quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Equilíbrio das Boas Opiniões


Entreguei-me de corpo e alma (e quando viu, lá se foi o primeiro clichê) à tarefa hercúlea de ler as edições fac-similares da revista Filme Cultura, tão importante instrumento de referência cinematográfica de outrora, que foi recentemente reativada, tendo este belíssimo lançamento (da versão fac-similar) como marco de reinício. São lindos livros, cada um dos cinco, compilando doze edições da revista, num texto miudinho, o que significa que as mais de 4000 páginas render-me-ão um bom tempo junto às personalidades nacionais do pensamento cinematográfico das décadas de 60 a 80, período em que a revista sobreviveu, passando pelas turbulentas eras em que o Brasil estava inserido, tanto no campo político como no social.

Tenho certeza de que tal leitura enriquecerá, e muito, minha percepção acerca de alguns filmes, ou mesmo de fenômenos ligados ao cinema, neste caso à guisa das épocas, no frescor dos acontecimentos, sob a jurisdição de quem era farol deste tipo de análise em idos tempos. Onde mais poderíamos encontrar uma entrevista de Stanley Kubrick quando do lançamento de 2001 Uma Odisséia no Espaço? Em período cibernético, não há de se duvidar de nada, mas em papel, sentindo o peso da edição e o contato com as palavras de maneira quase física, duvido muito que se tenha semelhante oportunidade.

Imagino que muitas leituras me levarão a reflexões, que se configurarão posteriormente em posts por aqui, em parte pela minha tendência ao devaneio, em outra por conseguir pinçar, entre um artigo e outro, entre uma análise fílmica e outra, algo que julgo merecer a atenção de quem por aqui se abastece de alguma forma. Algo que me chama a atenção no momento, é uma enquete realizada, paulatinamente a cada edição, sobre a visão dos críticos a respeito do Cinema Novo, o maior movimento (escola?) cinematográfico que o Brasil já gestou. Uma coisa é ter uma opinião agora, olhando retrospectivamente, buscando um contexto e, tendo visto os filmes, analisar o Cinema Novo e achar para ele um espaço na história mundial do cinema. Outro assunto é ler como estes críticos viam os cinemanovistas e suas obras, no calor de seus lançamentos, influenciados ainda pelo ambiente social da nação naqueles claudicantes tempos.

As opiniões, como costumam ser, independente do assunto, são as mais variadas possíveis, e são, também como de costume, geralmente extremadas. Há de se entender que o Cinema Novo sempre foi taxado “de esquerda”, por mostrar as mazelas do Brasil, os menos favorecidos, ao passo que demoniza o capitalismo, o fazendeiro, ou mesmo as relações opressoras de trabalho, que fazem do pobre cada vez mais pobre e do rico cada vez mais afortunado. Na época, e falamos da década de 60, o Brasil vivia um clima político muito acirrado, e este entorno certamente influenciava as opiniões acerca do Cinema Novo, conforme a posição política do analisador. Nota-se que alguns críticos acolhem o movimento, certamente por seus méritos, mas muito pela afinidade com esta visão de esquerda, sendo também o contrário verdadeiro, e certamente mais gritante, com os detratores sendo cegados às qualidades dos filmes inseridos no Cinema Novo, pelo simples fato de eles expressarem uma visão de mundo, de política mais precisamente, que ia de encontro com a sua. É mais ou menos o que se observou recentemente nas opiniões sobre Tropa de Elite, polarizadas entre gente que o achou fascista e gente que encontrou nele, além de signos cinematográficos interessantes, uma resposta aos anseios do povo, farto da não segurança das grandes metrópoles.

Nem todas as opiniões são extremadas, e é justamente nelas que me apego com mais vigor, quando delas me aproprio para construir minha própria, pois nestes julgamentos vejo o equilíbrio necessário para qualquer construção sadia e menos afetada. É certo que uma obra, e o cinema não é diferente, tem de ser vista por diversos ângulos, não só os que lhe são intrínsecos, mas também os que lhe fornecem base e elementos, mas há de se convir que quanto menos contaminada por questões que costumam cegar o homem (como posturas radicais, sejam elas políticas e religiosas, só para citar dois exemplos), mais qualificada será a opinião manifestada, pois dela se conseguirá extrair não só a análise em si, mas também uma visão plural, ampla, sem espaço para chapas brancas e painéis monocromáticos, sem que nela sejam vistos panfletos originários de olhares cansados e/ou pouco generosos.

