quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Os Filhos do Padre


Não, Os Filhos do Padre (2013) não é sobre um pároco adepto do sexo sem preservativos que sai fecundando as mulheres de seu vilarejo. Espera aí, quer dizer, na verdade é sim, mas de maneira indireta. Recém-integrado a uma pequena vila na Croácia, Fabian (KresimirMikic) se vê diante da dura tarefa de substituir o antigo responsável pela paróquia local, um senhor alinhado à comunidade em suas diversas atividades, inclusive com trânsito no Vaticano. Vendo o número de mortes superar bastante o de nascimentos (estes cada vez mais esparsos), o sacerdote novato tem a ideia de boicotar as camisinhas para, com isso, forçar o crescimento populacional, mesmo contra a óbvia vontade dos moradores.

A trama do filme é confessada por Fabian a um colega mais jovem. As lembranças se iniciam no momento em que o protagonista chega à cidade, posteriormente passando pelas dificuldades enfrentadas por ele para marcar presença nesse lugar ainda bastante ligado ao seu antecessor, indo até o desenrolar e as implicações do plano inusitado levado a cabo com a ajuda dos dois únicos comerciantes de preservativos da cidade. Evidentemente cômico, infelizmente com certos momentos em que o escracho o aproxima das comédias rasteiras às quais estamos acostumados, Os Filhos do Padre tem, contudo, um subterrâneo dramático que de vez em quando emerge para amarelar os sorrisos da plateia.

Ora, se num primeiro momento é engraçado testemunhar a maneira até um tanto ingênua com que Fabian e seus ajudantes planejam ações, escolhem aleatoriamente pais para os filhos da dúvida, se desdobram a fim de esconder os primeiros efeitos colaterais, aos poucos o ar vai ficando mais pesado, sobretudo na medida em que as consequências ganham gravidade e os personagens se dão conta dos danos por trás de suas “boas intenções”. As figuras são caricaturais e assim soam muito bem para além de qualquer complexidade que se queira atribuir a elas, exceção talvez feita apenas a Fabian, cujas nuances são imprescindíveis a alguém que transita entre a vontade de fazer o bem e a posterior culpa por ter ferrado um monte de gente.

Pode não ser memorável esse Os Filhos do Padre, ou mesmo uma realização que dure muito em nossa memória, mas não dá para dizer que seja inábil ao combinar sutilmente alguns espectros cômicos e trágicos. A maioria das situações apresentadas na trama nós já vimos em outros filmes, claro, com variações. Certos desdobramentos são evidentes desde cedo, enquanto alguns nem tanto e outros de antevisão praticamente improvável. Não sejamos, porém, condescendentes com o filme apenas por ele vir de um país com pouca tradição de exportação cinematográfica, fechando os olhos às suas fragilidades em virtude do exotismo. Mas que também não neguemos tanto a graça de alguns momentos quanto a eficácia de determinadas tragédias, ambos temperos do absurdo.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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