segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O Ás na Manga de Billy Wilder


Não se pode passar incólume ante um filme como A Montanha dos Sete Abutres. Recentemente muito comentado por conta do acidente com os mineiros chilenos (guarda semelhanças, pois trata da história de alguém que ficou preso nos escombros de uma montanha), este filme de Billy Wilder, um mestre, dos maiores que já filmaram em Hollywood, também é comumente associado ao jornalismo, profissão do protagonista, e do próprio Wilder antes que trabalhasse na indústria do cinema. Não se faz uma faculdade de jornalismo sem que veja ou, no mínimo, se ouça falar do filme, por sua abordagem da ética jornalística, matéria tão em falta nas coberturas que vemos por aí. Mas seria redutor, do meu ponto de vista, taxar A Montanha dos Sete Abutres somente como um magnífico exemplo da má conduta de alguém ávido pela notícia. O filme é mais que isto, bem mais.

Por meio da figura de Tatum, o jornalista brilhantemente trazido à vida pela interpretação de Kirk Douglas, podemos desenvolver uma série de leituras, expediente comum quando se busca a análise dos personagens de Wilder, aparentemente simplórios, mas dotados de uma complexidade ímpar, como poucos escritores de cinema conseguiram criar e outros poucos diretores conseguiram evidenciar. O homem fracassado que busca emprego de maneira confiante (externamente), por conta da falência de suas anteriores tentativas, que nada tinham a ver com seu talento para a profissão, e sim com escorregões de conduta e/ou desvios morais, é aceito numa pequena comunidade, alheia a vida que sempre desejou em meio às metrópoles e a efervescência das notícias. Em pouco tempo ele fica aborrecido e vê na primeira oportunidade concreta, a possibilidade de mudar de vida, de crescer, de ser mais. Este comportamento encontra um duplo na mulher do soterrado, que já não dispondo mais de amor pelo mesmo, acha na tragédia de seu ainda cônjuge uma possibilidade de enriquecer e também mudar de vida, sair do buraco interiorano onde vive.

Voltando a questão ética, tão falada nas faculdades de jornalismo que se apropriam de A Montanha dos Sete Abutres como exemplo, ela é mostrada, ou melhor, registrada como ausente, não só na figura da imprensa, facilmente identificada com abutres em busca da carniça (aliás, nas palavras de Tatum, notícias são as más, as boas nem podem ser chamadas de notícias), mas também em muitos outros personagens e situações que evidenciam esta praga (a falta da tal ética) que corrói a sociedade. A família que passa as férias em frente a montanha, a exploração do comércio e turismo ligados ao fato, o xerife que busca se reeleger construindo uma falsa imagem heróica (e é genial a história de ele alimentar um bebê de serpente de vez em quando, numa das metáforas mais fortes do filme), enfim, tudo que gira em torno do drama torna evidente esta falta de ética que parece instaurada no consciente coletivo, quase como que inerente ao humano.

A Montanha dos Sete Abutres é, portanto, mais do que um manifesto pelo bom jornalismo, utilizando para isto um exemplo quase que extremo de mau profissional. Poderia muito bem ser uma narrativa maniqueísta, nesta mania de enquadrar bons e maus, e colocá-los em lados totalmente opostos, sem espaços para nuances. Mas não podemos esquecer que, além de ter sido feito em tempos nos quais Hollywood abundava de talentos e era ponto de partida de verdadeiras obras-primas, o roteirista e diretor é Billy Wilder, um dos grandes, um “samurai”, como costumamos denominar carinhosamente entre amigos os grades diretores, aqueles cujas obras passam da tela para a eternidade. A Montanha dos Sete Abutres é uma das realizações que fazem de Wilder um diretor atemporal.

3 comentários:

  1. Billy Wilder é um gênio! E você disse tudo: seus filmes são atemporais.
    Podemos vê-los em qualquer época que terá efeito, consistência.
    "A montanha dos sete abutres"aborda temas morais e éticos que são questões atualíssimas e acho que sempre serão.
    O que eu pessoalmente acho senscional em suas obras é que desde os filmes menos falados como: "Irma La Douce"(que é maravilhoso),"Beija-me Idiota" até "Crepúsculo dos Deuses" passando por "A montanha dos sete abutres" Billy Wilder nunca perdeu a mão e deixou um legado precioso.
    "Se meu apartamento falasse" pra mim, é um dos filmes com o roteiro mais sagaz que eu conheço.Shirley McLaine e Jack Lemon dão um show à parte assim como em "Irma La Douce"!

    Ótima homenagem Marcelo!
    bjs
    Carol

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  2. Olá, Celo!
    Como estudante de comunicação e, principalmente, partidário de críticas bem fundamentadas, anoto este para uma visita em breve.

    Abraçossss

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  3. Falei brevemente sobre este filme tem algum tempo, mas o mesmo pedia por uma análise integral e aprofundada, e a sua veio em ótima hora. Wilder está entre meus favoritos, sem dúvida, e seu cinema é sinônimo de inteligência e qualidade - clichê que aqui é inegável.

    Abraços Celo, parabéns pelo texto!

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