Esperava tudo de Ninfomaníaca: Volume I, mais nova
realização do dinamarquês Lars Von Trier, menos que fosse uma comédia ruim. A
trama é calcada na vida sexual/sentimental de Joe (Charlotte Gainsbourg), descrita
minuciosamente pela própria ao homem mais velho que a encontra ferida e
desacordada sobre a neve. Da infância à vida adulta, ela conta tudo em tons
pessimista e autodestrutivo a esse desconhecido que, por sua vez, faz paralelos
um tanto ridículos entre o sexo e a arte da pescaria, ao passo que relativiza a
maldade essencial da narradora, contrapondo-se à melancolia da mesma. O enfeite
inoportuno via inserções de imagens de iscas ao mar, sapos, peixes e outras artificialidades
gráficas, é didatismo que, não raro, apenas sublinha de maneira reiterativa o
recém-dito.
Na medida em que avança, a
sexualidade de Joe é acrescida da perversão que parecia longe na aparente
inocência infantil. Sua voracidade por sexo só é confrontada pela necessidade
de mais sexo, de continuar sua busca pelo prazer até então não obtido na
repetição. Diferente de outros filmes de Von Trier, onde fica evidente uma
fúria criativa sem medidas, em Ninfomaníaca:
Volume I essa pulsão é diluída por frases de efeito pouco condizentes com o
itinerário criativo do dinamarquês e por uma pretensa subversão que não
encontra sustento apenas numa que outra cena mais explícita. Von Trier que
quase sempre fez da dupla sexo/morte um dos pilares de seu cinema, infelizmente
subaproveita o duo justo quando poderia explorá-lo mais frontalmente.
Algumas sequências parecem
propositalmente boicotadas, como a mecânica perda da virgindade de Joe, esta
prejudicada por uma contagem boba, cuja posterior alusão à sequência de
Fibonacci é pretensamente profunda, mas rasa na essência. Aliás, são diversos
os elementos desperdiçados ao longo da explanação da protagonista, muito em
prol de uma graça sem graça, até constrangedora. Ninfomaníaca: Volume I é o filme mais careta de Von Trier, e isso
pouco ou nada tem a ver com qualquer alusão à escassez de prazer em contraste
com a abundância de relações sexuais. O longa não confirma a expectativa gerada
pelas sugestivas campanhas de marketing, ou seja, está longe da importância que
a promoção previamente lhe conferiu.
Ninfomaníaca: Volume I é uma obra acomodada, envergonhada em
demasia de sua própria nudez ou, o que é pior, crente demasiado na força do
tema como base maior do interesse da plateia. Von Trier arrisca e quebra a cara
feio ao adicionar comédia a certas passagens. Seriam involuntários muitos
desses momentos de comicidade atrapalhada? Confiante demais nas possibilidades
de transgressão contidas na história da ninfomaníaca Joe, e na potencial
polêmica inerente ao elemento sexual, Lars Von Trier se entrega à onipotência
criativa e descuida de certas armadilhas que acabam vitimando fatalmente seu
filme. A protagonista sente desconforto diante dos prazeres, entende a si como
indigna de tal. Nesse sentido, ao menos, há coerência, pois Ninfomaníaca: Volume I é claramente um
filme que tem vergonha de gozar.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Fiquei receoso em assistir "Ninfomaníaca", por isso sua não audiência até então. Longe dos motivos relacionados ao sexo, que, se bem explorados, concedem camadas e mais camadas à trama. Parecia quase inevitável a propaganda enganosa. Quem sabe um dia dou uma chance a "Ninfomaníaca", embora já entre na sessão com o pé lá atrás.
ResponderExcluirAssista quando puder, Rafa
ExcluirEsse Volume 01 é, a meu ver, bem decepcionante mesmo, mas o Volume 02 é um baita filme. O ideal seria assisti-los em sequência, pois a segunda parte de alguma maneira dá significado novo à primeira, que vista isolada não bate tão bem.
Esse sim é um caso em que o filme não deveria ter sido dividido.
Abração