domingo, 31 de agosto de 2008

Duas Louras do Cinema Brasileiro

Ontem pela manhã eu estava em casa, escolhendo o que iria ver (tinha de ser algo relativamente curto, pois, não dispunha de muito tempo antes do almoço). Resolvi assistir Copacabana Mon Amour, dirigido pelo mítico Rogério Sganzerla, afinal o filme tem somente 70 minutos. Sganzerla é um cineasta que respeito muito, e este respeito se deve à sua obra prima, O Bandido da Luz Vermelha, em minha opinião um dos melhores e mais provocativos filmes brasileiros já feitos. Confesso que também já me decepcionei com Sganzerla, ao assistir seu derradeiro filme, O Signo do Caos, que me pareceu mais um exercício de estilo, um tanto quanto monótono, do que qualquer outra coisa. Bom, voltando a Copacabana Mon Amour, o filme é tão alegórico quanto O Signo do Caos, e isso poderia soar pejorativo dado o meu comentário anterior de desagrado com este filme, mas, neste caso, não o é. A alegoria que orienta Copacabana Mon Amour é um dos pontos fortes deste pequeno grande filme de Sganzerla (perdoem-me o uso de expressão tão batida). Acompanhamos Sônia Silk, loira oxigenada suburbana que tem o sonho de ser cantora da Rádio Nacional e vê espíritos baixarem em seres e objetos. Seu irmão, Vidimar, é apaixonado pelo patrão. O que vemos, nos 70 minutos do filme, são as andanças de Sônia, sua interação com uma sociedade podre carioca, que conflita com a imagem bela de Copacabana, seu irmão lutando contra espíritos e a luxúria que tem pelo patrão, tudo isso quase sempre acompanhado pela belíssima trilha sonora composta por Gilberto Gil. Não é um filme fácil, mas se conseguir entrar na sintonia do pensamento anárquico de Sganzerla, garanto que terá uma ótima experiência cinematográfica.

Já pela noite, fui à Sala de Cinema Ulysses Geremia, no Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho, para assistir ao drama brasileiro (assim que a prefeitura o definiu para a divulgação) Falsa Loura. Nunca tinha assistido a nada de Carlos Reichenbach, cineasta da velha-guarda, oriundo da chamada Boca do Lixo Paulistana. Silmara é uma operária que trabalha para sustentar a si e o pai desempregado. No início, ela é arrogante, toma uma postura de superioridade perante suas colegas, quem sabe por sua beleza, mas, mesmo assim, é admirada por elas em virtude de sua sinceridade e coleguismo. Aos poucos, num dos grandes méritos do longa, Silmara vai mostrando a menina sonhadora por baixo da casca de mulher inabalável. Ela é fã de músicas românticas, bregas para dizer a verdade, e este clima meio kitsch dá uma verniz diferenciado à narrativa visual. Falsa Loura não é um filme perfeito, irrepreensível, por conta de algumas atuações pouco inspiradas e uma que outra inconstância do roteiro. Contudo, o que vi foi um filme ótimo, sincero, que tem na protagonista o epicentro narrativo, como se todos os acontecimentos e mesmo as experiências dos coadjuvantes servissem apenas ao propósito de enriquecer Silmara como personagem. O filme é muito bem dirigido e se vale da presença luminosa, belíssima e competente de Rosane Mulholland como a protagonista. Reichenbach se propõe a mostrar o universo feminino das operárias por meio dos anseios e escolhas de Silmara e isto resulta num filme de diálogo fácil com diversos públicos e fadado à ser incompreendido por outros tantos, devido à sua veia kitsch e escolha pouco convencional de elenco.

Dois diretores oriundos da cena alternativa das décadas de 60/70, com enfoque nas suas protagonistas loiras e sonhadoras, cada qual a sua maneira, bem distintas uma da outra, é verdade, mas com um diálogo possível, mesmo que uma sirva à alegoria da periferia carioca e a outra ao realismo kitsch do subúrbio paulistano.
UPDATE: Outro ponto coincidente entre as obras supracitadas: o sobrenome Sganzerla. No primeiro, Copacabana Mon Amour, o de Rogério, o diretor. No segundo, Falsa Loura, o de Djin, a coadjuvante de bela atuação. Ela, por sinal, é filha de Rogério com Helena Ignez, protagonista de Copacabana Mon Amour.

2 comentários:

  1. Ótimo texto Celo! Gostei da escolha de analisar os filmes a partir de suas semelhanças e no contexto do cinema nacional em que os mesmos se inserem. Quero muito ver Copacabana Mon Amour, seus comentários me incentivaram ainda mais para assistir essa obra do Sganzerla, de quem apenas vi o ótimo O Bandido da Luz Vermelha. De Fausa Loura, poucas são as lembranças saudosas, mas uma delas sem dúvida é de Mulholland que, mesmo errando vez ou outra em sua atuação, é face promissora do nosso querido cinema.

    Grande abraço, Celo!

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  2. Olá, Celo!!
    Muito bem realizado seu texto, Celo, parabéns. "Copacabana (...)" ainda não assisti, mas "Falsa Loura" é um filme que merece ser conferido. Não é esplendoroso, mas bem bom.

    Abraçossss

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