5 comentários:

  1. Muito bacana o texto e principalmente a reflexão Marcelo.

    Eu sou da teoria de que essa neutralidade que deveria ser inerente ao exercício dos críticos no Brasil estão cada vez mais escassas.E quando me refiro a neutralidade, quero dizer que quanto menos influências o crítico tiver ao analisar um filme, melhor será, menos ele estará "contaminado"e portanto contagiará o leitor que muitas vezes é leigo no que se refere as sofisticações da 7a arte e acabam não vendo um filme ou outro por influência desses que pixam com facilidade um filme ou outro e /ou ovacionam com entusiasmo digno de "melhor filme" já visto.

    E pode ser uma espécie de preconceito da minha parte, mas acho que quando se trata de filmes nacionais, a maior parte dos críticos pelo menos os cariocas e paulistas tendem a reverenciar a ala de filmes nacionais, não importando quase nada, como se faltassem critérios para tal posicionamento quase sempre positivo.
    O auge pra mim foi o Luiz Carlos Merten,que não é nem carioca e nem paulista mas gaúcho e talvez esse fuja à regra, não sei.. (crítico de cinema renomado) que eu admirava muito ,colocar nas alturas "A suprema felicidade". Na realidade o problema não foi ele falar bem pura e simplesmente(afinal gosto é gosto) mas tecer os comentários acerca do filme que teceu.
    Me desculpem e a quem interessar possa: eu DUVIDO que um filme como este tenha causado tudo aquilo que o crítico citado relata nesta matéria.
    http://blogs.estadao.com.br/luiz-carlos-merten/ai-ai-ai-ui-ui-ui/

    Ou ainda se causou é porque os parâmetros para os críticos mudaram e muito, chegando a assustar. E mais, fica parecendo que em nome do cinema vale tudo, qualquer coisa, qualquer loucura, qualquer compilação de cenas constrangedoras,exdrúxulas e desconexas.
    E nessa perspectiva eu me pergunto: será que os cinéfilos e críticos de plantão em função de renome e tradição desse diretor, não teriam coragem de se opor à maioria? Expondo verdadeiramente sua opinião sem medo de estarem se opondo a um homem que tem(em nome do cinema) me parece as "costas quentes"?

    Cada vez mais pra mim, admiro aqueles críticos que são capazes de apreciar um filme, mesmo sem fazer parte do seu gênero predileto , comentando não para convencer o público, mas sendo fiel a si próprio, ao seu gosto e estando de acordo com uma série de requisitos. Ser capaz de contextualizar é um deles que muitos parecem não possuír.
    Tudo bem que "toda crítica é uma arte e não uma ciência", tendo em vista que o conteúdo a ser analisado é extremamente subjetivo, no entanto não creio com toda sinceridade, que valha tudo e que o cinema nacional tenha suplantado todas as falhas,que tenha de uma hora pra outra como tem demonstrado dado uma virada e que então daqui pra frente tudo é lindo e maravilhoso.
    Poderia citar o nome de mais meia dúzia de críticos que ao meu ver, são reféns de uma comercialização do cinema nacional, que por sua vez equivocadamente se expande cada vez mais num rumo de venda(para inglês ver, literalmente), muitos mais do que no rumo à arte como deveria ser. Salvo algumas excessões.

    beijos
    Carol
    parabéns pelo texto, tão polêmico e digno de reflexão que acabei que empolgando rs.

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  2. Carol, a única coisa que tenho de fazer é agradecer por suas palavras, uma visão lúcida e fruto de uma reflexão profunda, certamente. Muito obrigado por enriquecer meu texto com teu comentário, de verdade.

    beijos

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  3. Eu que agradeço e acho muito legal o blog de vocês se prestar também a esse tipo de assunto, de tema.
    A sétima arte parece que domina, mas pelo que tenho acompanhado sempre sobra um espacinho para reflexões muito interessantes relacionadas a outros campos de interesse e a própria definição do blog fala nessa contemplação a arte de uma forma geral.
    Acho isso ótimo e muito democrático!

    Parabéns a vocês pela iniciativa.

    bjs

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  4. Olá, Celo!
    Parabéns pelo texto e pela pequena, contudo valiosa, análise acerca da opinião equilibrada.

    Abraçosss

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  5. Ah Celo, te invejo tanto pela incrível aquisição quanto pela devoção e dedicação com esta leitura! Imagino o quão interessante e esclarecedora esta sua incursão sobre o jornalismo cinematográfico de décadas atrás esteja sendo. Espero que isso não fique apenas na imaginação.

    Grande abraço!

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