sábado, 6 de novembro de 2010

O Direito de Morrer


O título já diz, e eu realmente não conhecia Jack, pelo menos não da maneira como o filme You Don’t Know Jack me mostrou a figura do Dr. Jack Kevorkian, alcunhado de Dr. Morte. É claro, não é somente a imagem que o filme passa que ficará em mim, que pautará minha opinião sobre esta figura tão controversa e sobre o tema que ele defendia, tão ou mais controverso quanto. Ele denfendia a eutanásia, o direito à liberdade de escolha do momento de se morrer. Cinebiografias geralmente endeusam seus objetos de foco, os tornam mais planos e menos dotados de arestas, até para que se estabeleça empatia entre o mesmo e o público. Por isto não devemos apenas guiar nossas opiniões acerca de alguém, ou de algo que este alguém defendia, após assistir a um filme destes. Não há como negar, porém, que You Don’t Know Jack dá uma perspectiva interessante, instigante e eu diria até iluminadora, sobre quem era Jack Kevorkian, sobre o porquê deste homem ter desafiado o sistema, a suprema corte e a opinião pública, por conta de sua convicção de que todos têm o direito de viver e morrer da maneira como lhe convirem.

You Don’t Know Jack foi desenvolvido pela televisão, é portanto um telefilme, mas que não se venha com aquele discurso pronto de que “só na televisão poderia se abordar um tema como este, com tal complexidade”. Não há nada em You Don’t Know Jack que não pudesse ser discutido numa sala de cinema, das convencionais. Talvez tivesse mais dificuldade de encontrar um público disposto às suas mais de duas horas de contestação, mas qual é, senão este, o desafio dos filmes que vão além do senso comum? O que importa é que é um filme legítimo, independente da maneira como foi exibido a priori. É um exemplar daqueles que gravitam em torno de seu protagonista, aqui brilhantemente interpretado por Al Pacino, que após muitos trabalhos anêmicos, no automático, volta a nos brindar com a pulsão dramática que fez dele, em idos tempos, um dos mais talentosos atores do cinema americano.

You Don’t Know Jack mostra o homem contra um sistema reacionário. Ele enfrenta mundos e fundos pelo progresso, contra as crenças e as desgastadas leis que limitam o humano, que fazem dele apenas massa de manobra, numa sociedade cada vez mais uniforme. Ser contra ou a favor da eutanásia é mais do que uma questão religiosa, mais do que acreditar-se pecador ou não, e era a favor desta expansão da discussão popular que ele trabalhava e, por que não, militava. Jack Kevorkian era um homem de personalidade complexa, um artista que acreditava no humanismo de sua prática médica. Ele desafiava a igreja e seus dogmas, as leis e suas brechas, não apenas por se achar acima de qualquer Deus ou da força da sociedade, mas por crer que ninguém tem o direito de sufocar a individualidade e perpetrar o sofrimento, em nome do que quer que seja.

Não há grandes inovações cinemáticas em You Don’t Know Jack, não há quebra de linguagens ou algo que o valha. Há, porém, uma história contada de maneira clássica, por um bom diretor artesão, Barry Levinson, que não se crê maior que a trajetória ou seu personagem central. Há um intérprete em estado de graça, e a busca pela complexidade, tanto da personalidade do Dr. Kevorkian, como do tema que ele defendia. Geralmente é mais fácil elogiar um filme quando suas qualidades são mais evidentes, ou quanto ele reza pela cartilha do chamado “cinema de arte”. Mesmo que, inevitavelmente, o filme tome partido da causa de Kevorkian, não há como negar que a discussão acerca da morte assistida e a maneira fascinante como ele, Kervokian, é mostrado, fazem de You Don't Know Jack um filme, no mínimo, desafiador, que frente a um espectador disposto, dificilmente passaria despercebido numa sessão de TV ou mesmo numa sala de cinema.

4 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Muito bem apontado por você, é uma discussão bastante complexa e, apenas um filme, bem como apenas um livro ou programa de televisão, não podem sozinhos definir uma opinião bem delimitada.

    Obrigado pelo texto,
    Abraçossss

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  2. Estou muito ansiosa por "You don't know Jack". Pessoas que respeito muito falaram maravilhas acerca do filme e agora você, num texto que desperta mais curiosidade sobre O Al Pacino de sempre mas que por um tempo esteve apagado, no limbo(?) talvez.

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  3. Ainda não vi o filme, mas é bem pertinente esse seu questionamento sobre filmes televisivos: os mesmos não conseguiriam espaço nos cinemas? Acho que o impedimento maior, em tempos de vacas magras, é o financiamento de propostas que não incluam robôs digitais ou heróis fantasiados (fui bastante reducionista, confesso).
    De qualquer forma, continua sendo um filme e, pelo tema, elenco e seu relato, me instigou.

    Abraços e parabéns pelo texto!

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  4. Acabei de ver "You don't know Jack"!
    Bom ter o The Tramps pra compartilhar ou pra dar um destino a angústia que o filme causa.
    Tô sob impacto ainda..
    Concordo com tudo que vc falou Marcelo: os moldes para TV mas q nao impediriam nunca do filme ser exibido numa sala de cinema, da eutanásia ser muito mais que um ideal religioso,político etc etc mas vou me ater as suas palavras do intérprete em estado de graça!(pois é exatamente isso) Al Pacino incorpora Jack Kevorkian com brilhantismo,louvor e perfeição!
    Que filme!

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