sábado, 21 de agosto de 2010

O Ritmo Delicioso do Cinema dos Anos 80


Sabe aquela coisa de “deveria ter ficado na infância”? Não? Vai dizer que você nunca viu novamente aquela série que amava quando criança, ou aquele filme que te fazia cabular os temas, até a aula, e que anos depois, sob outros filtros (afinal você não é a mesma pessoa) esta coisa perdeu o encanto? Aí vem o sentimento de que pelo bem da lembrança boa de outrora, aquilo deveria ter ficado mesmo como memória, nunca sendo revisitado. Comigo aconteceram várias vezes. Como me martirizo por ter tentado assistir Thundercats novamente. Lion era bem mais heróico pelos meus olhos de quinze anos atrás.

Pois bem, este texto não é uma lamúria, até por que o intuito dele é falar exatamente sobre o inverso do que seu parágrafo inicial anuncia, ou seja, a alegria imensa de revisitar algo que era saudosa lembrança, e que se mostra bom, muito bom, mesmo após anos. Aconteceu isto comigo há pouco, quando resolvi assistir novamente, passados longínquos 14 anos, Footloose - Ritmo Louco, um filme que sempre me vinha pela excelente trilha sonora e por ter me apresentado Kevin Bacon, ator que hoje admiro. Bem, foi tão bom constatar que o filme não envelheceu, continua bom, aliás, muito melhor do que eu lembrava. Uma cidade pequena na qual não se pode dançar, onde existe uma repressão a determinados tipos de expressão, e que vira morada de um garoto da cidade grande, acostumado com a liberdade que, de cara, ele nota não poder mais gozar, pelo menos não com a mesma intensidade. A premissa é simples, parece até banal, mas há muito agregado neste filme que pode até passar por simplório entretenimento, mas não é.

Footloose - Ritmo Louco é então protagonizado por um forasteiro que, no decorrer da trama, mudará as coisas na cidade interiorana e retrógrada, cujos núcleos, a princípio, ora o repelem por preconceito, ora se encantam com a espécie de aura progressista que dele emana. Ren não se encaixa no tipo badboy que atrai as caipiras, nem muito menos no certinho que assume o papel de vítima do preconceito de uma cidade que pensa pequeno e tem medo de crescer. Neste filme o protagonista é somente um catalisador para os conflitos que expõem seu verdadeiro tema: a dificuldade de comunicação entre as gerações. Pode parecer pretensão ou mesmo tentativa vã de “cerebralizar” algo que se presta (na superfície) somente a um entretenimento que mistura muito bem música, boas atuações e história simpática, mas não. Em Footloose - Ritmo Louco a mostra de uma sociedade que tenta privar os jovens da música, dos livros e de qualquer outra influência que possa macular o comportamento que ela, a sociedade, e seus poderes, julgam ideais, aponta para a dificuldade dialética entre as gerações, e as conseqüências decorrentes desta dificuldade. Estas conturbadas relações, principalmente entre pais e filhos, são evidenciadas no filme pela forma como Ariel, interesse romântico de Ren, e seu pai, o pastor, espécie de líder da repressão moral aos jovens da pequena cidade, estabelecem suas conexões familiares.

Pode-se certamente acusar o filme de utilizar algumas elipses para dar saltos que jogam para baixo do tapete alguns conflitos, mas sabe quando o filme cativa de tal maneira que te faz um pouco indulgente? Não creio que Footloose - Ritmo Louco seja uma obra-prima, tem lá seus defeitos e suas inconstâncias, mas é deliciosamente empolgante como entretenimento (me pegava balançando os ombros durante as músicas) e nada raso se apurarmos o olhar em busca de significâncias mais sólidas e relevantes. Sobreviveu ao tempo, encantou em idos tempos o Marcelo que gostava do Lion e dos Thundercats e encantou ainda mais o agora cinéfilo Marcelo, que já nem acha a Cheetara tão bonita assim, mas que continua fã  incondicional dos passos de Kevin Bacon pela cidade que tentou sufocá-lo, mas que acabou cheia de ar e de vida.

Ps.: Destaque para a abertura do filme, genial, os pés dançando ao som do icônico hit de Kenny Loggins.
Ps².: Coloco em relevo também a cena do duelo entre Ren e Chuck, embalados por outro hit oitentista, que lembra aqueles brigas automobilísticas de vida e morte que os filmes dos tempos da brilhantina exploravam, aqui homenageados num embate de tratores, evidenciando o caráter interiorano da cidade. Muito bom.
Ps3.: Que jovem, naquele contexto, extravasaria seus sentimentos, oprimido e farto de tanto preconceito, dançando, ao invés de quebrar alumas coisas e depredar propriedades? Cena antológica.


5 comentários:

  1. Devo assistir a "Footloose" com um olhar bastante diferente do seu Celo, já que nunca vi o filme durante a adolescência... Mas me lembrei durante a leitura do seu texto de "Grease", filme que eu assistia diariamente na minha infância e no começo da minha juventude (de verdade, deve ser o filme que mais vi na vida, junto com Toy Story) e pelo qual mantenho sentimento parecido com o que você descreve - o de gostar tanto quanto ou ainda mais após uma revisita tardia.

    Abraços Celo!

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  2. Compartilho desta mesma opinião, de que quando revemos alguns filmes, eles se tornam diferentes daquilo que vimos há tempos e que nos empolgavam, encantavam.
    Mas que como você disse, no caso de "Footloose" isso não ocorre. A surpresa é de outra ordem e continua agradando.
    Penso que alguns filmes, bem como atores e atrizes podem se tornar imortais e serão sempre bem vindos independente da época, do contexto.
    "Footloose" além de ser um ótimo entretenimento, apresenta uma temática que nunca sairá de moda: uma moral conservadora local x prazer transgressor típico adolescente.
    Não só isso, mas diversos elementos tornam esse ,um filme memorável. A trilha como você disse é excelente,e não à toa recebeu duas indicações ao Oscar pelas canções: "Footloose e Let's hear it for the boy".
    "Footloose" tem realmente um ritmo delicioso que embala e tem "pegada".
    Ele expressa ao meu ver o clima dessa década que só depois foi reconhecida como rica em filmes e livros.Já que na época muitos dos filmes considerados trashs, exibidos somente nas sessões "Midnight" foram mais pra frente considerados Cults como : "Veludo Azul"(1986)"Blade Runner"(1982) e Novos Clássicos como "Footloose", "Clube dos cinco", "Curtindo a vida adoidado" .
    Acho que "Footloose"tem mesmo tudo pra ser considerado um clássico daqui uns anos.
    Eu amo esse filme!

    Carol

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  3. Oi Carol,

    Não sabia que tu gostava de "Footloose" assim como eu. Este é certamente um dos meus filmes do coração, daqueles que tenho vontade de rever toda semana quase.

    Espero que o remake planejado não saia do papel, seria um sacrilégio.

    beijos

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  4. Nem fala Marcelo, seria mesmo um sacrilégio!
    Como foi com "Fame", filme que também amo e que o remake foi péssimo.
    Enfim...só nos resta aguardar!
    beijos
    Carol

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  5. Oi, Celo!
    Nunca vi "Footloose", mas seu belo texto despertou em mim tal ímpeto.

    Obrigado,
    Abraçossss

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