasileiro, principalmente depois do Cinema Novo. É um filme que chega em boa hora, para equilibrar a balança da produção nacional, que este ano está marcada por grande êxitos de público, acerca de filmes com estética mais televisiva, que tem o entretenimento como norteador. Isso é bom também. Parece que estamos, nós os brasileiros, finalmente contando com a diversidade de que qualquer cinematografia precisa para sobreviver: de um lado filmes de estética popular, que atraem público e que dão fôlego financeiro para a “indústria”; do outro, filmes como este, que por sua coragem e por falar sobre temas, nem sempre tão fáceis, são vistos por poucos, mas que enriquecem artisticamente o portfólio da nossa cinematografia.

Em seu debut atrás das câmeras, Nachtergaele não teve medo de se expor, de ser incisivo em sua abordagem, de procurar temas espinhosos e difíceis de serem retratados, com a força com que acontecem na vida real. A "Festa da Menina Morta" é celebrada todo ano, numa comunidade ribeirinha do alto do rio Amazonas e tem em Santinho seu epicentro. Quando criança, ele recebeu da boca de um cachorro os restos do vestido de uma menina que desapareceu e a quem, começou se atribuir o advento de milagres, tudo por intermédio de Santinho, aquele a quem a população outorgou a missão de servir de intermediário entre a menina que virou santa e o mundo terreno. Santinho é afeminado, vive dando chiliques e é egocêntrico, nada estranho quando se pensa que ele cresceu como o núcleo de uma comunidade inteira. Ele é interpretado por um Daniel de Oliveira em estado de graça, naquilo que mais parece uma incorporação. Seu Santinho vive com o pai, um homem que só pensa em beber e que mantém um caso incestuoso com ele, a quem tomou por esposa depois que a sua foi embora de casa. O pai, interpretado por Jackson Antunes, pensa em ganhar dinheiro com a festa, numa clara alfinetada àqueles que lucram com a fé alheia. Os personagens periféricos são alegorias de uma parcela do povo brasileiro, desiludido, pobre culturalmente e que vê na religião uma maneira de viver, um meio pelo qual ainda enxergam algum sentido para a vida.

Nachtergaele é um diretor promissor e isso se comprova pela maneira como narra o filme, a partir de fragmentos, e também pela forma como compõe certos enquadramentos belíssimos. Paradoxalmente, os grandes problemas estão exatamente nos excessos narrativos e na preocupação estética exacerbada, na inexperiência do diretor aliada com um deslumbramento pelo detalhe, pela fração, que faz com que ele exercite, por vezes, a composição visual do filme, com mais afinco e garra do que a composição dos personagens e da história. Os personagens são ótimos, tem profundidade, mas seu desenvolvimento esbarra na intenção de Nachtergaele de não se prender muito a eles, numa tentativa, um pouco frustrada, de criar um painel em que estas figuras dramáticas não passam de meras representações metafóricas de uma situação, esta sim a protagonista do filme. Mesmo assim, sucumbindo as inconstâncias de um diretor que peca pela inexperiência em seu primeiro trabalho, A Festa da Menina Morta se apresenta como um filme que se não nos pega pelo vigor ou mesmo pelos personagens, infelizmente pouco desenvolvidos, expõe uma vontade de se fazer um cinema contundente, que fale sobre assuntos mais urgentes e difíceis do que estamos acostumados. Já é muita coisa.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Devo confessar que o flme não me agradou muito, devido a detalhes já explorados em seu texto. Porém, como ocorrido com você, fico esperançoso quanto ao futuro de Nachtergaele, o qual se arrisca, num primeiro trabalho como diretor, se embrenhar em assuntos tabus e de difícil propagação social. Daniel de Oliveira firma-se, a cada trabalho, como um dos maiores atores comtemporâneos, desaparecendo em meio a atuações, não, mais do que isso, criações de personas reais, que negam sua origem no imaginário.

    Abraçosss

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  2. Vejo muita afetação na estreia de Nachtergaele na direção, que acaba por diminuir possíveis pontos altos do filme, como seu roteiro e, principalmente, algumas atuações. No entanto concordo com sua opinião, é de se elogiar um diretor que, num primeiro trabalho, arrisque tanto quanto ele.

    É esperar para ver os próximos e torcer para que apenas melhorem.

    Grande abraço!

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