segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Espaços Exíguos

Meu final de semana cinematográfico foi composto de dois filmes que, a priori, não tem relação alguma: O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski e 12 Homens e uma Sentença, de Sidney Lumet. Disse “a priori”, pois hoje me peguei tentando, não sei por que cargas d’água, estabelecer alguma relação entre ambos, num impulso de análise que me levou, finalmente, a achar uma semelhança entre eles: a exiguidade dos espaços onde se passam as tramas, seja ela por representação psicológica e/ou espaço físico.

No filme de Polanski, o tal bebê, sujeito do título, nada mais é do que ponto inicial para a desestabilização de Rosemary, mulher que acabou de se mudar com o marido para um prédio de onde saem as mais escabrosas histórias, tidas como parte do folclore inerente a qualquer grande cidade estadunidense. A ambigüidade, ponto mais marcante do filme, faz com que fiquemos sempre com a dúvida: estaremos vendo uma conspiração satanista ou simplesmente a instabilidade psíquica da protagonista, que vê em tudo e todos algo que sua mente fabricou, seja por um mecanismo de defesa ou por qualquer outro motivo que nos foge a compreensão? É um filmaço, muito bem interpretado e orgânico. Não é propriamente “terror”, como muitos dizem, e quem procura sustos nele, irá achar a frustração. Considero-o uma alegoria psicológica, uma espécie de estudo de personagem, destes a que Polanski já tinha nos proposto em obras anteriores, como no delirante Repulsa ao Sexo. Por falar neste filme, ele, somado a O Bebê de Rosemary e O Inquilino, formam a chamada “trilogia do apartamento”, já que o trio comunga do mesmo cenário master.

O filme de Lumet é calcado no conflito. Doze jurados têm a missão de decidir o futuro de um jovem de dezoito anos, a quem a promotoria acusa, com provas quase que irrefutáveis, de ter matado seu pai. Para que o veredicto seja aplicado, é necessária a unanimidade, ou seja, que os doze jurados votem pela absolvição ou condenação do jovem à cadeira elétrica. Ocorre que na primeira votação, há onze que optam pela condenação e um que vota pela inocência, não propriamente porque acredita na falta de culpa do acusado, mas porque crê que, em se tratando de decidir o rumo de uma vida, precisam discutir mais, debater e analisar com mais calma as evidências. O que se vê em um pouco mais de uma hora é um emblemático e instigante debate que transcende o ponto de discussão, que expõe, por meio dos doze tipos, algumas características da sociedade americana, e porque não, de todas as sociedades, tais como preconceito, apatia, falta de personalidade, egocentrismo, entre outros. É outro filme memorável, que junta um roteiro brilhante com uma direção das mais difíceis. Lumet criou uma obra predominantemente dialética, deixando de lado qualquer tendência formalista.

Os ambientes são personagens, em ambos filmes.

Em O Bebê de Rosemary, temos de início a felicidade do casal composto por Mia Farrow e John Cassavetes, que vê na mudança para o apartamento novo a oportunidade de mudar de fase, de dar uma guinada positiva em suas vidas. Eles chegam, alteram o visual lúgubre do local, enchendo as paredes e os objetos de decoração de uma claridade que os faz sentir realmente em seu lar, doce lar. Digo que o apartamento do filme é exíguo, não por ele ser acanhado, desconfortável, mas por simbolizar uma delimitação da ação, e a medida que a mesma avança, ele vai se configurando, mesmo que de maneira velada, num dos potencializadores da instabilidade da personagem de Mia Farrow, já que faz divisa com a moradia dos vizinhos de quem ela tanto suspeita. Corredores estreitos, “passagens secretas” e ângulos reducionistas fazem do apartamento de Rosemary um local de clausura, um calabouço labiríntico de impacto dramático, menos direto, é verdade, do que o habitado por Catherine Deneuve, em Repulsa ao Sexo (este sim um filme em que Polanski transforma o “espaço” em personagem quase que pulsante), mas igualmente cenário que auxilia na construção narrativa. Já em 12 Homens e uma Sentença, Lumet encarou a difícil tarefa de ambientar seus personagens e história dentro de uma pequena sala de júri, onde ocorre o desenrolar da trama, em meio a discussões, divergências e embates entre os doze homens irritados, como explicita bem o título original. Neste caso, o cenário diminuto é, primeiramente, artifício de acuação, pois os personagens, imagino eu, sentem-se quase que presos, o que potencializa, e muito, o clima de tensão no qual estão inseridos. Junte isso ao fato da história se passar num dia de extremo calor, e a sala não possuir um item de ventilação que funcione, a não ser suas janelas, e teremos outro elemento que, psicologicamente, contribui para a inflamação dos ânimos entre os que acham o acusado culpado e os que ainda creem na insuficiência de provas e na necessidade de mais análises e debates a cerca do caso. Por mais que haja diferenças óbvias entre o apartamento de Rosemary e a sala de júri onde se passa o filme de Lumet (a repressão do segundo é mais latente, enquanto no primeiro o local tem um efeito mais sutil) ambos se prestam a bons exemplos de como um bom diretor, ciente de suas intenções, busca no elemento “cenário” o apoio necessário para refletir, seja sobre os processos mentais (esotéricos?) de uma personagem, ou mesmo para potencializar estados de ânimo. Duas aulas de cinema, indubitavelmente.

3 comentários:

  1. Dois diretores feras! Não me lembro de ter visto nada mais ou menos de ambos.
    Muito legal essa analogia que vc traçou entre eles.
    Adorei "a trilogia do apartamento" hehe.
    beijos

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  2. Celo!

    Ótimo texto, sua análise e comparação entre dois filmes aparentemente tão distintos é extremamente correta. Ambos os filmes são excepcionais para mim, obras extasiantes de seus diretores. Mostra que muitas vezes o pouco é muito, principalmente no caso de Lumet, que fez um filme inteiro praticamente sem externas em um espaço claustrofóbico e limitado ser um dos grandes exemplos do grande cinema.

    Enfim, parabéns novamente!
    Abraços. ;)

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  3. Olá, Celo!
    Adoro esses textos que não se prendem em um estrutura de crítica, mas transcendem o rótulo, a fim de promover uma discussão mais abrangente de uma determinada temática.

    Abraçosss

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