sábado, 5 de setembro de 2015

Doses Homeopáticas #49


Em CÃO SEM DONO, os diálogos e os movimentos são trabalhados ao ponto de parecerem naturais, não encenados. O protagonista é um jovem adulto meio à deriva, sem porto seguro profissional nem mesmo afetivo. A bela mulher que entra em sua vida, infiltrando-se aos poucos por entre as brechas da resistência, sacode seu dia a dia. O filme é feito das deambulações dele, de sua cada vez mais evidente inquietude existencial. As andanças pelas ruas de Porto Alegre, as conversas aparentemente banais, os interlúdios de felicidade, são acontecimentos que preenchem apenas alguns espaços superficiais. Nada do que ocorre parece realmente significativo, a não ser o amor por Marcela. A trama caminha pautada pelas elipses, pelos buracos propositalmente criados para dar dinamismo ao filme, evitando, assim, que se desenrole de maneira convencional. É uma história de formação tardia, que sinaliza a tendência atual do amadurecimento emocional moroso, efeito colateral da forma como nos relacionamos, entre nós mesmos e com o mundo, nos dias de hoje. 


Muito se fala sobre Anthony Hopkins e Jodie Foster em O SILÊNCIO DOS INOCENTES, e com razão. Que grandes interpretações, a dele como o assassino frio, calculista e inteligente, e a dela na pele da obstinada jovem com diversas áreas cinzentas prontas a serem exploradas. Mas, o que me impressionou particularmente na revisão foi o trabalho de câmera do diretor Jonathan Demme, a decupagem incomum para um filme com fortes elementos policiais. Há predominância dos planos fechados, o que torna tudo mais íntimo nas interações sociais e claustrofóbico nas sequências de ação e suspense. O jogo psicológico é hipnótico, boa parte por conta dessa predileção diretiva em demorar-se nos rostos. Sempre que possível, enquadra-se um personagem de cada vez, bem de perto. Embora estejam juntos em cena, cada qual trava suas batalhas particulares, e isso é ressaltado com muita eficiência pela imagem. Demme cria um forte drama psicológico, muito mais focado na dinâmica entre Hannibal e Clarice que em qualquer esforço para encontrar Buffalo Bill. A relação professoral/paterna se fortalece cada vez mais como verdadeiro pilar do filme.


O protagonista de O ANJO AZUL é um bastião da moral e dos bons costumes. Professor, ele descobre que seus alunos estão enredados por uma atriz de cabaré. Ao tomar contato com as pernas e a voz da personagem de Marlene Dietrich ele se apaixona, chegando a largar sua respeitada profissão para segui-la na vida itinerante. O filme de Josef von Sternberg deve ao expressionismo, algo visto nos cenários ligeiramente retorcidos e na fotografia que mostra um contraste forte entre a luz e a sombra. Emil Jannings transmite a deterioração pela qual o professor Immanuel passa, a gradativa descida ao inferno de um homem que perdeu o chão, atirando-se ao amor desajeitadamente, sem qualquer prudência. Literalmente transformado num palhaço tristonho, ele encena sua miséria no palco da cidade natal, retorno que atrai a massiva atenção dos que o conheceram nos tempos do magistério. Marlene Dietrich, por sua vez, exala sensualidade e perigo. O final ressalta a vocação trágica do filme, algo que se pode antever pela trajetória cada vez mais tortuosa de todos.

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