sábado, 11 de outubro de 2008

Sociedade do Espetáculo Banal


Há algum tempo o cinema passa por transformações radicais. Com “transformações”, não quero falar sobre as formas de distribuição, o fato de a indústria lidar com a pirataria, as novas tecnologias ou algo relacionado ao mercado cinematográfico. Falo mesmo do cinema, dos filmes. Pergunta-se muito se a banalização que nos é apresentada em grande profusão ultimamente, principalmente na forma dos blockbusters americanos, é ocasionada pela própria indústria, preocupada em vender para mais público, ou será um reflexo direto de tempos em que as pessoas não tem o costume de ler, de se informar, de se engajar em causas urgentes e necessárias. Sem rodeios? A pergunta é: o cinemão ficou burro porque o consumidor é mais conivente ou esta conivência advém da falta de conteúdo passada pelo cinema e outros meios de comunicação? Reflito sobre esta questão inúmeras vezes, afinal, como apreciador de cinema e outras formas de expressão, sinto-me curioso quanto a este comportamento antropológico das mídias e dos públicos. Retomei hoje esta indagação ao ver Rede de Intrigas, filme dirigido em 1976 por Sidney Lumet . Será que um filme genial como este, que fala sobre a pasteurização dos meios de comunicação, sobre o modelo de vida imposto pelas corporações, a sociedade do espetáculo, sobre o limiar que separa o jornalismo do apelo barato, sobre as pessoas, e sobre tantas coisas mais, teria espaço, seria sucesso nos dias de hoje? Consternado, chego à conclusão que não. Afinal, Rede de Intrigas aposta no brilhantismo de seu roteiro, nas interpretações magistrais de um time estrelado de atores e numa direção de mestre para, em quase duas horas, primordialmente nos fazer refletir sobre diversas questões pontuais da sociedade. Será que a sociedade atual quer refletir, ou prefere ver aquele herói que, de arma em punho, briga pela supremacia americana? Ou mesmo aquela comédia que robustece estereótipos, reforça a crosta de velhos preconceitos? Não há nada de errado em entretenimento, muito pelo contrário, precisamos dele. Porém, é com muito pesar que chego à conclusão de que cineastas como Lumet, preocupados com muito mais do que fazer cinema para aparecer nas revistas de celebridades, são raros e, após suas mortes, terão poucos herdeiros. Não quero aqui ser o cavaleiro do apocalipse cinematográfico, longe disso. Acredito que há muitos bons nomes no cinema contemporâneo, fazendo filmes comparáveis aos que os mestres faziam outrora. Pena que até mesmo estes bons nomes tenham que se refugiar nos guetos dos festivais, em mostras menores, nos circuitos fechados, prestigiados por uma parcela pequena (se compararmos com o todo) de pessoas que vêem no cinema muito mais do que pipoca e divertimento. É uma pena. Ou somos assolados pela falta de qualidade artística ou pela falta de interesse do público quando ela existe. Eis a complexidade do tema.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!!
    Adorei sua indagação. Esse tema, como bem abordou em seu texto, é complexo, não há dúvidas. Se tivesse de apostar, apontaria o público como culpado. A tecnologia, a velocidade do mundo, sobretudo midiática, torna tudo breve, efêmero, sem espaço para o espírito contemplativo. Pena que o cinema por vezes perca característica de arte que é e, se limita à engajar-se em matrizes. "A voz do povo é a voz de Deus", eis o problema do ser humano ser naturalmente religioso. Acredita em tudo e no mais fácil.

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  2. Ótimo texto Celo, uma indagação indgnada sobre um tema muito atual, mas que quase ninguém vê. Ou melhor, claro que vêem, mas poucos dão o espaço necessário ao problema. Escrevi um texto ao lado do Rafa e brevemente falei sobre isso (através de um paralelo com uma orquestra que agora me parece mais babaca do que no momento em que escrevia...), sobre o público que hoje é aquele que comanda a indústria, que cada vez mais exerce o controle sobre o que é produzido e exalta a ingorância transposta para as grandes telas que, nos últimos tempos, quase só exibe o contrário do que deve realmente ser exaltado. O válido mesmo está, e quando está, parado nos cantinhos das prateleiras de locadoras (não normalmente às que se encontra em qualquer lugar), se empoeirando.

    E infelizmente é fato que Rede de Intrigas não teria algum sucesso hoje. Nem que a personagem da Faye Dunaway fosse interpretada por Julianne Moore, ou o profeta do Peter Finch se tornasse um Mark Ruffalo, quase ninguém veria.

    Abraços cara!

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