segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A dois sobre O Processo do Desejo


Eu e a querida Ana Carolina Grether, colaboradora contumaz do nosso blog e editora do Blue Velvet (espaço calorosamente recomendado), resolvemos partilhar mesmo separados geograficamente uma sessão de O Processo do Desejo, filme de Marco Bellocchio, para depois construir algo a quatro mãos em conversa via MSN. O resultado da experiência segue abaixo.

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Tenho o direito de gozar de teu corpo, e este direito eu o exercerei sem que limite algum me detenha no capricho das extorsões que me dê gosto de nele saciar. (Marquês de Sade)

Como poderíamos classificar O Processo do Desejo? Não seria simples encaixar o filme de Marco Bellocchio em qualquer gênero. No início, quando transita em meio às obras de arte, a personagem Sandra parece menos definida enquanto pessoa e mais como sensação espontânea, um ser guiado pelo desejo (palavra esta que, aliás, aparecerá diversas vezes no texto). Pouco importa o passado dela e suas aspirações. Ficamos vidrados no olhar provocante e curioso que lança a pinturas e estátuas. Sandra está em consonância com seu desejo, absorta frente ao quadro de Da Vinci no qual a mãe amamenta seu filho. O olhar da criança no retrato revela o traço incestuoso e ao mesmo tempo terno próprio do amor materno.

Sandra vacila no instante em que poderia gritar para sair do museu. A porta fecha e ela dá meia volta, sem lamentações. A partir desse momento, sobretudo após surgir o enigma Lorenzo, o filme adquire atmosfera onírica, porém sem perder contato com a realidade. Homem e mulher são então regidos por algo que não lhes permite reação. Ela e seu desejo (represado) de ser possuída ali no museu, enquanto ele - espera-se que o macho aborde a mulher disponível - é "obrigado" a tê-la. Sandra mostra-se, até certo ponto, histérica. Lorenzo é libertário, maduro e atraído pelo inconsciente dela.

Logo a jovem precisa sair da posição de desejante, negando o intuito de fazer amor, ao passo que ele (afirmativo por excelência) segue firme. Há embate entre desejo e “necessidade”, certo e errado digladiando-se. O sexo aparece quase num bailado, feito de pequenos coitos interrompidos até a “aceitação” final. O sol da manhã trás consigo chave reveladora que “autoriza” a mulher a culpar seu parceiro, ou seja, ela goza, aproveita, mas precisa acusar o outro para justificar seu ato (de prazer).

Após elipse genial e incisiva, vem o julgamento. Sandra leva Lorenzo à corte, literalmente. O réu dá lição de consciência ao juiz e, de alguma maneira, o depoimento autopiedoso de Sandra o complementa. Dessa passagem em diante nota-se com clareza a encenação de O Processo do Desejo como que buscando transcender o real precisamente por tocar algo tão íntimo e verdadeiro que parece irreal, dados os códigos sociais.

Giovanni, promotor encarregado de apontar o dedo condenatório, é afetado sobremaneira pelo caso. Cartesiano, ele defende Sandra, mas se vê confuso especialmente diante do acusado. Mônica, esposa do magistrado, acende a fogueira que periga consumi-lo, tomando as dores de Lorenzo, grosso modo, pois ela mesma é incapaz de gozar com seu marido, uma vez que ele transa como se fosse obrigado e não desejoso. Ao julgar Lorenzo, Giovanni aprisiona e condena a si mesmo. Desolado, parte em jornada particular de autoconhecimento num cenário pastoril onde, lá pelas tantas, pensa estar salvando uma mulher do estupro. Após o incidente, ele finalmente deflagra o complexo jogo do desejo, por vezes camuflado de qualquer coisa mais banal.

No fim, Giovanni e Lorenzo são como duas faces da mesma moeda. O advogado de valores sociais bem introjetados desajeitado para sedução, e o arquiteto sem a moral dominante, talentoso no entendimento do bel-prazer. Já as mulheres (Sandra, Mônica e a campesina) possuem traços comuns e representam o feminino complexo. Afinal, o que querem as mulheres? Justamente o desejo. Dentro de tal cenário, os homens de O Processo do Desejo são malditos, seja por sua impulsividade (Lorenzo) ou culpa (Giovanni).

8 comentários:

  1. Parabéns pelo trabalho Marcelo :)Estou impressionada com a rapidez e qualidade do teu texto e mais ainda de ter juntado nossas impressões e transformado em tantas linhas, todas sem exceção significativas e consistentes.
    Fiquei pensando que se eu não tivesse assistido o filme, depois de ler seu texto, iria correndo atrás hehe.
    Obrigada pela oportunidade! beijos

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  2. Olá, Carol.

    Preciso te agradecer, pois foi uma experiência ótima essa de compartilhar impressões para um texto posterior, o nosso texto. Sim, porque por mais que eu tenha feito as junções, a redação final e tanto minha quanto tua.

    beijos


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  3. Oi Carol e Marcelo. Belíssimo texto. Vi o filme já umas duas vezes há muito tempo, mas fiquei louca para ver de novo, a partir desse olhar compartilhado de vocês. bjs irene

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  4. Olá Irene,

    Obrigado pelos elogios. Compartilhar comentários acerca do filme com a Carol, dessa maneira, foi bastante enriquecedor.

    Foi a primeira vez que vi "O Processo do Desejo", mas certamente voltarei a ele em breve. Grande filme.

    Abraços e obrigado pela visita.

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  5. Olá, Carol e Celo!
    Excelente, aguardamos por mais experiências como essa.

    Até mais.

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  6. como coseguir ver esse filme online?

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  7. como coseguir ver esse filme online?

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