sábado, 10 de novembro de 2012

Toda Nudez Será Castigada


Uma das muitas adaptações de Nelson Rodrigues para o cinema, Toda Nudez Será Castigada fala sobre um homem enclausurado em seu luto até conhecer Geni, prostituta que o leva a rever a viuvez e a promessa feita ao filho de nunca mais possuir mulher alguma. Bem ao estilo rodriguiano, o texto entrelaça uma série de personagens, utilizando como argamassa o desejo, a traição, o ciúme, o corno e outros elementos que povoam os escritos do chamado “Anjo Pornográfico”. No cinema, essa construção é filtrada pelo olhar de outro artista, o não menos carioca Arnaldo Jabor, conhecido apenas como comentarista televisivo por muitos, cuja carreira no cinema merece reconhecimento, sobretudo se levarmos em conta seu trânsito pelas particularidades da classe média. 

Então, temos aí um filme em que convergem olhares, visões de mundo completamente distintas, como não demoraremos a perceber ao longo da sessão. Rodrigues é cáustico enquanto Jabor prefere ser irônico. A família do viúvo interpretado por Paulo Porto é um prato cheio às observações do cineasta sobre elementos e composições daquele estrato social, no meio termo entre a pobreza e a burguesia. A encenação prima pelo deboche ao invés da seara duramente mordaz proposta pelo universo rodrigueano. Alguns matizes se perdem na transposição, sendo o filme prejudicado pelo humor em que se apoia na buscada leveza negada deliberadamente pelo escritor carioca. 

Como Gina, a desbragada Darlene Glória capta para si as maiores atenções. Aliás, ao redor de sua personagem paira todo dilema moral do filme, é por ela que o cliente se apaixona, indiretamente através dela se dá a prisão e posterior incidente boliviano com o herdeiro de seu amado e, finalmente, é por meio de seu corpo que a complexa relação pai/filho chegará às vias da sordidez. Jabor guarda a essa intérprete os melhores momentos e seu mérito reside essencialmente em não castrá-la, deixando o furacão – de sensualidade e intensidade dramática, chegar com força em quem vê. Sua figura, bem como o filme num todo, suscitou polêmicas quando de seu lançamento. Pena Toda Nudez Será Castigada, decorridos quase 40 anos, bater um tanto datado na tela, já sem a mesma força. 

Toda Nudez Será Castigada surge como documento da época em que o cinema brasileiro debatia-se contra uma série de problemas inviabilizadores da produção cinematográfica contínua. O misto de sexualidade aflorada e culpabilidade rende uma série de embates interessantes, porém mais instigantes caso fossem construídos (sobretudo do meio em diante) compassadamente ou com um pouco mais de foco. A tão conhecida veia crítica de Jabor se esvai em meio ao humor duvidoso e diluidor de sua vitalidade irônica. Toda Nudez Será Castigada deve seus méritos muito mais a Nelson Rodrigues que a Arnaldo Jabor, mesmo o último não se curvando ao primeiro, é bom que se diga. Ao cineasta nossas homenagens pela coragem, já ao dramaturgo as láureas pelo encadeamento de personagens e circunstâncias, infelizmente sem ecos tão nuançados enquanto cinema.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

3 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Nelson Rodrigues é autor brasileiro dos mais importantes. Por isso, tenho de visitar suas obras, famosas por entrelaçar personagens em situações cotidianas apimentadas e intensas.

    Abraçosss

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  2. A cada texto..uma surpresa(melhor que a outra). Fã é fã hehe.
    Difícil escrever sobre " Toda nudez..",seu texto ficou sensacional . Eu gosto, acho que tem diálogos ótimos,embora não aprecie o Jabor 'a frente dos projetos.

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  3. Obrigado pelos elogios, Carol.
    Já te falei: tua generosidade é ímpar.

    :)

    beijos

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