domingo, 28 de setembro de 2008

Crítica: Gritos na Noite

Direção: Marc Forster.
Roteiro: Marc Forster, Adam Forgash e Catherine Lloyd Burns.
Elenco: Radha Mitchell, Megan Mullally, Jacqueline Heinze, Catherine Lloyd Burns, Justin Louis, Matt Malloy, Mark Boone Junior e Courtney Watkins.


Existe uma vertente do cinema contemporâneo que tem levado diversos cineastas talentosos a enxergarem nos subúrbios americanos histórias até então não contadas, utilizando o ambiente aparentemente pacífico como pano de fundo ou mesmo como personagem em suas narrativas. O espaço foi desconstruído e a imagem da família moderna perfeita, imaculada, já fora desmistificada, não sendo mais vista como exemplo de estrutura familiar “ideal”. Todd Solondz foi um dos pioneiros com os filmes desse gênero, se já é possível o classificar como um, quando em Bem-Vindo à Casa de Bonecas e Felicidade abordou o cotidiano de personagens que viviam nos tais subúrbios. Com Solondz se destacam Sam Mendes com Beleza Americana e Todd Field e seus Entre Quatro Paredes e Pecados Íntimos. Em Gritos na Noite o mesmo espaço é alvo de uma análise crítica, junto a outros temas passíveis de reflexões, raramente abordados com tamanha crueza pelo cinema americano.

Gritos na Noite é o segundo filme dirigido por Marc Forster, cineasta de talento reconhecido e que hoje tem em seu currículo filmes voltados ao grande público, como Em Busca da Terra do Nunca e O Caçador de Pipas. Faz-se notar a incrível disparidade dos filmes subseqüentes de Forster com este trabalho menor, sendo a maior característica de Gritos na Noite a experimentação feita pelo diretor em suas escolhas estéticas. O diretor venceu o Festival de Sundance em 2000 na categoria de Melhor Direção, justamente por apresentar o uso de elementos fílmicos simplistas e pouco utilizados com tamanha competência.

O que temos aqui é um trabalho filmado em um digital cru, quase caseiro, que tem papel importante por aproximar o filme a uma realidade palpável. A escolha pelo digital tosco casa perfeitamente com o ambiente onde o filme se passa, e a maioria das cenas funciona incrivelmente bem, como em uma seqüência de um aniversário infantil, que apresenta todo o núcleo de personagens se relacionando, como se um parente próximo estivesse captando tudo aquilo através de uma câmera doméstica, para rever posteriormente com sua família.

A forma original aplicada pelo trio de roteiristas Adam Forgash, Catherine Lloyd Burns (que também atua no filme) e pelo próprio Forster à trama, muito recorrente por sinal - mãe perturbada pela precoce morte de um filho -, é um dos grandes feitos de Gritos na Noite. Não há espaço no filme para momentos gratuitos, ou cenas descartáveis, pois toda a relevância de algumas seqüências aparentemente desnecessárias acaba subentendida, como em um dos primeiros diálogos, onde a protagonista, então grávida, reflete e exterioriza seus pensamentos acerca do movimento cíclico da vida. A passagem faz referência ao próprio filme, que tem em sua derradeira seqüência o nascimento de uma nova realidade para a vida da personagem, extremamente semelhante à inicial.

O mundo perfeito que Forster analisa através de sua direção por vezes frenética vai se metamorfoseando ao decorrer do filme. As pessoas vão aos poucos apresentando outras faces, lados desconhecidos, enquanto a atormentada personagem de Radha Mitchel, Angie, é machucada por uma série de acontecimentos desencadeados com o falecimento de seu filho, como os recorrentes problemas com suas amigas, pessoas que assim não mereciam ser classificadas. Quando a banalidade em seus relacionamentos se resume a encontros e discussões vazias, as amigas de Angie visivelmente transmitem a felicidade por terem o controle de suas previsíveis vidas. Quando o inesperado ocorre com Angie, no entando, as tais mulheres sempre presentes passam a evitar a companhia daquela que julgam agora ser uma estranha, pelo simples fato de estar mudando o curso no qual tudo deveria estar acontecendo.

Não se pode esquecer a composição extraordinária de Radha Mitchel para Angie, atriz que posteriormente não foi tão bem aproveitada por outros diretores (talvez por Woody Allen, em Melinda e Melinda), que merece grandes elogios já que sem um desempenho visceral como o seu o filme ficaria em parte vazio. Espero que se inserindo em projetos como o novo James Bond Marc Forster consiga posteriormente certa independência criativa e volte a trabalhar em projetos menores, singulares como este, e de grandes resultados.

2 comentários:

  1. É realmente incrível e recompensador ver os ditos "filmes menores" de alguns cineasta que, assim como você bem disse no seu ótimo texto, hoje estão inseridos num esquema mais industrial de cinema e que podem muito bem trazer mais qualidade e tornar grandes filmes menos pasteurizados. "Gritos na Noite" é uma obra que incomoda mesmo por sua crueza. Sua estética é o elo entre o espectador, a protagonista e seu sofrimento. Sem dúvida um grande filme, injustamente quase anônimo.

    Abraços

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  2. Olá, Kon!
    "Gritos na Noite" é um filme não essencial, mas importante. Provoca reflexões (algumas tidas em seu texto, Kon), o que na verdade é a característica primeira da arte.

    Abraçosssss

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