domingo, 3 de maio de 2009

Olhai os Defeitos Alheios

A sensação que temos quando em contato com a produção de um autor que apreciamos é de teor quase mágico, irreal. Valorizamos de tal maneira a mente do indivíduo que, em nosso íntimo, especulamos que o mesmo não exista de fato ou, se me permitem a divagação, apenas num mundo inatingível, como o das idéias. Pois bem, isso é, sumariamente, o que ocorre comigo em relação à Erico Verissimo, autor detentor de minha admiração, mesmo que não o saiba e, de todas as maneiras, agora nem o poderia, pela vida que já não tem.

É difícil analisarmos uma obra de indivíduo que temos em um pedestal acima de outros tantos sem resignação, sem a boa vontade em fecharmos os olhos para defeitos possíveis que poderíamos apontar na produção realizada por semelhantes. Olhai os Lírios do Campo, livro de maior sucesso do escritor natural de Cruz Alta, é um belo exemplo disso, se tratando de quem vos escreve. Depois de romances arrebatadores, citamos Música ao Longe, Clarissa e o fantástico Incidente em Antares, em que até os defeitos auxiliavam para a construção mais densa de um sentido humano aos personagens, o Olhai, tem momentos em que notamos a falta do amadurecimento de Erico, ao menos enquanto literato, para uma construção narrativa mais exitosa. Há momentos lindíssimos, passagens inspiradas, porém um quê de Paulo Coelho paira sobre o romance, constituído de menos de 300 páginas. Desculpo-me, ao leitor mais apressado, a comparação, é que um ar místico, principalmente da personagem Olívia, pouco carismática, desequilibra um enredo interessante, margeado por personas que convencem quanto à sua realidade.

Doloroso, mas infelizmente, certo ou não, se é que apontamentos subjetivos nos abram tal possibilidade de definições cruas, simplistas e definitivas, Olhai os Lírios do Campo, apontado por vários como o melhor livro de Verissimo, à mim não convence, apesar de reconhecer suas qualidades, que de modo algum nego, até por que, perfeito ou não, ainda é fruto de uma mente privilegiada. Pena que o que fica são apenas suas obras e a saudade em simbiose com a tristeza por material inédito de Erico Verissimo nos ser vetado irremediavelmente por uma ceifadora sem escrúpulos.

2 comentários:

  1. Olá Rafa!

    Relacionado ao autor, apenas posso comentar que tais elogios feitos por você casam perfeitamente com o misto de admiração e surpresa sentidos por mim quando o conheci, em 'Incidente em Antares'. Espero poder ler mais obras do Verissimo logo e, quando o fizer, prestarei maior atenção em alguma implícita indicação do universo único que o autor habita. hehe

    Grande abraço!

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  2. Mais um belíssimo texto seu Rafa. É mesmo um pouco frustrante, eu diria mais frustrante do que o normal, quando uma obra daquele artista que nos encanta especialmente, não nos convence. Sinto isso quando assisto à um filme do Bergman do qual não gosto muito, fica um gosto amargo, uma sensação diferente mesmo.

    Os artistas não são infalíveis, são pessoas assim como nós, passíveis de temporadas ruins, pensamentos desencontrados, ou seja, demasiado humanos.

    Abraços

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