quarta-feira, 25 de abril de 2012

Rosetta e a crueza do mundo


Privada do sustento já na primeira cena de Rosetta, filme dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, a menina protagonista se debate violentamente tal animal acuado, ser selvagem que vê escoar outra chance de normatizar uma rotina repleta de pequenas derrotas. Ela clama pela ocupação que tornaria mais digna a vivência com a mãe alcoólatra e abatida, com quem divide o teto num acampamento suburbano de trailers. Esta raiva incontida em nada é alimentada pelo ego ferido ou qualquer motivação mais, digamos, superficial, e sim pela limítrofe sensação de que se esvai mais uma possibilidade de futuro.

Rosetta é seguida de perto e sem paternalismo pelos Dardenne, que tampouco parecem dispostos a fazer dela mártir, depositária dos males mundanos. A linguagem seca e dura acompanha ininterrupta esta garota que vai e vem pela floresta, onde intercala o único sapato urbano com a bota de borracha própria ao lamaçal em que vive. Não há música, e inexistem, ainda, movimentos de câmera que redimam ou aliviem por qualquer beleza do entorno. Tudo é registrado com a urgência que a pobre menina tem para tornar-se alguém.

Em Rosetta rareiam os espaços para julgamentos morais ou justificativas óbvias, pois seu ideário apregoa que às pessoas resta (sobre)viver com o peso de suas próprias falhas. Menos pela aproximação estética com o real, a excelência da visão dos Dardenne em Rosetta se dá por uma espécie de ética do cotidiano que alimenta pessoas e situações cinemáticas.  E no derradeiro momento, quando a dureza atinge níveis quase insuportáveis, o beco sem saída pode transformar-se em chance. Pode, mas não quer dizer que a tragédia iminente venha, de fato, virar uma centelha de esperança.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Em breve, pretendo assistir a mais filmes dos irmãos belgas.

    Abraçosss

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  2. Depois do excepcional "O Garoto e a Bicicleta" reuni os demais filmes dos Dardenne para assistir, mas ainda não iniciei esta incursão. Estou bastante curioso, "Rosetta" será o primeiro a ser visto.

    Um abraço!

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